Luiz Augusto Fontes Rebelo
Coronel do Exército Brasileiro. Possui o CPEAEx na ECEME.

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1. Introdução

“Aprendizagem e liderança são indispensáveis uma a outra”. Essa frase compunha o discurso presidencial planejado, mas jamais proferido, por John F. Kennedy, em Dallas, em 22 de novembro de 1963, data de seu assassinato.

O conceito de “Organizações que aprendem” foi cunhado por Chris Argyris, professor da universidade de HarvardNesse contexto, as organizações aprendem à medida que os seus colaboradores vão ganhando novos conhecimentos, pois a organização é um sistema (ARGYRIS; SCHÖN, 1978). Em 1990, Peter Senge popularizou tal conceito em seu livro “A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização que Aprende”. Nessa obra, o autor propôs uma abordagem inovadora para organizações que expandem, continuamente, a sua capacidade de criar os resultados em um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA) (SENGE, 1990).

Para complementar o tema, é necessária a noção da liderança para aprendizagem. Nessa abordagem, o líder assume o compromisso ativo de incentivar, fomentar e consolidar novos conhecimentos nos processos finalísticos e gerenciais na sua Unidade. Senge (1990) argumenta que, para enfrentar os desafios complexos e dinâmicos do século XXI, as organizações precisam adotar uma abordagem de aprendizado contínuo e permanente em todos os níveis. No aprendizado permanente está o verdadeiro valor dos times de aprendizagem, constituído pelos militares que fazem parte da Unidade.

Ao longo desse artigo, serão abordados o que é a aprendizagem organizacional, o papel da liderança militar para a aprendizagem e a arquitetura da referida organização.

2. Aprendizagem Organizacional

Segundo a diretriz do Comandante do Exército Brasileiro, os recursos humanos da instituição devem ser preparados para desenvolver competências que lhes permitam superar os desafios impostos pela complexidade da guerra moderna. Para tanto, os integrantes da Força Terrestre devem ser dotados de alto grau de flexibilidade e capacidade de autoaperfeiçoamento (BRASIL, 2023).

O aprendizado é próprio do ser humano, pois é uma característica predominante desde o momento do nascimento e que o acompanha por toda sua existência. Quando incorporada ao cenário profissional, essa característica não perde sua relevância. É nesse contexto que avulta de importância o conceito de aprendizagem organizacional no corpo de tropa, pois a efetividade da Força Terrestre, como instrumento de combate, está baseada na capacitação de suas tropas (BRASIL, 2019).

Sendo assim, a aprendizagem organizacional pode ser definida como a aquisição de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes que acentuem as capacidades da Organização Militar (GUNS, 1998). Com isso, pode-se inferir que uma Organização Militar orientada à aprendizagem reverberará para o aumento do seu poder de combate[1].

No entendimento de Argyris e Schön (1978), a aprendizagem organizacional e a individual ocorrem em dois níveis diferentes. O primeiro, usual nas Organizações Militares, é chamado de ciclo único de aprendizagem, onde o foco está no modo de fazer as coisas da melhor maneira possível, e não o porquê de fazê-las. Esse ciclo abrange o aumento da capacidade da Organização Militar em atingir objetivos predeterminados pelo escalão superior e tem associação com a aprendizagem rotineira, sem mudanças significativas no funcionamento da Organização Militar.

O segundo ciclo, que requer uma mudança de visão da Organização Militar, é alcunhado de ciclo duplo de aprendizagem. Esse ciclo estabelece uma nova abordagem na construção do conhecimento. Além disso, busca resolver inconsistências na compreensão dos militares, uma vez que se preocupa com a razão pela qual algo é realizado. Isso vai impactar diretamente na cultura organizacional.

3. A Liderança Militar orientada para aprendizagem

A era do conhecimento apresenta um novo e desafiador ambiente para os líderes militares. Na visão norte-americana, um líder militar é quem, por força da função assumida ou atribuída a responsabilidade, inspira e influencia as pessoas para atingir objetivos organizacionais (EUA, 2015). Para Hunter (2004), a liderança é a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir os objetivos identificados como sendo para o bem comum.

Ou seja, para a criação e o desenvolvimento de uma organização voltada à aprendizagem, o papel da liderança é fundamental, pois o líder e a sua equipe são os responsáveis por estabelecer os objetivos organizacionais a serem alcançados para que a Organização Militar consiga se tornar uma organização orientada à aprendizagem.

4. A arquitetura das organizações de aprendizagem

Nesse paradigma, as Organizações Militares devem ter uma configuração que se aproxime da figura 1, uma vez que esse arranjo dará as condições básicas para a Organização Militar consiga estar em condições de superar os desafios apresentados no mundo VUCA.

Figura 1 – Arquitetura das organizações de aprendizagem

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Fonte: O AUTOR, 2023.

De acordo com a figura anterior, nota-se que ao centro, como o indutor do processo de mudança, encontra-se a liderança militar. Depois disso, percebe-se a existência da primeira camada da arquitetura, a qual é constituída pelas seguintes partes: 1) as diretrizes e planos oriundos da liderança militar; 2) os meios necessários para implementar as diretrizes e planos; e 3) a estratégia da liderança militar para a concretização do modelo de organização voltado para a aprendizagem.

As diretrizes e planos correspondem a materialização da intenção do comandante e das diretrizes do escalão superior para a implantação e implementação da cultura da aprendizagem na Organização Militar. Nesses documentos devem estar evidentes os objetivos organizacionais orientados à aprendizagem.

Os meios relacionam-se aos materiais de emprego militar (MEM), tecnologias digitais da informação e conhecimento (TDIC), instalações e espaços pedagógicos para o desenvolvimento da cultura da aprendizagem.

A estratégia, por sua vez, estabelece o caminho a ser percorrido pela Organização Militar para alcançar os objetivos organizacionais estabelecidos em documentos, panos e diretrizes. Para tanto, considera elementos da primeira camada e da segunda camada da arquitetura.

A segunda camada da arquitetura propõe que a Organização Militar considere três importantes aspectos: 1) a visão prospectiva do comando da Organização Militar; 2) a sua cultura organizacional; e 3) a estrutura organizacional orientada para o fomento da aprendizagem na tropa.

A visão prospectiva da alta liderança antecipa os objetivos e a direção para o futuro da Organização Militar. Para tanto, tem como referência as diretrizes estabelecidas pelo escalão superior enquadrante. Como foco voltado na preparação da Organização Militar em enfrentar os desafios futuros, a visão prospectiva é caracterizada pela habilidade em pensar além do curto prazo, pela capacidade em compreender as mudanças no ambiente externo e pela propriedade em identificar tendências emergentes e possibilidades. O atributo da visão prospectiva é fundamental para a gestão estratégica e o sucesso sustentável da Organização Militar.

A cultura é constituída do sistema cultural e do clima organizacional. Com relação ao sistema cultural, pode ser entendido como a resultante natural da conjunção de propósito, visão, missão, tradição, instituições, estatutos, normas, costumes e práticas, que se consolidam e geram os padrões culturais militares, dentre os quais a ética e os valores militares possuem peso de valor (CARDOSO, 2015).

No que concerne ao clima organizacional, cabe ao comando da Organização Militar desenvolver, de maneira top-down, ações para a manutenção de um clima organizacional apropriado e saudável para o estímulo à aprendizagem contínua e para a construção de uma cultura de aprendizagem. Para desenvolver um ecossistema de aprendizagem na Organização Militar, os principais desafios das lideranças militares são tirar os liderados da zona de conforto e da procrastinação. Para que isso ocorra, é fundamental que esteja presente os seguintes aspectos: 1) o fomento de um ambiente de segurança psicológica como elemento que habilita o aprendizado e o crescimento; 2) a tolerância ao erro[2]; 3) a comunicação assertiva e ativa; 4) o senso de propósito em aprender; e 5) estar aberto a novas ideias. Não menos importante, o líder deve estar presente sempre que possível e o seu bom exemplo são fundamentais nas principais atividades e exercícios militares para a construção do conhecimento.

A estrutura organizacional é o modo como se organiza e se articula a Organização Militar. De maneia geral, inclui o comando da Organização Militar, as seções do Estado-Maior, as subunidades, a formação sanitária e outros departamentos existentes, conforme as peculiaridades e especificidades da Organização Militar. Os sujeitos da aprendizagem são caraterizados pelo militar, pelas equipes, pela Organização Militar e pelas interorganizações similares (benchmarking).

Em termos de conhecimento, merecem destaque o conhecimento tácito e o conhecimento explícito. De acordo com Nonaka e Takeuchi (1999), o conhecimento tácito é difícil de imitar, copiar ou medir, pois é um saber em ação individual ou social, de alta transcendência na criação de conhecimento, que determina o Know how. O conhecimento explícito, por sua vez, é comumente tangível, sendo encontrado em manuais, normas, diretrizes, planos, regras de trabalho, dentre outras formas (NONAKA; TAKEUCHI, 1999). Esse conhecimento deve ser socializado, exteriorizado, combinado e interiorizado.

5. Considerações finais

As Organizações Militares que aprendem são entidades que se desenvolvem constantemente por meio de um sistema cultural forte, resultados operacionais, gerenciais e orçamentários consistentes e recorrentes, adaptando-se as intercorrências.

Como a estrutura organizacional militar é hierarquizada, cresce de importância a ação de comando e a capacidade de liderança do comando da Organização Militar. O aprendizado organizacional é fortemente influenciado pelo comportamento dos líderes e a forma como o líder responde às falhas, constrói ou enfraquece a forma como a organização aprende.

Para o desenvolvimento desse ecossistema, sugere-se ao comando da Organização Militar a adoção das seguintes posturas: 1) construir propósito (Por que aprender?); 2) servir de exemplo (em todos os níveis – do comando ao grupo de combate); 3) ter clareza, objetividade e transparência (Qual o problema que o novo aprendizado poderá ajudar a solucionar?; e 4) dar segurança (para estimular a cultura do aprendizado, o militar precisa sentir segurança e ter apoio quando quiser se capacitar).

Por óbvio, não se pretende esgotar o assunto nessa breve reflexão, se não, apresentá-lo para que os líderes militares envidem esforços para serem os dínamos no processo de aprendizagem e na busca por resultados práticos em sua Organização Militar, pois, aprendizagem e liderança são indispensáveis uma a outra.

[1] Poder de combate: capacidade global de uma organização para desenvolver o combate, a qual resulta da combinação de fatores mensuráveis e não mensuráveis que intervêm nas operações, considerando-se a tropa com seus meios, valor moral, nível de eficiência operacional atingido e o valor profissional do comandante. (BRASIL, 2009, p-16).

[2] Erro tolerável: erro máximo que não coloque em risco a integridade física ou psicológica, lese a lei ou o patrimônio público ou comprometa a imagem da Unidade e do Exército Brasileiro.

 Referências Bibliográficas:

  1. ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. Organizational learning: a theory of action perspective. Reading. Massachusets: Addison-Wesley, 1978.
  2. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Manual de Campanha C 20-1 – Glossário de Termos e Expressões para uso do Exército. Brasília: Exército Brasileiro, 2009.
  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB). Brasília: Exército Brasileiro, 2019.
  4. BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Diretriz do Comandante do Exército Brasileiro – 2023. Brasília: Exército Brasileiro, 2023.
  5. CARDOSO, Alberto Mendes. Valores Militares – Axiologia Aplicada. Revista DaCultura, nº 25, p. 13-20, 2015.
  6. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Manual de Campanha FM 6-22 Developing Leaders. Washington: Department of the US Army, 2015.
  7. GUNS, Bob. A Organização que aprende rápido: seja competitivo utilizando o aprendizado organizacional. São Paulo: Futura, 1998.
  8. HUNTER, J. C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
  9. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H.  La organização creadora de conhecimento. Cómo las compañías japonesas crean la dinámica de la innovación. Cidade do México, Oxford University Press, 1999.
  10. SENGE, Peter M. A quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 1990.