Em entrevista concedida à Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), o diretor do Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), Carlos Alberto Brayner de Oliveira Lira, discorreu sobre os principais desafios e projetos da instituição, que é o braço da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) instalado em Recife/PE, mas voltado para as regiões Nordeste e Norte do País. Graduado em Engenharia Eletrônica pela Universidade de Pernambuco (UPE) e mestre, doutor e pós-doutor na área nuclear, Carlos Alberto Brayner detalhou os projetos que o CRCN-NE possui nas suas áreas de atuação – pesquisa, desenvolvimento, inovação e ensino; produção de radiofármacos; radioproteção; recolhimento de rejeitos; e atendimento a emergências radiológicas e nucleares -, bem como nas que pode vir a atuar.

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Sobre a geração nuclear, hoje restrita no País ao Município de Angra dos Reis/RJ, a Eletronuclear conduziu, há alguns anos, um estudo que apontou eventuais sítios no Brasil com bom potencial para a implantação de usinas nucleares e, dentre eles, há um localizado no Município de Itacuruba/PE. Como o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 prevê a expansão da matriz nucleoelétrica na ordem de oito a dez gigawatts (GW), além de Angra 3, é possível que a região esteja no radar. Ao analisar tal possibilidade, o diretor do CRCN-NE ressaltou a vocação nuclear de Pernambuco – possui instituições consagradas e figuras históricas na área – e os diversos benefícios econômicos, sociais, científicos e tecnológicos que uma central de geração nuclear propiciaria ao Estado.

Confira, abaixo, a entrevista com o diretor do CRCN-NE/CNEN, Carlos Alberto Brayner de Oliveira Lira.

O senhor é diretor do CRCN-NE desde junho de 2019. Quais os principais desafios à frente do cargo?

Quando assumi a direção do CRCN-NE, encontrei uma série de dificuldades: algumas esperadas e outras não. Entre as mais esperadas, a falta de recursos para investimentos em novos equipamentos, manutenção do parque de equipamentos hoje existentes e de infraestrutura. E, entre as inesperadas, a falta de diretrizes para as políticas do Centro e ausência de cargos comissionados que dariam fluidez aos processos. Tivemos que reestruturar o organograma da instituição, definir as atribuições de cada setor e criar um Plano Diretor. Esse documento demonstra as pretensões de um órgão público. Nós tivemos um grande desafio para enfrentar essas dificuldades.

Quais os principais projetos conduzidos no CRCN-NE?

Existe um projeto da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) de grande alcance, pois abrange várias pesquisas. Chamado de Cenuno, ele já estava sendo desenvolvido, mas demos um impulso. Conseguimos comprar a maior parte dos equipamentos previstos – estamos finalizando a compra de um de grande porte – e temos bolsistas trabalhando. Esse projeto envolve muitos recursos e tem vários destaques. Um deles é reforçar toda a linha da dosimetria biológica, com a compra de microscópios e outros aparelhos. Ele visa à compra de um micro PET-CT para análise da aplicação de radioisótopos in vivo (cobaias). Esse tipo de projeto atrai o interesse da comunidade de cientistas e pesquisadores aqui da região. Esse equipamento que citei colocaria o CRCN-NE na dianteira do desenvolvimento da área de análise. Também demos entrada em outros projetos, dos quais aguardamos resultado. Um deles é a compra de um “baby cíclotron” para dar condição aos radioisótopos, principalmente em pesquisa clínica. Temos um cíclotron grande, dedicado à produção comercial de 18F-FDG, que é um radiofármaco bastante utilizado na Medicina Nuclear. Existem outros subprojetos no âmbito do Cenuno, porque ele é como uma colcha de retalhos. As várias áreas de atuação do CRCN-NE fizeram propostas, sendo algumas aprovadas pela Finep.

O senhor poderia citar outros projetos desenvolvidos no Centro?

Possuímos projetos em parceria com universidades, com apoio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um deles é Laboratório para Irradiação in vivo de arboviroses. Temos o Laboratório Emergencial de Combate ao COVID-19, criado no auge da pandemia para produzir materiais para instituições públicas, como faceshield, jalecos e álcool. Com o passar do tempo, vários estudos foram feitos, como um para examinar qual material seria mais adequado para um centro cirúrgico. Vislumbramos um horizonte com grande atividade nesse setor. Outro projeto no CRCN-NE, que não é contemplado pelo Cenuno, visa ao reaproveitamento de fontes radioativas para construção de Irradiadores tipo GAMMACELL. O Centro possui projetos fracionados em diversas áreas que já atua – Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e Ensino; Produção de Radiofármacos; Radioproteção; Recolhimento de Rejeitos; e um serviço de atendimento a emergências radiológicas e nucleares para toda as regiões Norte e Nordeste – e que pode vir a atuar.

Como é a produção de radiofármacos e o ensino no CRCN-NE?

A nossa produção de radiofármacos contempla o 18F-FDG, que é utilizado para o diagnóstico de doenças. Todavia, nosso acelerador cíclotron enfrenta problemas de manutenção e, no momento, está parado. Estamos fazendo um esforço para recuperar essa máquina e colocá-la em operação o mais breve possível. Ficamos na dependência de agenda, pois a empresa fabricante é belga, e de recursos. Sobre o baby cíclotron, ele não possui capacidade comercial, mas produziria quantidades para pesquisa e para atender demandas pontuais de hospitais e clínicas. Por causa da meia-vida curta do radiofármaco, a logística de malha aérea é um desafio complexo. Portanto, o ideal é produzirmos aqui na região.

Com relação a ensino, o CRCN-NE proporciona a formação de estudantes em vários níveis. Temos programas de Iniciação Científica para graduandos e, nas categorias de Mestrado e Doutorado, somos parceiros da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares (Proten), de nível 5 na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Esse Programa é uma associação do nosso instituto com o Departamento de Energia Nuclear (DEN) da UFPE. Temos vagas no corpo docente e na vice-coordenação do curso. É uma associação oficial com convênios assinados pela UFPE e pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e com beneplácito da Capes. Economizamos na criação de um curso, mas contribuímos com bolsas de Mestrado e Doutorado.

Como é a relação do CRCN-NE com os outros institutos da CNEN?

Tive que me habituar com o modo de trabalho da CNEN, visto que, na universidade, de onde sou egresso, é bem diferente. Posso falar que nosso relacionamento é excelente. Temos participação em projetos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na área de nanopartículas, e temos colaborações eventuais com outros institutos. Recebemos servidores do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) e Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO). Todos os institutos têm dificuldades em recursos e pessoal, mas procuro abordar o problema de uma forma que seja resolvido com o que temos. Atualmente, o CRCN-NE possui 69 servidores e empregados públicos, contando as áreas técnica e administrativa. É pessoal da CNEN e cedido por outras instituições. A Infraero nos enviou oito, por exemplo.

Pernambuco tem tradição no setor nuclear, pois reúne entidades como o CRCN-NE, o DEN/UFPE e o Museu de Ciências Nucleares. A Eletronuclear fez um estudo há alguns anos que concluiu que um sítio no Município de Itacuruba reuniria boas condições para a implantação de uma central nuclear. Em sua visão, o que tal empreendimento representaria para o estado?

A situação do Estado de Pernambuco na área nuclear não é circunstancial, mas sim uma construção. As iniciativas de físicos e cientistas estão presentes desde o início da era nuclear no Brasil, de figuras proeminentes como o Padre Carlo Borghi, Mário Schenberg, José Leite Lopes e o professor Atilio Dal’Olio. Com suas habilidades visionárias, esses homens instigaram o interesse das pessoas em conhecer melhor as tecnologias nucleares e suas aplicações benéficas. Em termos de atividades nucleares, o que acontecia aqui não era muito diferente do que acontecia em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Logicamente, o estado é afastado e os recursos eram complicados, mas as iniciativas já existiam. Elas nos propiciaram uma infraestrutura em conhecimento, pesquisa e inovação. Já em 1965, a UFPE, outrora Universidade de Recife, conseguiu um reator subcrítico – não era um reator completo – que permitia o estudo de parâmetros nucleares para fins didáticos.

Em 1968, por sua vez, foi criado o Departamento de Energia Nuclear da UFPE, que reunia programas de capacitação na área nuclear por meio de cursos de introdução e, posteriormente, com o Programa de Pós-Graduação, e tivemos um grande diferencial, que foi a inauguração do CRCN-NE. Além de marcar o território da CNEN na região, ele complementava as atividades do DEN e dava início ao oferecimento de serviços para a comunidade, em áreas como emergência radiológica, produção de radiofármacos e depósito de rejeitos radioativos. Isso tudo representa um arraste tecnológico.

Posteriormente, foi inaugurada a Gerência Regional da Eletronuclear no Recife, que atuou durante vários anos e fez um estudo completo de sítios na Região Nordeste. Foi apontado um sítio muito favorável em Pernambuco, localizado em Itacuruba. Desde a finalização desses estudos, tentamos mostrar às pessoas o arraste que essa instalação nuclear teria na região do semiárido pernambucano, às margens do Rio São Francisco. Atendendo aos requisitos técnicos, seria possível instalar uma central com até seis usinas nucleares. Essa instalação proporcionaria desenvolvimento social de uma região pobre e abriria espaço para nossos alunos egressos da pós-graduação, bem como para empresas prestadoras de serviços e fornecedoras de insumos para a área nuclear. Como tudo isso gera riqueza e desenvolvimento, sou totalmente favorável em investir em energia nuclear, que é limpa, segura, confiável e competitiva. Evidentemente, não descarto a geração de energia por outras fontes, mas desprezar a nuclear sob o argumento de perigo é apenas uma falácia. Cabe dizer também que o setor nuclear prima pela segurança e que há uma diferença entre perigo e risco. O perigo existe sempre, mas o risco é praticamente eliminado com as medidas de segurança.

Podemos dizer então que CRCN-NE está plenamente apto a fornecer profissionais com formação qualificada para essa eventual central nuclear?

Claro! Temos pessoas preparadas nas áreas de reatores, para trabalhos com materiais radioativos e em análises de solos, plantas e águas. Além disso, podemos facilmente prestar serviços para a própria central nuclear. Pernambuco possui os potenciais usuários, muitas clínicas de Medicina Nuclear e indústrias que usam tecnologias nucleares em seus processos. Esse é o cerne da atividade; ela existe por conta das instituições, da infraestrutura, do conhecimento e da consolidação de anos de trabalho para elevar o nível do uso da radiação ionizante em benefício da sociedade.

Qual a sua opinião sobre a relação do CRCN-NE com a ABEN?

Nossa relação é de longa data. As iniciativas da ABEN sempre foram apoiadas pelo CRCN-NE. Posso citar a International Nuclear Atlantic Conference – INAC 2021, que foi muito apoiada pelo Centro e tivemos um resultado medido em trabalho útil bem elevado. Agora temos uma outra missão que é reativar a Regional da ABEN em Pernambuco. Isso seria melhor posicionado com o DEN/UFPE, mas, como sou de lá, tentarei uma articulação para que um professor possa ser responsável pela Regional da ABEN. De minha parte, eu sou associado e procuro sempre incentivar os demais a participarem da ABEN. Estamos em plena sintonia. O dia a dia infelizmente é muito curto, às vezes perdemos um pouco o ritmo, mas estamos sempre renovando essa nossa colocação para auxiliar a ABEN e outras instituições que investem no setor nuclear. Desejo sempre ver a ABEN brilhando, cumprindo o papel de promover as atividades nucleares.

O senhor gostaria de dar uma palavra final?

Temos muitas ideias e muitos projetos, como Laboratório de Imageamento Molecular, reaproveitamento de fonte radioativa para irradiador gama e nas áreas de microplástico e nanoplástico. As ideias surgem de uma área para a outra, pois cooperação em ciência é assim. Um projeto nosso de grande sucesso é o robô Aurora, que foi construído em parceria entre o CRCN-NE, a UFPE e o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE). Esse robô é voltado para a esterilização de ambientes hospitalares, inclusive com capacidade de eliminar o coronavírus, e foi tema de diversas reportagens na mídia nacional.

Fotos: Gilvania Ferreira / Ascom CRCN-NE

Autor: Bernardo Andrade