Fonte da imagem: Reprodução/TheInfoZombie

Diante dos atuais conflitos armados, nomes como Spectre, Punisher, Bayraktar, Reaper, Phoenix Ghost, Switchblade e Vector têm se tornado cada vez mais usuais no contexto das operações militares. Mas, o que esses nomes representam? Todos são nomes de drones de emprego militar, um meio de guerra da quarta revolução industrial que se utiliza de tecnologia sofisticada e conectada à inteligência artificial para defender os interesses de diversos países.

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O investimento no desenvolvimento de sistemas aéreos de combate não tripulados é uma realidade na área da defesa de vários Estados. Alguns desses sistemas se enquadram na sexta geração de aeronaves de combate, partindo do princípio de que essa geração terá autonomia, pois certos modelos possuem sensores que habilitam um sistema baseado em inteligência artificial a detectar, classificar e decidir executar um ataque de modo autônomo.

Essas armas reduzem, paulatinamente, a presença humana no campo de batalha, substituindo os soldados combatentes por sistemas de armas, muitas vezes com autonomia nas funções críticas de selecionar e atacar alvos.

Nesse sentido, cabe destacar que essa autonomia dos sistemas, no contexto das operações militares, deve ser exercida segundo uma estrutura jurídica conformada pelo Direito Internacional (basicamente, o Direito Internacional dos Conflitos Armados e/ou Direito Internacional dos Direitos Humanos), uma vez que são os seres humanos, e não as máquinas e os programas de computador ou drones autônomos, que aplicam e devem respeitar as normas do DICA (os termos “Direito Internacional dos Conflitos Armados”, “Direito Internacional Humanitário” e “Direito da Guerra” podem ser considerados sinônimos).

O DICA requer que aqueles que planejam, também decidam, realizem ataques, e analisem a aplicação de suas normas antes de executarem uma ofensiva, visto que o uso da força durante os conflitos armados não é ilimitado e impõe obrigações, devendo sempre ocorrer dentro de um marco jurídico específico.

Na condução das operações militares, deve-se ter um cuidado constante para poupar a população civil, as pessoas civis e os bens de caráter civil. Todas as precauções possíveis devem ser tomadas antes da realização de um ataque para evitar e, em última instância, minimizar a perda incidental de vidas civis, feridos civis e danos aos bens de caráter civil.

Diante de tal cenário, à ótica do DICA, surgem alguns questionamentos sobre o emprego dos sistemas aéreos de combate não tripulados autônomos:

a. As armas autônomas têm a capacidade de avaliar o dano colateral de um ataque?

b. Os sistemas autônomos podem identificar um objetivo militar legítimo?

c. Esses sistemas conseguem empregar um método ou meio de combate cujos efeitos possam ser limitados como exige o DICA?

d. As armas autônomas podem diferenciar um combatente de um civil? Elas têm condições de distinguir um combatente de uma pessoa fora de combate?

e. Os sistemas autônomos teriam uma melhor capacidade de identificar alvos militares do que os combatentes (elemento humano)?

f. Tais sistemas poderiam aplicar os princípios básicos do DICA (da necessidade militar, da humanidade, da distinção e da proporcionalidade) antes da execução de um ataque?

g. Quem seria responsabilizado, caso uma arma autônoma venha a violar uma norma do DICA?

h. Esses sistemas autônomos são suscetíveis a ataques e manipulações por hackers, capazes de resultar em acidentes e ações terroristas?

Partindo-se da premissa de que as guerras sem limites são guerras sem fim, verifica-se que os limites impostos pelo DICA são fundamentais para evitar a espiral de violência.

Por exemplo, o Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra, adotado em 1977, complementa a proteção conferida pelas quatro Convenções de Genebra, sendo aplicável em conflitos armados internacionais. Impõe limites adicionais no modo em que as operações militares podem ser conduzidas e fortalece, ainda mais, a proteção aos civis.

De acordo com seu artigo 36, cada Parte tem a obrigação de determinar, durante o estudo, a preparação, a aquisição ou adoção de uma nova arma, de novos meios ou de um novo método de guerra, se o seu emprego seria proibido em algumas ou em todas as circunstâncias pelas disposições do presente protocolo ou por qualquer outra regra do direito internacional aplicável. Dessa maneira, o DICA busca regular o desenvolvimento da tecnologia armamentista e a aquisição de novas armas pelos Estados.

Porém, independentemente da norma supracitada, evidências apontam que, nos recentes conflitos armados do Afeganistão, da Síria, da Líbia, do Nagorno-Karabakh e da Ucrânia, o emprego de sistemas aéreos autônomos no teatro de operações é real e que diversos países e grupos não ligados a governos já possuem tais ferramentas de guerra. Seu emprego deixou de ser uma exclusividade dos Estados Unidos da América (o país liderou avanços e investimentos na área dos sistemas aéreos autônomos, em especial, após os eventos de 11 de setembro de 2001) devido à diversificação de empresas produtoras (notadamente as israelenses, chinesas e turcas) que têm contribuído para a disseminado da aquisição dessas armas autônomas.

Infelizmente, de forma dissociada do DICA, indícios apontam que os ataques com drones de emprego militar autônomos têm causado significativo número de mortos civis e atingido bens protegidos, situações que, em tese, podem caracterizar crimes de guerra.

Já os artigos 57 e 58 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra apresentam uma série de medidas de precaução a serem adotadas antes da execução de um ataque e contra seus efeitos, respectivamente. A fim de que as pessoas e os bens protegidos sejam efetivamente poupados, o comportamento dos combatentes nas operações militares, durante os conflitos armados, está sujeito a restrições. Dessa forma, pairam dúvidas se os drones autônomos empregados por diversos países possuem a devida capacidade de análise e decisão antes de efetuarem um ataque sobre algum objetivo militar.

Nos conflitos armados, o direito das Partes escolherem os meios (armas e sistemas de armas pelos quais a violência é exercida contra o inimigo) ou os métodos de combate (táticas e estratégias aplicadas em operações militares para enfraquecer ou conquistar um adversário.) não é irrestrito. O DICA proíbe a utilização de meios e métodos de guerra indiscriminados ou que causem danos supérfluos e sofrimento desnecessário. As restrições e proibições específicas relativas aos meios de guerra (armas) e a proibição de métodos de guerra derivaram dos princípios básicos do DICA: da distinção, da limitação, da proporcionalidade, da necessidade militar e da humanidade. Nesse sentido, teriam os atuais sistemas de emprego militar autônomos a capacidade de respeitar tais princípios básicos antes da execução de um ataque?

Por outro lado, no que se refere ao uso da força, cada Estado (definido como uma entidade soberana composta de uma população, um território e uma estrutura governamental) envolvido em algum conflito armado é, naturalmente, um importante portador de direitos e obrigações perante o Direito Internacional. Por conseguinte, é responsável pelos atos de seus funcionários quando estão exercendo funções oficiais ou na qualidade de agentes de facto. Porém, quando a decisão de executar um ataque sobre um objetivo militar violar alguma norma do DICA, e ele for realizado por um sistema autônomo, isto é, por um programa baseado em inteligência artificial, quem será responsabilizado?

Devido aos grandes questionamentos sobre o uso de sistemas de emprego militar autônomos, observa-se a importância da correta avaliação do custo humano por parte dos Estados antes de investirem no desenvolvimento ou na aquisição de tais armas.

Quanto ao emprego dos sistemas aéreos de combate não tripulados automatizados, verifica-se que muitos países não apresentam interesse em normatizar esse tema, uma vez que tal regulamentação poderia limitar a sua liberdade de ação durante as operações militares. Assim, muitos Estados, em especial os que possuem essa ferramenta de combate, evitam discussões sobre o assunto e preferem se manter em uma zona cinzenta, isto é, em uma região nebulosa do DICA.

Essa letargia dos países diante das discussões que envolvem a disseminação dos drones armados autônomos, uma arma nova à luz do DICA, certamente é contrária aos princípios humanitários defendidos por Jean Henry Dunant, conhecido como o pai da Cruz Vermelha, devido às questões legais, éticas e morais que envolvem o emprego de tais meios de combate no cenário atual.

Por fim, o emprego de drones armados autônomos nas operações militares é uma temática da área de Defesa que deve ser discutida por toda a sociedade. Seu uso é do interesse não só dos combatentes envolvidos nas contendas, mas também da população civil, das pessoas civis e dos bens de caráter civil, independentemente do teatro de operações em que estejam ocorrendo os conflitos armados.

Autor: Coronel Marcos Luiz da Silva Del Duca

Fonte: Blog do EB

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).