O erro de tradução que distorce o pensamento de Clausewitz

Clausewitz
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Em meio a tantas citações célebres da teoria militar, poucas são tão repetidas quanto a de Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Mas e se essa frase nunca tivesse sido dita por ele? Um erro de tradução, persistente desde a edição inglesa de 1976, trocou o original “com outros meios” por “por outros meios”, criando uma ruptura artificial entre política e guerra que Clausewitz jamais pretendeu. Essa falha aparentemente sutil tem consequências estratégicas profundas até hoje.

A tradução de Clausewitz: origem do erro e impacto na doutrina militar

O erro de tradução que envolve a frase mais conhecida de Carl von Clausewitz tem origem na versão em inglês de On War publicada por Peter Paret e Michael Howard em 1976. No original alemão, Clausewitz escreve: “Der Krieg ist eine bloße Fortsetzung der Politik mit anderen Mitteln” — ou seja, “a guerra é uma mera continuação da política com outros meios”. No entanto, no título de uma seção específica, os tradutores optaram por “by other means”, ou “por outros meios”.

A escolha dessa preposição pode parecer irrelevante à primeira vista, mas, do ponto de vista estratégico, ela altera profundamente o entendimento da relação entre guerra e política. A ideia de que a guerra é uma ação totalmente separada, iniciada quando a política falha, é um desvio da concepção original de Clausewitz. A doutrina militar de muitos países, inclusive a dos Estados Unidos e da OTAN, incorporou essa leitura equivocada, reforçando uma visão compartimentalizada das fases do conflito, o que afeta decisões sobre dissuasão, escalada e resolução de crises.

O efeito do erro na cultura estratégica ocidental

Mais do que um deslize tradutório, o uso de “por outros meios” consolidou uma ideia poderosa na cultura estratégica ocidental: a de que a guerra representa uma ruptura, um ponto fora da curva nas relações internacionais. Essa concepção foi amplamente adotada por formuladores de políticas, militares e até mesmo pela mídia, moldando o imaginário popular de que, uma vez iniciado um conflito armado, os instrumentos diplomáticos e econômicos ficam em segundo plano.

Essa leitura equivocada reforça uma visão dicotômica entre guerra e paz, obscurecendo os inúmeros graus de interação política e militar que coexistem nos conflitos contemporâneos — das operações híbridas à guerra irregular. Além disso, a ruptura entre política e guerra desumaniza o conflito, descolando-o dos objetivos racionais e políticos que deveriam orientá-lo. O resultado é uma legitimação maior da violência pura como solução de impasses políticos.

“Com” ou “por”? Por que isso muda tudo na guerra

A substituição da palavra “com” por “por” talvez pareça insignificante ao leitor apressado, mas representa uma mudança de paradigma na compreensão da guerra. Para Clausewitz, a guerra não é uma exceção, mas uma forma de dar continuidade aos esforços políticos — agora utilizando a força armada como um novo instrumento, sem abandonar os demais. A política continua presente durante o conflito, moldando seus objetivos, seus limites e até seus meios.

Essa leitura tem implicações diretas nas decisões de líderes políticos e militares. Entender que a guerra não suspende, mas amplia a arena política, exige pensar estrategicamente desde o início do conflito até sua resolução. Isso implica manter canais diplomáticos abertos, utilizar pressão econômica, dominar a guerra da informação — tudo isso simultaneamente às ações militares. Compreender Clausewitz corretamente é, portanto, mais do que um exercício acadêmico: é uma necessidade prática para a boa condução da guerra e da paz.

Com informações do The Diplomat.

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