1. Introdução

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Em janeiro de 2013, o risco da formação de um Estado Islâmico no Mali e os consequentes efeitos colaterais para a Europa, levou a França a atender o pedido do Mali (NOTIN, 2017). Alguns meses após o início da ofensiva militar no Mali, os militares franceses retomaram o controle da região norte do país, que estava sob domínio dos insurgentes. Essa ação ficou conhecida como operação Serval e se estendeu até julho de 2014.

Diante da necessidade de fortalecer as Forças Armadas dos países fronteiriços com o Mali, a operação Serval foi substituída em agosto de 2014, pela operação Barkhane[1] e estendida a toda a faixa Sahel-Saariana. Segundo o Ministério de Defesa da França, a operação Barkhane é uma operação multinacional liderada pelas Forças Armadas Francesas, em parceria com os principais países da faixa do Sahel: Mauritânia, Mali, Niger, Chade e Burkina Faso. Estes países se reuniram e formaram o G5 Sahel, grupo que tem como objetivo dar uma resposta regional e coordenada aos desafios de segurança, bem como às ameaças oriundas do grupos armados terroristas (GAT) (MINISTÈRE DES ARMÉES DE FRANCE, 2017).

Para Neto (2018), a operação Barkhane tem se caracterizado pelos confrontos de baixa intensidade, de longa duração e grande escala. Para sincronizar as ações regionais, os chefes de Estados de Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger e Chade criaram o G5 Sahel e em 2017, uma Força Combinada G5 Sahel. Diante dessas considerações, o presente artigo tem por finalidade investigar a operação Barkhane.

2. Caracterização da área

A região do Sahel está localizada ao norte da África e consiste em uma faixa de transição entre o deserto do Saara e as grandes savanas africanas. Essa região, além dos aspectos topográficos, também é capaz de dividir etnias. Por exemplo, o norte da África é composto por uma população majoritariamente árabe, ao passo que a África Subsaariana é composta, em sua grande maioria, pela população negra.

Além dessas características peculiares, o Sahel é umas das regiões mais pobres e instáveis do planeta. De acordo com Notin (2017), a ausência do poder estatal, a má administração e a falta de controle geraram uma região fértil para as atividades delitivas relacionadas ao crime organizado e ao terrorismo, que interagem com o propósito de obter benefícios econômicos mútuos, detendo um poder de fato sobre a população local. Como fator agravante da situação, as fronteiras da região são muito porosas e difíceis de controlar e a grande extensão territorial dos países significa que há muitas áreas sem o controle do Estado, geralmente caracterizadas pela fraqueza de suas instituições.

 

3. Os Antecedentes

De acordo com Wing (2016), a Operação Serval foi uma resposta ao pedido de apoio militar do governo de transição do Mali, quando grupos terroristas islâmicos e insurgentes Tuaregues se uniram e aproveitaram a turbulência política de Bamako para conquistar a região norte do país.

A ação militar francesa foi desenvolvida no Mali a partir de 11 de janeiro de 2013. Seu objetivo oficial era expulsar militantes islâmicos do norte do Mali. Esses grupos obtiveram sucessos iniciais, com um rápido avanço em direção ao sul do país, ameaçando a capital, Bamako. A ofensiva francesa se deu a pedido do presidente interino do Mali e dentro da Resolução nº 2085 da ONU, conforme

“A França interveio no Mali através da Operação Serval em 11 de janeiro de 2013, por ordem do Presidente da República, François Hollande, no âmbito da resolução nº 2085, da ONU e a pedido expresso do presidente interino do Mali. Nesse contexto, as Forças Armadas Francesas deram início a uma série de manobras para recuperar a integridade territorial do Mali e destruir a capacidade de combate dos grupos armados jihadistas (GAJ). Um fator levado em consideração foi a presença de cidadãos franceses na zona de combate, podendo ser utilizados como reféns, o que se trata de uma atividade altamente lucrativa para grupos terroristas” (LE GOURIELLEC, 2015, p. 19).

A França tem muitos interesses econômicos com todos os vizinhos do Mali, especialmente o Níger (pelo seu urânio), o Senegal (com quem possui amplos negócios) e a Costa do Marfim. Desse ponto de vista, a França temia que, se o Mali fosse desestabilizado, seus próprios interesses estariam ameaçados. Além disso, os franceses argumentaram que se o Mali caísse nas mãos dos islâmicos, toda a Europa seria ameaçada. De fato, existia una relação direta entre a estabilidade no Sahel e os interesses sobre segurança energética da França no Níger.

4. O início da campanha no Mali – operação Serval

Os objetivos determinados para a campanha foram os seguintes: 1) parar a progressão jihadista; 2) garantir a segurança de Bamako, dos elementos estrangeiros e das populações ameaçadas e; 3) restaurar a integridade territorial do Mali.

Rapidamente, os militares franceses detiveram o avanço jihadista e recuperaram o controle do norte do país, assegurando, assim, a transição da estabilização para um contingente formado pelos países africanos sob a égide da ONU.

“Em menos de três meses, forças francesas e africanas recuperaram o norte do Mali, desde o rio Níger até à fronteira com a Argélia, reduzindo consideravelmente a capacidade dos grupos terroristas de conduzirem operações. A 1º de maio de 2013, iniciava-se a fase de transição para o contingente da MINUSMA e a retração progressiva das forças francesas. Em 15 de julho de 2014, a França dava oficialmente por terminada a Operação SERVAL, substituindo-a pela Operação BARKHANE num esforço de combate ao terrorismo ao nível regional, passando está a ser comandada a partir do Chade, embora o foco principal continuasse no norte do Mali” (NETO, 2018, p.1).

Tramond e Seigneur (2005) apontam que nos três primeiros meses da intervenção, foram alcançados os seguintes efeitos: sobre o terreno: as principais aldeias foram libertadas e o centro da resistência jihadista no norte foi limpo; sobre o inimigo: os terroristas sofreram pesadas perdas e sua infraestrutura foi desestabilizada. sobre a população: os estrangeiros estavam protegidos, o controle jihadista sobre a população local foi eliminado e foram realizadas eleições livres em julho de 2013 e em agosto de 2014; e junto à comunidade internacional: a França demonstrou sua determinação e abriu caminho para tropas africanas e internacionais ajudarem a estabilizar o Mali.

5. A operação Barkhane

A operação Barkhane teve início em 1º agosto de 2014, diante da necessidade de fortalecer a coordenação dos recursos militares internacionais e impedir a reconstituição de áreas de refúgio de terroristas na região (MINISTÈRE DES ARMÉES DE FRANCE, 2017).

A operação tinha como objetivo combater os GAT, principalmente na região das fronteiras de Mauritânia, Mali e Níger e visava reduzir a liberdade de ação dos terroristas e privá-los de seus meios de combate, desmontando seus esconderijos de armamentos, munições, explosivos e meios de comunicação. Outro propósito da operação Barkhane era atuar em benefício da população por meio de ações civis-militares, principalmente prestando assistência médica à população, pois esse tipo de ação permitia o diálogo com a população local, além de contribuir de forma indireta para a eficácia das operações militares que tinham como estado final desejado, o retorno da segurança no país.

Para alcançar as metas estabelecidas pela operação Barkhane, os franceses fortaleceram as capacidades das Forças Armadas dos países integrantes do G5 Sahel e apoiaram as forças internacionais, promovendo ações de capacitação voltadas para melhorar a capacidade de desenvolver projetos em benefício da população local.

Segundo Tertrais (2016), o comando da Força Combinada da operação Barkhane esteve localizado em N’Djamena, Chade. Além do comando da Força Combinada, foram ativados pontos de apoio para as Forças Terrestres, pontos de apoio marítimo e pontos de apoio aéreo. Com relação às Forças Terrestres, foram ativados os seguintes pontos de apoio: 1) N’Djamena no Mali; 2) Gao no Mali; e 3) Niamey no Níger. Com relação ao apoio marítimo, foram ativados os seguintes pontos de apoio: 1) Dakar no Senegal; 2) Abidjan na Costa do Marfim; e 3) Doula nos Camarões. Com relação ao apoio aéreo, foram ativados os seguintes pontos de apoio: 1) Niamey no Níger; e 2) N’Djamena no Níger, ambos sendo controlados pelo posto de comando aéreo em Mont-Verdum, na França.

Além disso, durante a operação Barkhane, foram implantadas cinco bases temporárias avançadas (localizadas perto das fronteiras do norte do Mali) em 2015. Cada base que era composta por um efetivo que variava entre 200 e 1.000 homens. Essas bases avançadas se tornaram em pontos de suporte permanentes, ou vice-versa, dependendo das necessidades operacionais (TERTRAIS, 2016).

Segundo o Ministério da Defesa da França, no ápice da operação Barkhane, as Forças Armadas Francesas chegaram a empregar 20 helicópteros, 3 drones, 7 aviões de ataque, 8 aviões de transporte, 280 veículos blindados pesados, 220 veículos blindados leves, 400 veículos logísticos e 5.100 militares, conforme demonstrado a seguir:

Figura 1 – Relatório da operação Barkhane

operacao barkhane operacao de estabilizacao do sahel fig1

Fonte: Ministère des Armées de France, 2017.

Segundo Tertrais (2016), a maior dificuldade enfrentada pelas tropas francesas foi distinguir terroristas da população local, resultado da relativa estabilização do Mali e ampliação do teatro de operações. Todos os grupos jihadistas combatidos pelas Forças Armadas Francesas eram remanescentes de organizações interrompidas e dispersas pela operação Serval. A dispersão e a mobilidade dos GAT que realizavam deslocamentos na Argélia e na Líbia, dificultaram estimar o efetivo dos GAT.

 

6. Conclusão

Na fase final deste artigo, retoma-se a proposta inicial que era compreender a operação Barkhane. Para tanto, é importante saber como se desenrolou a operação Serval, desencadeada anteriormente e que possibilitou a reconquista do território no norte do Mali e a expulsão dos jihadistas.

A operação Barkhane, deflagrada na sequência, aproveitou o êxito alcançado pela sua predecessora e concebeu uma missão mais complexa e tinha como objetivo combater os GAT, que foram repelidos para outros países da região. O centro de gravidade da ameaça se moveu do norte do Mali para o leste, em direção ao Níger, Líbia e Chade. Um dos componentes da operação foi treinar e capacitar as Forças Armadas dos cinco países da região contra o terrorismo (LE GOURIELLEC, 2015)

É nítido os ganhos militares obtidos pelas forças francesas no Sahel, mas a região está longe de ser considerada um local estável. Entende-se que a efetiva estabilização do local não é de responsabilidade apenas do componente militar. Os franceses consideram que, sem um enorme esforço de estabilização internacional na Líbia, os riscos permanecerão muito altos. Outras ameaças regionais podem inserir ingredientes adicionais na complexidade do ambiente local, tais como o Boko Haram na Nigéria, um grupo que tem ligações com os vários grupos jihadistas que operam no Sahel (TERTRAIS, 2016).

Por fim, a solução da instabilidade no Sahel vai muito além do vetor militar. Fatores como uma infraestrutura deficiente, os baixos níveis de capital humano, a insegurança física, o grande crescimento populacional e a corrupção, inibem o crescimento econômico e social. Por se tratar de ex-colônias, os franceses têm sido relutantes em se envolver no que pode ser descrito como assunto interno. Para evitar a acusação de serem neocolonialistas, os franceses têm concentrado seus esforços em ameaças terroristas específicas e de assistência à segurança

[1] Barkhane significa duna de areia que se desloca em forma de meia lua por causa do vento.

 Referências Bibliográficas:

  1. LE GOURIELLEC, Sonia. La política de Francia en el Sahel. Cuadernos de estrategia, nº 176, p. 85-122, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/Funcional.E2018122 /Downloads/Dialnet-LaPoliticaDeFranciaEnElSahel-5270494-1.pdf. Acesso em: 22 de julho de 2022.
  2. MINISTÈRE DES ARMÉES DE FRANCE. Dossier de presse – Opération Barkhane Bande Sahélo-saharienne. Ministère des armées de France, 2017. Disponível em: https ://www.defense.gouv.fr/sites/default/files/operations/20220830_DP_BKN_.pdf. Acesso em: 20 de janeiro de 2022.
  3. NETO, Nuno. Operação Serval: o modo francês de fazer a guerra. Infantaria – Revista Militar da Infantaria Portuguesa, p. 19 – 24, 2018. Disponível em: https://assets. exercito.pt/SiteAssets/GabCEME/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Jornal%20e%20Revistas%20do%20Ex%C3%A9rcito/Revistas/Infantaria/N%203%20-%20Revista%20INF ANTARIA%2018%2 0full.pdf. Acesso em: 19 de abril de 2022.
  4. NOTIN, Jean-Christophe. Guerra da França no Mali. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2017.
  5. TERTRAIS, Bruno. Operation Barkhane. High Level Military Group, p. 77-83, 2016. Disponível em: hlmg-lawless-media-savvy-terroristadversaries.pdf. Acesso em : 22 de julho de 2022.
  6. TRAMOND, Olivier; SEIGNEUR, Philippe. Operation Serval: Another Beau Geste of France in Sub-Saharan Africa? Military Review, Vol. 94, nº 6, p. 76-86, 2014. Disponível em: https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/military-review/Archives/E nglish/MilitaryReview_20141231_art014.pdf. Acesso em: 29 de julho de 2022.
  7. WING, Susanna D. French intervention in Mali: strategic alliances, long-term regional presence? Small wars & insurgencies, Vol. 27, nº 1, p. 59-80, 2016.

Hélio Viana Santos Sobrinho
Major do Exército Brasileiro e atualmente está realizando o CAEM na ECEME


Santos Sobrinho, Hélio Viana. Operação Barkhane: Operação de estabilização do Sahel. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).