Foto: Ministério da Defesa do Irã

O Secretário de Segurança Nacional dos EUA, Jack Sullivan, emitiu, recentemente, um alerta para a comunidade internacional sobre a possibilidade do Irã fornecer Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP), mais conhecidos como “drones”, à Federação Russa. Os informes de inteligência apontam que os russos, apesar de contarem com produção nativa de sistemas de drones, precisam recompletar seus estoques devido à incapacidade de sua indústria de defesa para provê-los na velocidade necessária para sua “operação especial” na Ucrânia.

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O alerta pôs em evidencia o estágio avançado que o programa de desenvolvimento de drones do Irã alcançou em tempos recentes. Iniciada durante a guerra contra o Iraque em 1980, a produção iraniana de drones demonstrou elevado grau de eficácia em combate durante os recentes conflitos na Síria, no Iraque e no Iêmen. Autoridades norte-americanas e israelenses já consideram o programa de drones iraniano uma ameaça à estabilidade da região, procurando desenvolver estratégias para sua contenção.

Assim como a Turquia, o Irã tem apresentado seus drones como um trunfo propagandístico. Eles seriam a prova da autossuficiência de sua indústria de defesa, alvo de diversas sanções internacionais. Fornecidos às forças irregulares que atuam em diversos conflitos no Oriente Médio, são utilizados para a projeção de poder, atuando em prol das estratégias iranianas para a região. Recentemente, ao implantar sua primeira linha de produção de drones em um país aliado, o Irã também demonstrou buscar reforçar suas relações internacionais por meio desses modernos equipamentos de combate.

Desde 2008, as Forças Armadas da Venezuela adquirem drones e tecnologias para sua produção do governo iraniano. Essa aproximação desses países em uma área tão sensível e moderna evidencia a importância do assunto para analistas na comunidade de defesa da América Latina.

Primeiros passos

Após a Revolução Iraniana, ocorrida em 1979, o Irã rompeu relações estreitas que possuía com os Estados Unidos da América (EUA) em todos os campos, inclusive o militar. No ano seguinte, irrompeu a sangrenta guerra contra o Iraque. O exército iraniano precisou atuar sem o apoio logístico norte-americano, que desenvolve grande parte do seu material militar, inclusive de drones voltados para Inteligência, Reconhecimento, Vigilância e Aquisição de Alvos (IRVA).

A guerra contra o Iraque perdurou até 1988. Durante todo esse período, as forças armadas iranianas investiram recursos para a manutenção dos poucos drones americanos que ainda restavam e para a fabricação de novos com tecnologia própria, já que embargos internacionais contra vendas de armamentos privaram o Irã da possibilidade de aquisição de drones estrangeiros. Assim, foi fundada, em 1985, a Quds Aviation Industry Company, criadora do primeiro drone iraniano, o Mohajer-1.

Apesar de não ter sido um fator decisivo nos rumos tomados pela guerra, autoridades iranianas constataram as inúmeras possibilidades oferecidas pela nova tecnologia. A produção de imagens, utilizadas como fonte de inteligência para acompanhar os movimentos do exército iraquiano, foi a principal função empregada, possibilitando o desdobramento tempestivo de defesas próximas a pontos de concentração da tropa inimiga.

Terminada a guerra, os esforços para o desenvolvimento de drones permaneceu. Durante a década de 1990, foram produzidas diversas variantes da série Mohajer, com aumentos constantes na autonomia de voo e na capacidade de obtenção e transmissão de imagens. Além do aperfeiçoamento nas capacidades de controle e navegação, ainda muito rudimentares à época, ocorreu também a busca por meios para dotar novos drones de capacidade ofensiva. Foram iniciados testes com mísseis guiados ar-ar e ar-terra instalados nos drones.

Em 2010, o Irã colheu os frutos de quase duas décadas de investimento com a criação de um drone dotado de capacidades ofensivas. Nesse ano, foi divulgada a criação do Karrar, primeiro drone de longo alcance com capacidades de IRVA e de ataque. O equipamento foi desenvolvido pela Iran Aviation Industry Organization (IAIO), empresa que absorveu a antiga Quds Aviation.

Marcando o acelerado ritmo de desenvolvimento de novos drones, foi apresentado, em 2012, o Shahed-129 (drone IRVA e de ataque de grande performance), que, após diversos avanços, passou a ser a espinha dorsal do sistema de drones iranianos na atualidade. Sua produção espelhou-se em procedimentos de engenharia reversa realizados em um drone israelense Hermes-450 capturado, técnica empregada diversas vezes por engenheiros iranianos para obter rápidos progressos tecnológicos com baixo investimento. A série de drones Saeqeh, por exemplo, é baseada no drone norte-americano U.S. Lockheed Martin RQ-170 Sentinel. Em dezembro de 2011, um exemplar do Sentinel caiu em território iraniano e foi capturado por militares desse país. Autoridades iranianas informaram que autorizaram, inclusive, engenheiros russos e chineses a inspecionar o drone capturado.

O Yasir é um pequeno drone de IRVA, também fruto da técnica de engenharia reversa. Tendo por base o drone norte-americano capturado Boeing ScanEagle, o Irã passou a produzi-lo em massa e fornecê-lo às milícias ligadas às suas forças armadas.

Em abril de 2020, o exército iraniano anunciou que passaria a receber drones de ataque e de IRVA Fotros. Exibido pela primeira vez em 2013, o Fotros, segundo fontes iranianas, é um dos maiores drones de seu arsenal. Possui autonomia de voo superior a 30 horas, teto de voo de 25.000 pés e alcance operacional de 2.000 km, o que torna possível seu emprego no ataque ao território de Israel.

Formas de emprego dos drones iranianos

Após a guerra contra o Iraque, o Irã, pelo menos oficialmente, não se envolveu em outros conflitos. Assim, o desempenho em combate de seu sistema de drones pôde ser observado por meio do seu emprego junto às milícias aliadas que lutam “guerras por procuração”, destacando-se as guerras da Síria, do Iraque e do Iêmen.

Os diversos drones iranianos abatidos e capturados na Síria e no Iraque deram a dimensão de seu emprego nos combates. Inicialmente, o uso de drones leves Ababil-3 empregados para missões IRVA foi o mais comum. Com o desenrolar do conflito, drones de ataque Shahed-129 começaram a ser identificados; contudo, infere-se que seu uso pouco constante se deveu à necessidade de uma pista de considerável extensão para sua decolagem. Vídeos obtidos a partir da capacidade IRVA dos drones, outros explorando os efeitos de seus ataques e alguns de forças opositoras capturando esses equipamentos são também forte evidência do seu uso rotineiro nos combates nesses países.

Na guerra do Iêmen, as milícias Houthis apoiadas pelo Irã demonstraram grande habilidade no emprego de drones, principalmente no ataque às infraestruturas essenciais e na eliminação seletiva de alvos.

Em janeiro de 2019, um drone Qasef-2k, versão modificada da série de drones iranianos Ababil, explodiu em frente ao palanque de um desfile militar em Aden, capital do Iêmen, matando diversas autoridades militares. Entre os mortos, encontrava-se um general chefe da divisão de inteligência do exército iemenita. O ataque gerou repercussão internacional, sendo divulgados vídeos em diversos telejornais ao redor do mundo.

Ao retornar do exílio, em dezembro de 2020, o governo iemenita foi atacado assim que sua aeronave pousou no aeroporto de Aden. Misseis balísticos atingiram o aeroporto, fazendo com que as autoridades fossem apressadamente evacuadas para o palácio presidencial. Lá chegando, a comitiva foi atacada por drones carregados de explosivos. Diversos civis e autoridades foram mortos durante esses ataques, que demonstraram a capacidade das forças rebeldes de realizarem ações ofensivas complexas combinando drones e mísseis.

Ataques às refinarias sauditas Abqaiq e Khurais

As milícias Houthis atacaram, em setembro de 2019, duas refinarias de petróleo na Arábia Saudita, país que lidera uma coalizão militar de suporte ao governo iemenita. Essa ação se tornou emblemática por três aspectos: o uso combinado de enxames de drones com mísseis de cruzeiro, a superação de sistemas de defesa antiaéreas e a longa distância percorrida pelos armamentos até atingir o alvo.

O ataque gerou repercussões no mercado internacional de petróleo, já que as duas refinarias atingidas respondem por aproximadamente 7% do processamento de petróleo mundial. Para sua execução, os Houthis empregaram grande quantidade de drones visando superar o sistema de defesa antiaérea norte-americano Patriot.

Para atingir as refinarias, foram empregados drones de ataque e mísseis de cruzeiro. Analistas internacionais que investigaram os ataques se surpreenderam com seu nível de precisão e atestaram que as capacidades militares do Houthis, e por consequência dos drones iranianos, atingiram uma complexidade e uma escala nunca vistos antes no conflito.

Essa ação complexa soou o alarme para as vulnerabilidades na defesa de infraestrutura crítica e demonstrou a possibilidade de uso de drones para causar disrupção em cadeias globais de suprimentos.

Desafios para a segurança regional

O Comandante do Comando Centro dos EUA, Gen Kenneth McKenzie, declarou, em abril de 2021, que os drones iranianos espalhados pelo Oriente Médio são um complexo e sério risco à segurança da região. Por causa deles, os EUA tem atuado, pela primeira vez desde a Guerra da Coreia, sem uma completa supremacia aérea.

Em junho de 2017, um drone Shahed-129 quase atingiu tropas da coalização liderada pelos EUA na Guerra da Síria. Foi a primeira vez, desde a Guerra do Vietnã, que uma tropa norte-americana sofreu com um ataque aéreo.

Com a construção de sua primeira fábrica de drones em um país estrangeiro no Tajiquistão, o Irã demonstra estar disposto a transferir essa tecnologia em prol do fortalecimento de seus laços internacionais.

As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) da Venezuela apresentaram, durante uma parada militar, em julho de 2022, os drones de fabricação doméstica “Antonio José de Sucre” (ANSU), 100 de ataque e 200 de vigilância. A tecnologia, desenvolvida em cooperação com técnicos iranianos, põe em evidência que a influência do programa iraniano de drones extrapola o contexto regional do Oriente Médio, já afetando nosso próprio entorno estratégico.

Capacidade aérea de baixo custo

O desenvolvimento de drones fornece capacidades aéreas ofensivas e de IRVA a países que não podem suportar o pesado custo de uma grande força aérea convencional. Além de entes estatais, a popularização do uso de drones iranianos pelas forças irregulares no Oriente Médio evidencia a ameaça de que forças terroristas e organizações criminosas passem a empregar esses equipamentos em suas ações.

O Irã, assim como a Turquia, passou a investir no desenvolvimento de drones devido às restrições para sua aquisição com as grandes potências militares. Fruto desse trabalho, alcançou a capacidade de produção de drones eficazes e de menor custo comparados aos modelos de países mais avançados.

A Guerra da Ucrânia, repleta de exemplos do uso de drones modernos em combate, será mais um campo de provas para essas modernas plataformas de combate, certamente afetando os rumos que o desenvolvimento dessas mortíferas armas tomará.

Fonte: eBlog do EB
Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).