Europa Redescobre os Jogos de Guerra: Estratégia e Inovação Militar

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Nos salões da École Militaire, em Paris, mais de 500 participantes se reuniram em fevereiro para uma simulação de guerra que mais parecia uma cena saída da era napoleônica, mas com um toque moderno de tecnologia e estratégia. Esse evento reflete uma tendência crescente: a Europa está redescobrindo os jogos de guerra, utilizando-os não apenas como ferramenta de treinamento, mas como um pilar essencial na formulação de doutrinas militares e na educação estratégica.

A Redescoberta dos Jogos de Guerra na Europa

Durante séculos, os jogos de guerra foram fundamentais para o planejamento militar, desde os exercícios de Estado-Maior prussianos até as simulações estratégicas da Guerra Fria. No entanto, com o avanço da tecnologia e novas abordagens de guerra, sua relevância diminuiu em alguns círculos militares. Agora, diante de um cenário global cada vez mais instável, a Europa está resgatando essa ferramenta essencial para fortalecer suas capacidades defensivas e melhorar a tomada de decisões estratégicas.

A França tem liderado essa nova era dos jogos de guerra. O evento realizado na École Militaire em fevereiro, organizado pelo Future Combat Command (CCF), reuniu militares, acadêmicos e jovens entusiastas para simular cenários de combate e testar diferentes estratégias. Além disso, o país foi pioneiro na criação da Wargaming Initiative for NATO (WIN), que desde 2022 reúne especialistas para fortalecer o uso dessas simulações na Aliança Atlântica.

O Reino Unido também investe pesado na prática, com instituições como o King’s Wargaming Network, ligado ao King’s College London, desenvolvendo pesquisas avançadas sobre o tema. Além disso, o Ministério da Defesa britânico e a Defence Science and Technology Laboratory (Dstl) publicaram, em 2023, um manual sobre jogos de guerra de influência, evidenciando a importância dessa ferramenta para a formulação de estratégias de defesa.

Na Alemanha, o legado dos jogos de guerra prussianos ainda ecoa. O país tem investido em centros de pesquisa dedicados ao tema, como o German Wargaming Center, que colabora com o Center for Intelligence and Security Studies (CISS) para desenvolver simulações aplicadas a cenários militares contemporâneos. A realização do WIN 24 em Hamburgo reforça o comprometimento alemão com essa nova fase dos jogos de guerra europeus.

Os Desafios para a Consolidação dos Jogos de Guerra

Apesar do crescimento dessa prática, a consolidação dos jogos de guerra como ferramenta essencial para a defesa europeia ainda enfrenta desafios significativos. Um dos principais obstáculos é o estigma em torno dos jogos no ambiente militar e acadêmico. Muitos ainda veem as simulações como meras brincadeiras, sem compreender sua aplicação real na formulação de estratégias e na tomada de decisões de alto nível.

Outro problema é a visão limitada que alguns oficiais ainda possuem sobre os jogos de guerra, restringindo-os apenas a exercícios de análise de cursos de ação. Essa perspectiva reduz o potencial da ferramenta, que pode ser utilizada para treinamento operacional, formulação de doutrinas, estudos geopolíticos e até mesmo simulações de guerra híbrida e cibernética.

Além disso, a falta de memória institucional representa um risco para a continuidade dessa prática. Muitas das experiências e aprendizados adquiridos em jogos de guerra anteriores permanecem restritos a indivíduos específicos, sem serem devidamente documentados e repassados às próximas gerações de militares e pesquisadores. Isso torna essencial a criação de uma estrutura que registre e sistematize os conhecimentos adquiridos, garantindo que a prática dos jogos de guerra evolua de maneira consistente.

O Futuro dos Jogos de Guerra e seu Impacto na Defesa Europeia

Para que essa redescoberta dos jogos de guerra se transforme em uma ferramenta consolidada e amplamente aceita, a Europa precisa olhar para o futuro e incorporar novas tecnologias no processo. A inteligência artificial, por exemplo, pode desempenhar um papel crucial na criação de simulações mais realistas e adaptáveis, permitindo a modelagem de cenários complexos com maior precisão.

Outro fator importante é a crescente participação do setor privado e da academia no desenvolvimento de novos modelos de jogos de guerra. Empresas especializadas, como a Strand Simulations Group, no Reino Unido, têm contribuído para a modernização dessa prática, enquanto universidades como Julius-Maximilians-Universität, na Alemanha, realizam pesquisas sobre o impacto e a aplicação dos jogos de guerra em diferentes contextos.

Por fim, para que os jogos de guerra tenham um impacto real na defesa europeia, é fundamental que sejam incorporados de maneira permanente ao treinamento militar. Assim como a educação física é uma parte essencial da rotina dos militares, os jogos de guerra devem ser vistos como um elemento indispensável na preparação de líderes e estrategistas.

A Europa pode estar vivenciando um verdadeiro renascimento dos jogos de guerra, mas o sucesso dessa transformação dependerá da capacidade de superar desafios institucionais e culturais, além de continuar investindo na inovação. O potencial dessa ferramenta já é evidente – agora, cabe aos líderes militares e acadêmicos garantir que essa nova era dos jogos de guerra seja duradoura e eficaz.

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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