O foguete Long March-5B (Y2) irá lançar o módulo central Tianhe da Estação Espacial Chinesa. Créditos: Agência Espacial Tripulada da China (CMSA)

Por Ling Xin

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Desde o lançamento da primeira estação espacial, Salyut 1, da União Soviética, há 50 anos, astronautas já ocuparam  11   instalações em órbita da Terra. Logo, a China irá adicionar mais uma à lista.  O módulo central da Estação Espacial Chinesa deverá levantar voo no final de abril. O projeto, que está em desenvolvimento desde  1992, finalmente entrará na fase de construção da estação.

Após a chegada desse primeiro módulo no espaço, a China planeja realizar mais 10 outros lançamentos, além de missões tripuladas e de carga. Seu objetivo é concluir a montagem da estação até o final de 2022,  para que a Estação Espacial Chinesa (EEC) se junte à Estação Espacial Internacional (EEI) como as únicas estações espaciais totalmente operacionais em órbita.

Juntando as peças da Estação Espacial Chinesa

Com seu formato em T, a EEC possui 100 toneladas e será composta por três módulos principais. O central, chamado Tianhe (Harmonia dos Céus), tem 18 m de comprimento, enquanto os outros dois medem 14,5 m e receberam os nomes de Wentian (Busca pelos Céus) e Mengtian (“Sonhando com Céus). Estes serão permanentemente anexados a cada lateral do núcleo da estação.

Quanto ao  gerenciamento e centro de controle, o Tianhe consegue acomodar três astronautas por vez durante até seis meses.  Visitantes e naves espaciais de carga devem se acoplar  em lados opostos do módulo central.  Tanto ele quanto o Wentian estão equipados de braços robóticos em suas áreas externas. Já o Mengtian tem uma câmara de descompressão para a manutenção e reparo de experimentos montados no exterior da estação. No total, são cinco locais para acoplamento,  o que significa que poderá ser adicionado um módulo extra no futuro para a expansão da estação.  A EEC foi projetada para operar por mais de 10 anos.

A massa da EEC equivale a menos de um quarto da massa da EEI, a maior e mais cara estrutura erguida  por humanos no espaço, que foi construída através da cooperação entre 15 nações. “Nós não queremos competir com a EEI em termos de escala”, disse Gu Yidong, cientista chefe do Programa Espacial Tripulado da China.  Na verdade, a inciativa  “tem como base a necessidade do país de realizar experimentos científicos. Consideramos seu tamanho razoável numa questão de custo-benefício”.

A fim de desenvolver a EEC, a China seguiu uma estratégia dividida em três estágios. O primeiro passo consistia na construção de uma espaçonave tripulada (as missões Shenzhou), seguido por miniestações espaciais (Tiangong-1 e 2) e, depois, a estação multimodular que será lançada em breve. Sua construção foi oficialmente aprovada em 2010. Mas o foguete chinês para transporte de cargas pesadas  sofreu uma falha de lançamento em 2017, atrasando a decolagem de Tianhe em mais de um ano. Apesar disso, os líderes espaciais do país esperam concluir a construção da estação espacial até 2022, através de um programa intenso de lançamentos  nos próximos dois anos.

Testes domésticos e internacionais

A EEC abrigará 14 racks de experimentos científicos e alguns de uso geral. Estes devem fornecer energia, dados, resfriamento e outros serviços para vários projetos de pesquisa. Haverá também mais de 50 pontos de ancoragem para experimentos que serão montados na parte externa da estação, com finalidade de estudar como os materiais reagem à exposição espacial. Os estudos incluirão fisiologia espacial, ciências da vida, física de fluidos, ciência dos materiais, astronomia e observação da Terra. Até agora, cerca de 100 experimentos foram selecionados entre mais de 800 propostas, diz Gu. Alguns deles podem começar a coletar informações já no próximo ano.

A estação usará os relógios mais precisos e os átomos mais frios do mundo para apoiar a pesquisa fundamental em relatividade geral e física quântica. Os relógios na EEC são projetados para atingir níveis incrivelmente baixos de instabilidade, com margem de erro de apenas um segundo a cada três bilhões de anos.

Já o rack de experimentos de átomos ultrafrios pode resfriar as partículas a 10–10 kelvins, a temperatura mais baixa que se consegue alcançar com as tecnologias atuais. Alguns serão os primeiros experimentos de sua espécie a serem realizados num ambiente de  estação espacial. Entre eles, há, inclusive, um dispositivo dedicado a estudar as mudanças de fase entre os estados líquido e gasoso da matéria,  uma vez que esses processos se tornam muito mais distintos na microgravidade. Esses estudos poderiam ajudar a desenvolver dispositivos de resfriamento menores e mais eficientes para espaçonaves e até mesmo laptops.

A estação também reservará recursos para uma série de experimentos internacionais. Tricia Larose, pesquisadora da Universidade de Oslo, está liderando o Tumors in Space. Experimento de 31 dias que voará na EEC e testará se a quase ausência de peso pode retardar ou interromper o crescimento do câncer, entre outros objetivos. Como um dos nove projetos internacionais selecionados pela Agência Espacial Tripulada da China (CMSA) e pelo Escritório Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA), a missão usará organoides de células-tronco tridimensionais, ou “minicolons”.

Eles foram criados a partir de tecidos cancerígenos e saudáveis ​​do cólon de um mesmo paciente. O objetivo do empreendimento é estudar como as mutações de DNA são afetadas pela microgravidade. “Todos os experimentos anteriores sobre câncer feitos no espaço usaram linhas celulares bidimensionais”, diz Larose. “Em comparação, os organoides imitam a estrutura e função do órgão, e são as bioamostras  mais relevantes para se usar, do ponto de vista fisiológico.”

Chamado por colaborações

A Estação Espacial Chinesa deve ganhar uma companhia um ou dois anos após o termino de sua construção. O país também tem planos para lançar um telescópio espacial, de  tamanho semelhante ao do Hubble, para operar na mesma órbita, a apenas alguns quilômetros de distância.  Como parte da EEC, o China Sky Survey Telescope (também conhecido como Xuntian) terá um campo de visão de 300 vezes superior ao do Hubble e irá captar uma ampla faixa do espectro eletromagnético,  indo de ondas do tipo UV próximo até a luz visível

O observatório investigará a cosmologia, a estrutura em grande escala da matéria no universo, a galáxia e a ciência estelar, bem como matéria escura e energia escura. Ele foi projetado para poder ser acoplado à estação espacial chinesa, caso isso seja necessário para fins de  manutenção. Essa funcionalidade oferece uma via  fácil, econômica e que “melhor aproveita os astronautas a fim de garantir o bom desempenho do telescópio”, diz Gu.

O Xuntian possui um projeto e objetivos que se assemelham aos da  missão Euclid, da Agência Espacial Europeia, e ao Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, da Nasa, que serão lançados nos próximos anos, mas trabalharão em bandas de ondas complementares. Gu acredita que a cooperação entre os três telescópios e o compartilhamento de dados observacionais levarão a uma compreensão mais profunda do universo e da física fundamental.

A China agradece a colaboração de cientistas de todo o mundo na EEC, enfatiza Gu. Em breve a colaboração CMSA-UNOOSA lançará uma segunda chamada para propostas de experimentos internacionais. Os cientistas também podem se inscrever por meio de parcerias institucionais para acesso a recursos na estação espacial. Não está claro qual o nível de colaboração internacional que o CSS receberá, no entanto, devido a obstáculos geopolíticos. A lei dos EUA restringe fortemente os cientistas da Nasa de colaborarem diretamente com a China.

Na Europa, a pressão da agência também dificulta a obtenção de financiamento para projetos que envolveriam o programa espacial chinês. Larose observa que ela e seus colegas encontraram “um nível inesperado de hesitação” em relação aos pedidos de subsídios relacionados ao CSS. É frustrante, diz ela, porque o câncer não conhece fronteiras e a busca por um tratamento melhor para o câncer beneficia a todos em todos os países da Terra. “Quando vamos parar de olhar para nossas diferenças e começar a nos concentrar em nossas semelhanças?” Larose pergunta.

Fonte: Scientific American Brasil