O Contra-Almirante Nelson de Oliveira Leite, da MB, recebeu a função de comandante da FTC-151 do Comodoro Ahmed Hussain, da Marinha do Paquistão, e exercerá um mandato que se estenderá de agosto de 2022 a fevereiro de 2023. (Foto: Marinha do Brasil)

A Marinha do Brasil (MB) assumiu no dia 18 de agosto de 2022, pela segunda vez, o comando da Força-Tarefa Combinada 151 (FTC-151), em cerimônia realizada em Manama, capital do Bahrein. A FTC-151 é uma força-tarefa multinacional que realiza operações para dissuadir, interromper e reprimir a pirataria na região do Chifre da África. Além disso, é uma das quatro forças-tarefa subordinadas às Forças Marítimas Combinadas (FMC), que é uma força-tarefa multinacional formada pela coalizão de 34 países e organizada para promover o combate à pirataria, bem como a segurança e estabilidade em aproximadamente 3,2 milhões de milhas quadradas de águas internacionais, que abrangem algumas das rotas marítimas mais importantes do mundo, destacando-se o Mar da Arábia, Golfo de Omã, Golfo de Áden e o Mar Vermelho. Diálogo conversou com o Contra-Almirante Nelson de Oliveira Leite, da MB, comandante da FTC-151.

Diálogo: Qual a importância para o Brasil em assumir pela segunda vez o comando da Força-Tarefa Combinada 151?

Contra-Almirante Nelson de Oliveira Leite, da Marinha do Brasil, comandante da Força-Tarefa Combinada 151:   A Somália é um país pobre, que vive as consequencias de uma longa guerra civil. Para sobreviver, a população contava quase que exclusivamente com os recursos provenientes do mar que, ao longo dos anos, foram ficando mais excassos, em função da extração predatória, realizadas por frotas pesqueira estrangeiras. Na ocasião, antigos pescadores, mal equipados e armados, iniciaram algumas ações de pirataria, inicialmente restritas a alguns poucos ataques, essencialmente para fins de roubo armado. Entretanto, a degradação das estruturas governamentais da Somália proporcionou a proliferação de organizações criminosas operando em seu território e o incremento das ações de pirataria com uma maior organização logística, nível de preparação das equipes e o uso de armas mais sofisticadas. Essas condições fizeram os incidentes de pirataria e roubo armado atingirem números alarmantes, que motivaram, a partir de 2008, o Conselho de Segurança das Nações Unidas a aprovar uma série de resoluções convocando os Estados a apoiar o governo da Somália na repressão à pirataria. Importante ressaltar que a Somália encontra-se na região de maior tráfego de navios mercantes do planeta, ligando os países do Ocidente aos grandes produtores de petróleo no Oriente Médio e a grandes economias como a China e a Índia.

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Dessa forma, a pirataria assumiu as características de uma ameaça universal e, como tal, requeria uma resposta global. Nesse contexto, em 2009 foi criada a FTC-151. Atualmente a economia é globalizada e todos os países sofrem, seja em maior ou menor grau. Dessa forma, ainda que muito distante de nosso território, o trabalho desempenhado pela FTC-151 contribui para os interesses do Brasil.

Além disso, o Comando da FTC-151 também representa uma importante fonte de aprendizagem e acúmulo de experiências na condução de ações contra a pirataria que poderão ser utilizadas em nosso entorno estratégico. Atualmente, a costa ocidental africana, em particular a região conhecida como o Golfo da Guiné, é um dos principais hot spots da pirataria e roubo armado do mundo. A Marinha do Brasil tem se empenhado no auxílio ao treinamento e preparação das marinhas e guardas-costeiras da região na repressão a essas ameaças e, portanto, o conhecimento adquirido permitirá o aperfeiçoamento dessa capacitação.

Diálogo: Como combater a pirataria numa área de mais de 3 milhões de milhas quadradas?

C Alte Nelson Leite: É fácil perceber o tamanho de nosso desafio. Para superá-lo, buscamos o constante compartilhamento de informações com as demais forças-tarefas da FMC, mas também com outras organizações que operam na região, como a EUNAVFOR [Força Naval da União Europeia], bem como com as forças regionais e seus centros de Comando e Controle, para estabelecer e manter, a todo momento, um elevado grau de consciência situacional. Além disso contamos com meios navais permanentemente desdobrados na região, que garantem uma resposta imediata a quaisquer incidentes relacionados à pirataria, em especial na chamada High Risk Area [Área de Alto Risco]. Essa área foi estabelecida pela indústria de navegação como uma região onde é recomendado aos navios mercantes a adoção de medidas contra pirataria, que englobam o Golfo de Ádem e a Bacia da Somália, e nas proximidades do Corredor de Trânsito Internacional Recomendado, que é uma via recomendada para navegação no Golfo de Ádem. A certeza de uma pronta resposta causa efeito dissuasório a piratas em potencial, restringindo suas atividades.

Diálogo: Como o senhor vê a situação da pirataria na região do Chifre da África?

C Alte Nelson Leite:  A situação atual mostra que a forte resposta da comunidade internacional foi exitosa e pode-se dizer que a ameaça da pirataria se encontra controlada. A última tentativa de ataque ocorreu em 2019. A criação da FTC-151, a constante presença de forças navais na região e o emprego de boas práticas pelas empresas de navegação, tais como o corredor que mencionei, além de uma guarda armada embarcada, são ações que se mostraram eficazes para suprimir essa prática na região. Entretanto, percebe-se que as condições que fomentaram sua ocorrência no passado permanecem inalteradas e, portanto, caso as medidas e ações contra a pirataria hoje em vigor sejam relaxadas, esse ilícito marítimo pode voltar a ocorrer. Podemos afirmar, portanto, que a pirataria na região do Chifre da África encontra-se suprimida, mas não erradicada.

Recentemente, durante a Conferência Anual de Segurança Marítima de 2022, foi observado que as diversas organizações que operam na região compartilham desse mesmo ponto de vista e foi ressaltada a importância da manutenção dos esforços internacionais para garantir a segurança regional quanto a essa questão.

Diálogo: Seu mandato vai de agosto de 2022 a fevereiro de 2023. Não é pouco tempo para uma missão tão importante e diferente?

C Alte Nelson Leite: Desde sua criação, a FTC-151 estabeleceu como padrão um rodízio constante dos comandos, em períodos que podem variar de quatro a seis meses. Acredito que esse período, que é compatível com a duração média dos desdobramentos de navios e forças navais, tenha sido proposto de forma a incentivar a participação do maior número possível de países membros nessa tarefa, que é muito importante, mas que demanda a manutenção de um elevado número de militares longe de suas funções nas marinhas de seus países. A MB, para seu segundo comando da FTC- 151, assimilou diversas lições aprendidas e estabeleceu um detalhado programa de treinamento para o Estado-Maior, habilitando o pessoal a desempenhar suas funções imediatamente após a passagem de comando. Em vista disso, o nosso entendimento é que a missão não acaba com o fim de nosso período do comando e, portanto, é nosso dever preparar nossos substitutos o melhor que pudermos – que será a Marinha da República da Coreia -, e incorporar os conhecimentos necessários para um eventual novo comando brasileiro.

Diálogo: A CTF-151 é formada pela coalizão de 34 países. Como se dá a interoperabilidade entre forças e idiomas tão diferentes?

C Alte Nelson Leite: Toda a estrutura física de trabalho é provida pela Marinha dos EUA, na Naval Support Activity, a base da 5ª Esquadra, localizada em Manama, no Bahrein, onde trabalham todos os membros do Comando da FMC e da FTC. As ferramentas de Comando e Controle, também fornecidas pela Marinha dos EUA, utilizam o “Combined Enterprise Regional Information Exchange System (CENTRIXS)”, que permite o compartilhamento de informações por meio do uso de e-mail e serviços da web, mensagens instantâneas ou bate-papo, um Common Operational Picture e telefonia VOIP. O idioma utilizado é o ingles, para todas as comunicações faladas ou escritas. Certamente existem dificuldades. Talvez a maior delas decorra da gênese dessa missão, caracterizada por ser multinacional, com seus países membros unidos em uma coalizão de vontades, em contraponto a uma característica particular de nossa formação militar, que valoriza a unidade de comando. Na FMC, cada país participa como e quando se sentir à vontade para fazê-lo. Assim, o planejamento e a condução das operações exigem um alto grau de diplomacia do Estado-Maior para convencer os envolvidos a cooperar. Entretanto, temos tido bastante sucesso nessa empreitada, fruto das capacidades pessoais e profissionais de nossos militares. Por outro lado, os benefícios da diversidade dessa coalizão são muitos. O trabalho diário é uma grande oportunidade de conhecer outras culturas e estabelecer relacionamentos duradouros com militares estrangeiros, que reforçam os laços de amizades entre as marinhas e, em última análise, entre nossos países, sendo uma ferramenta importante para a manutenção da paz.

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