Lorrane com a foto dos asteroides que descobriu. Fonte: @lolivlet/Instagram

A astrônoma amadora Lorrane (@lolivlet), de 26 anos, teve a imensa felicidade de descobrir quatro asteroides em um programa de ciência cidadã da Nasa. Isso lhe dará o direito de nomear cada um deles futuramente e, a partir de inúmeras sugestões de seus seguidores, ela pretende atribuir a um deles o nome de Neymar Jr., astro do Paris Saint-Germain e da seleção brasileira de futebol. Só que isso gerou uma certa polêmica e muita gente ficou em dúvida se seria possível e uma boa ideia dar o nome de um jogador de futebol a um asteroide.

A descobridora de asteroides

Lorrane é mineira, nascida em Belo Horizonte, e desde cedo mostrou afinidade com as ciências. Sua paixão pela Astronomia começou aos quatro anos, quando ganhou um livrinho que falava sobre o Sistema Solar. Mas as primeiras oportunidades na área só surgiram quando entrou para a faculdade de Biomedicina.

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O contato com grupos de astronomia aumentou ainda mais seu interesse, até que em 2019, ela lançou seu primeiro livro: “Meu Primeiro Contato com o Céu – Introdução ao Sistema Solar”, que tem a mesma temática do livro que ganhou quando criança e despertou seu interesse para a mais antiga das ciências, a Astronomia.

Lorrane segurando seu primeiro livro a esquerda e o livrinho que despertou seu interesse pela Astronomia a direita
Lorrane segurando seu primeiro livro (à esquerda) e o livrinho que despertou seu interesse pela Astronomia (à direita). Fonte: @lolivlet / Instagram

Nesse período, ela fundou o InSpace (@inspace_group), um grupo no Instagram para divulgação científica e para incentivar seus seguidores a participar de competições, cursos e eventos na área da Astronomia.

Este ano, Lorrane se inscreveu em um programa de ciência cidadã da NASA, o IASC – International Astronomical Search Collaboration, que tem parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O programa busca a colaboração de estudantes e cientistas amadores de todo o mundo para procurar por asteroides nas imagens de alta resolução feitas por telescópios da Nasa. O IASC é estruturado em campanhas e, a cada campanha, as equipes recebem treinamento e um pacote de imagens para realizar a busca.

Lorrane passou vários dias procurando os asteroides sem sucesso. Numa certa noite, quando estava para encerrar as buscas, resolveu fazer uma última tentativa. “De cara eu já vi um asteroide e comemorei: ‘caramba, encontrei o primeiro!’”, lembrou Lorrane. A descoberta animou a jovem cientista cidadã e a noite de busca terminou se estendendo, mas terminou com quatro asteroides descobertos.

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Lorrane com a foto dos asteroides que descobriu. Fonte: @lolivlet/Instagram

O trabalho de um participante do IASC envolve não apenas procurar pelos objetos se movendo nas imagens. É preciso utilizar um software específico que analisa a posição dos astros na imagem para verificar se o objeto encontrado não se trata de um asteroide já conhecido anteriormente.

Os objetos candidatos são reportados à Nasa, e ficam por alguns dias aguardando a confirmação da descoberta. Todos os quatro asteroides descobertos por Lorrane já foram confirmados pela Agência norte-americana, e isso pode dar a ela o direito de batizar cada um deles.

E foi aí que teve início a polêmica. Por mais que tenha entrado para o IASC para descobrir asteroides, Lorrane jamais imaginou que teria de nomear tantos deles. Ela já tinha em mente homenagear seus pais Mariza e Euler, e seu namorado, Guilherme, que sempre a incentivaram no projeto. Para o quarto asteroide, resolveu fazer uma consulta aos seus seguidores, e aí choveram internautas sugerindo que ela desse o nome de Neymar ao quarto asteroide. Mas será que isso é possível?

Como se nomeiam os asteroides?

Antes de qualquer coisa, é preciso alertar que existe um longo caminho entre a descoberta e a nomeação de um asteroide. Desde as primeiras observações, existe um rito a ser seguido para que o asteroide seja reconhecido como uma descoberta, possa ser rastreado por outros astrônomos até ter sua órbita perfeitamente conhecida, o que o credencia a receber um nome. Normalmente, esse processo pode levar entre 3 e 10 anos, dependendo de vários fatores.

Quando uma descoberta é confirmada e o objeto já tem seus parâmetros orbitais minimamente precisos para que possa ser rastreado por outros observadores, ele recebe uma designação provisória, baseada no período do ano em que foi descoberto, 2004 MN4, por exemplo.

Depois de várias observações, quando o asteroide tem sua órbita definida com precisão suficiente para que possamos determinar exatamente sua posição no céu para longos períodos no futuro, a União Astronômica Internacional (IAU) atribui a ele uma numeração definitiva e o torna apto à receber um nome, que deve ser escolhido pelo seu descobridor.

O número do asteroide é basicamente uma sequência dada pela ordem de sua atribuição. De forma que 1 Ceres, o primeiro asteroide descoberto (e que hoje nem é mais considerado asteroide), recebeu o número 1, o segundo, 2 Palas, o terceiro, 3 Juno, o quarto, 4 Vesta e assim por diante. Quanto ao nome, existem umas regras dependendo do tipo de órbita do asteroide. Mas para os asteroides do Cinturão Principal, que é o caso dos descobertos pela Lorrane, a regra é bem mais flexível.

Asteroide 4 Vesta
Asteroide 4 Vesta. Fonte: Nasa/Down

Quando um asteroide está apto a ser batizado, o descobridor do asteroide é convidado a sugerir um nome. E no caso de asteroides do Cinturão Principal, pode ser qualquer nome de sua preferência, desde que não tenha mais de 16 caracteres, não seja ofensivo, não tenha relação com atividades políticas ou militares e nem possa ser confundido com algum produto ou marca comercial. Ainda assim, o nome escolhido ainda deve ser aprovado pela IAU.

Logo, pelas regras da União Astronômica Internacional, não há nada que impeça que um asteroide receba o nome de Neymar.

Tanto que já existem alguns asteroides que receberam os nomes de jogadores de futebol, como o 14282 Cruijff, o 79647 Ballack, o 82656 Puskás e o 10634 Pepibican, em homenagem respectivamente a Johan Cruyff (Alemanha), Michael Ballack (Alemanha), Ferenc Puskás (Hungria) e Josef “Pepi” Bican (Áustria e Tchecoslováquia). Algo curioso neste último é que, depois de se aposentar do futebol, Pepi Bican se tornou um astrônomo amador e ficou muito honrado em ter seu nome em um asteroide.

Dessa forma, um asteroide com o nome de Neymar não seria nada incomum e certamente não encontraria resistência para ser aprovado na União Astronômica Internacional.

Mas será que essa seria uma justa homenagem e traria algum benefício para a Astronomia e para o esforço mundial na busca por asteroides?

Asteroide Neymar? Pode isso, Arnaldo?

Como vimos anteriormente, não há nada que impeça e não seria nada incomum nomear um asteroide com o nome de um jogador de futebol. Mas a ideia do Asteroide Neymar gerou certa polêmica, tanto no meio astronômico quanto futebolístico. No futebol, porque os amantes do esporte acreditam que existem outros jogadores brasileiros mais bem-sucedidos que Neymar. E, na Astronomia, muitos acham que existem muitos astrônomos e cientistas que mereceriam mais a homenagem do que jogadores de futebol.

Não se pode tirar a razão de nenhum dos dois grupos, mas é importante frisar que, assim como os pais escolhem o nome de um filho, a escolha do nome do asteroide é uma prerrogativa do seu descobridor, ou descobridora. Então, assim como ninguém pode impedir um pai ou uma mãe de escolher o nome de seu filho, não é de bom tom, tentar interferir no nome que a Lorrane quer dar ao asteroide descoberto por ela.

Além disso, essa escolha pode ser uma excelente estratégia de marketing para a Astronomia e, especificamente, para os esforços globais na busca de asteroides perigosos para a Terra.

É fato que o craque do Paris Saint-Germain é o esportista brasileiro mais influente da atualidade. Neymar tem uma enorme legião de fãs e milhões de seguidores nas redes sociais. Dessa forma, se essa homenagem servir para que ele conheça um pouco mais sobre o assunto e passe a apoiar essa área da ciência, isso poderia aumentar significativamente o engajamento popular em torno da Astronomia.

O engajamento e a conscientização da população acerca dos asteroides é justamente um dos principais objetivos do Asteroid Day, que é um dos maiores movimentos globais da atualidade. E se uma pessoa, com o alcance que tem o Neymar, resolver abraçar essa causa, certamente trará para o movimento um retorno muito mais valioso para a sociedade do que a homenagem a ele no nome de um asteroide.

Lorrane, que também é divulgadora científica, enxergou nessa ideia de nomear um asteroide como Neymar uma excelente oportunidade de trazer para a Astronomia parte do público do futebol. Mas, para que isso se concretize, espera uma manifestação do craque, pois não quer fazer isso sem a autorização dele.

E, acima de qualquer polêmica, Lorrane tem a esperança de que suas descobertas possam não só ajudar na divulgação da Astronomia, mas principalmente, que possam inspirar jovens e crianças a se engajarem cada vez mais nessa ciência que ela tanto ama.

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Fonte: Olhar Digital