Viés de sobrevivência: o erro que quase derrubou mais aviões na Segunda Guerra

Foto:Konrad Jacobs, Erlangen / Mathematisches Forschungsinstitut Oberwolfach / Wikimedia Commons CC BY-SA 2.0 DE (cortado).
Não fique refém dos algoritmos, nos siga no Instagram, Telegram ou no Whatsapp e fique atualizado com as últimas notícias.

No auge da Segunda Guerra Mundial, engenheiros e militares analisavam meticulosamente os aviões que retornavam das missões. Cheios de marcas de tiros nas asas e na fuselagem, a decisão parecia óbvia: reforçar essas áreas. Mas um matemático, Abraham Wald, teve um insight revolucionário — os verdadeiros dados estavam nos aviões que nunca voltaram. Assim nascia o conceito de viés de sobrevivência, uma das lições mais valiosas sobre estratégia e percepção seletiva.

O conceito matemático do viés de sobrevivência e seu impacto militar

Dispersão de danos em avião durante a guerra.

Durante o conflito, os Aliados estudavam os padrões de danos nos aviões que voltavam das missões para decidir como aprimorar sua proteção. Os dados mostravam concentrações de impactos nas asas, cauda e fuselagem — o que levou os estrategistas a sugerirem reforços exatamente nesses pontos. Mas Abraham Wald, matemático húngaro contratado pelo Statistical Research Group em Nova York, fez uma pergunta simples e transformadora: “E os aviões que não voltaram?

Wald percebeu que os dados disponíveis estavam incompletos. Os pontos atingidos nos aviões que retornavam eram, na verdade, as áreas menos críticas, já que essas aeronaves sobreviveram. Já os impactos fatais — frequentemente no motor ou na cabine — não estavam representados na amostra, pois os aviões simplesmente não regressavam para serem analisados. Ao corrigir esse erro de amostragem, Wald salvou inúmeras vidas e estabeleceu um marco no uso da estatística aplicada ao campo militar.

Como o viés de sobrevivência influencia decisões no dia a dia

Muito além do campo de batalha, o viés de sobrevivência afeta decisões nas mais diversas áreas. Ao observar apenas empresas bem-sucedidas, atletas vitoriosos ou investimentos que prosperaram, muitas pessoas constroem conclusões enviesadas, desconsiderando os inúmeros casos de fracasso que não chegaram ao destaque público. Isso cria uma percepção irreal de mérito ou eficiência, desvalorizando o papel do contexto, da sorte e das variáveis ocultas.

Em redes sociais, por exemplo, há uma superexposição de “histórias de sucesso” que moldam expectativas irreais. No mundo dos negócios e do empreendedorismo, o foco excessivo em startups bilionárias ignora o oceano de tentativas fracassadas. Assim, a lição de Wald segue atual: é preciso entender o que não está nos dados visíveis, questionar a amostra e buscar uma visão mais ampla da realidade.

O que a Segunda Guerra ainda ensina sobre análise estratégica

O caso de Abraham Wald é um dos maiores exemplos de como a lógica aparentemente intuitiva pode levar a decisões perigosas. Sua capacidade de enxergar além do óbvio e questionar a base de dados disponível demonstra a força do pensamento crítico e do raciocínio estratégico. Em ambientes complexos e incertos, como os de guerra ou de gestão, nem sempre os sinais mais visíveis são os mais relevantes.

A lição militar extrapola o campo das armas e das batalhas: trata-se de compreender o invisível, ouvir o silêncio e analisar o que não aparece nos relatórios. É por isso que Wald permanece uma referência entre estudiosos da guerra, cientistas de dados e líderes estratégicos. Ao olhar para os buracos nos aviões que voltaram, ele nos ensinou a olhar para os que não voltaram — e isso mudou tudo.

Participe no dia a dia do Defesa em Foco

Dê sugestões de matérias ou nos comunique de erros: WhatsApp 21 99459-4395

Apoio

Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor insira seu comentário!
Digite seu nome aqui