Por Joyca Farias / from https://www.greenpeace.org/brasil/blog/o-oleo-nas-praias-do-nordeste-coloca-a-vida-marinha-em-risco-o-que-fazer/ CC-BY International with UploadWizard

Por Capitão de Corveta (EN) Márcio Martins Lobão

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Diversas séries na televisão ilustram a utilização de técnicas analíticas avançadas na elucidação de casos policiais. Séries como CSI© (Crime Scene Investigation), por exemplo, enfatizam a importância da utilização de tais técnicas como ferramentas de apoio à investigação criminal. Na ocorrência de um delito, deve ser assegurado ao réu o amplo direito à defesa, bem como ninguém pode ser condenado injustamente, de forma que na ocorrência de dúvida acerca da autoria de um crime, não é possível atestar inequivocamente a culpa de um réu que, então, não pode ser condenado. Tais técnicas visam, portanto, a promover a comprovação incontestável da autoria de um determinado delito, de forma que não pairem dúvidas acerca do real autor do fato, prestando-se como um suporte técnico ao processo de investigação. Tendo em vista as especificidades de cada caso, sua elucidação envolve o uso de equipamentos de alta tecnologia, bem como de pessoal multidisciplinar altamente capacitado, de forma a conduzir tais trabalhos de investigação forense de forma inequívoca. Mas existe relação entre a investigação forense, seja ela ficção ou realidade, e o trabalho realizado pela Marinha do Brasil?

Desde o ano 2000, com a promulgação da Lei Federal no 9966, que dispõe sobre a prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, compete à Autoridade Marítima, exercida pelo Comandante da Marinha, “levantar dados e informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios, plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais”. Com isso, a Marinha do Brasil possui a atribuição legal de investigar a ocorrência de derrames de óleo no mar e promover a punição dos responsáveis, em conformidade com o disposto no Decreto Federal nº 4.136/2002. Ocorre que nem sempre é possível identificar obviamente o autor de um determinado derrame, e negar a autoria sempre faz parte de qualquer estratégia de defesa, sobretudo em vista das cifras que podem estar envolvidas quando da aplicação de multas. Deve-se, por isso, utilizar técnicas de investigação que permitam apontar, de forma incontestável e juridicamente reconhecível, o responsável por um determinado derrame de óleo.

Óleos são definidos pela Lei nº 9966 como “qualquer forma de hidrocarboneto (petróleo e seus derivados), incluindo óleo cru, óleo combustível, borracha, resíduos de petróleo e produtos refinados”. Quaisquer combustíveis ou lubrificantes comerciais, bem como o petróleo bruto, estão, portanto, enquadrados nesta definição. Óleos são misturas de muitas diferentes substâncias químicas, cada uma das quais com sua inerente toxicidade e comportamento quando presentes em meio ambiente.

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Figura 1- Esquema de intemperização do óleo derramado no mar.
Fonte: The International Tanker Owners Pollution Federation Limited – ITOPF Handbook 2007/2008.

A determinação do “fingerprint”, ou impressão digital de óleos, requer a investigação detalhada de diversos fatores que podem intervir no processo de identificação da fonte. A intemperização em meio ambiente – entendida como a alteração nas propriedades químicas e físicas do produto derramado em decorrência da ação de ventos e temperatura, entre outros fatores que acabam alterando a composição química do produto original – dificulta crescentemente o estabelecimento de relações inequívocas entre o derrame e suas possíveis fontes, conforme aumenta o tempo entre o derrame, sua descoberta e o decorrente processo de investigação (Figura 1). Além disso, as inúmeras possibilidades na composição dos diversos óleos, tanto nos petróleos brutos, quanto em produtos refinados, pode requerer uma abordagem específica para a determinação do “fingerprint” do produto derramado.

Apesar das dificuldades que envolvem um adequado processo de investigação, a composição química do produto derramado sempre fornece dicas acerca de sua origem. Óleos brutos, mesmo pertencentes a uma mesma bacia produtora e que podem, portanto, apresentar elevada similaridade, sempre terão alguma característica que permitirá diferenciá-los entre si, em decorrência de pequenas variações na sua composição original, de forma que cada óleo é único. O petróleo é um produto de alteração geológica da matéria orgânica, acumulada em ambiente sedimentar ao longo de milhões de anos. Portanto, sua composição depende dos organismos vivos que lhe deram origem e também das condições de deposição e maturação desta matéria orgânica. Como regiões diferentes da Terra tiveram, ao longo do tempo, organismos adaptados às condições climáticas localmente reinantes e também processos de conformação geológica diversos, é de se esperar que os petróleos tenham composições bastante variáveis ao redor do mundo, o que permite estabelecer claramente a região de onde um determinado óleo foi extraído e estimar a sua idade.

Já a diferenciação de produtos comerciais derivados de petróleo requer uma análise diferenciada. Ao mesmo tempo em que somente a identificação do produto derramado exclui suspeitos que obviamente não ocasionaram o episódio (por exemplo por não pertencerem a uma classe de navios que utilizariam o produto derramado – como nos derrames de petróleo bruto em que navios graneleiros são arrolados como suspeitos), a diferenciação óbvia entre duas fontes que transportem produtos muito similares, como por exemplo, um derrame envolvendo óleo diesel marítimo, utilizado por muitas embarcações pode ser difícil, sobretudo quando o fator intemperização entra em cena. Nesses casos, diferenciar dois suspeitos somente com as técnicas disponíveis na Química Analítica é uma tarefa bastante complexa. O processo de refino do petróleo bruto promove a separação das diversas substâncias presentes em função dos seus diferentes pontos de ebulição ou, em última análise, da sua volatilidade. Com isso, produtos comerciais da faixa da gasolina ou do diesel são ricos em substâncias mais leves, que tendem a ser bastante voláteis, com elevada perda por evaporação em meio ambiente e com pouco (ou até mesmo nenhum) resíduo recalcitrante, ou seja, resistente ao processo de intemperização. A identificação de produtos leves, quando em médio a avançado estado de intemperização é um desafio. Tal dificuldade, porém, não é observada com produtos comerciais mais pesados, como alguns óleos lubrificantes, óleos combustíveis pesados ou óleos residuais (Figura 2). Mesmo sujeitos à intemperização, estes produtos sempre deixarão resíduos que permitam a determinação do “fingerprint” com a utilização de técnicas disponíveis na Química Analítica.

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Figura 2 – Comparação entre um derrame e uma amostra suspeita, demonstrando a perfeita coincidência entre as amostras coletadas.

Várias técnicas podem ser utilizadas na comparação entre o óleo oriundo de um derrame e aqueles obtidos das fontes consideradas suspeitas. A espectrometria na região do infravermelho é uma técnica útil para episódios em que o óleo derramado não tenha sofrido intemperização, ou em seus estágios iniciais. A análise de metais também pode ser utilizada, podendo ser importante na diferenciação de alguns óleos ricos em metais, sobretudo níquel e vanádio. Porém, as técnicas mais importantes são aquelas que envolvem a separação cromatográfica dos diversos componentes do óleo. A cromatografia propicia a separação e análise dos hidrocarbonetos presentes num determinado óleo em função da sua volatilidade, num processo similar à destilação em que as diversas substâncias atravessam uma coluna de separação, dita coluna cromatográfica, numa ordem estabelecida em função dos seus pontos de ebulição. Separadas as diversas substâncias presentes num óleo, em sua maioria hidrocarbonetos, parte-se para a sua identificação e quantificação, onde é possível detectar os diversos componentes presentes com um detector de ionização em chama ou com um espectrômetro de massas. A análise química por meio da técnica de CG-EM (cromatografia em fase gasosa com detecção por espectrometria de massas) é a única que fornece evidência incontestável para a identificação da fonte de um determinado derrame, permitindo estabelecer a impressão digital de tais óleos pela determinação dos perfis de biomarcadores de petróleo.

Também conhecidos como fósseis geoquímicos, os biomarcadores de petróleo são compostos orgânicos complexos presentes no petróleo e originados a partir da degradação de substâncias presentes em organismos outrora vivos. São encontrados em materiais geológicos sedimentares (petróleos, rochas, carvões etc) e apresentam estruturas que sofreram pouca, ou mesmo nenhuma, alteração em relação às substâncias orgânicas que lhes deram origem.

Biomarcadores de petróleo são úteis porque suas estruturas complexas revelam mais informações sobre as suas origens do que outros compostos de ocorrência menos específica, visto que guardam relação estrutural e permitem correlações com substâncias orgânicas presentes nos organismos vivos. Os biomarcadores são um poderoso componente na exploração de petróleo. Combinada com outras ferramentas de exploração, a geoquímica de biomarcadores reduz significativamente o risco associado à busca por novos reservatórios dessa matéria-prima.
Além de sua importância em estudos de exploração de petróleo, a resistência desses biomarcadores à decomposição, mesmo após terem sido submetidos ao beneficiamento industrial nas refinarias, constitui-se em uma importante ferramenta em estudos ambientais, propiciando a identificação dos autores de um dado derrame graças à identificação de seus perfis químicos e à avaliação da sua similaridade com óleos provenientes das fontes consideradas suspeitas.

Nos últimos anos, a Divisão de Química do IEAPM tem investido na capacitação do seu pessoal e na aquisição de equipamentos, a fim de realizar análises para a determinação dos perfis químicos de óleos derramados, ditas análises comparativas, e prestar apoio aos demais órgãos da Marinha do Brasil na investigação de episódios de poluição das águas jurisdicionais brasileiras por óleo.

Por meio das análises comparativas para a identificação dos responsáveis por derrames de óleo no mar, o IEAPM espera prestar sua parcela de contribuição para evitar a contaminação ambiental, permitindo assim a utilização racional e sustentável das nossas águas e a preservação desse patrimônio para as gerações futuras.

 

Autor: Capitão de Corveta (EN) Márcio Martins Lobão
Ajudante da Divisão de Química do IEAPM. Graduado em Engenharia Química e pós-graduado (M.Sc.) em Química Analítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Texto Completo: http://www.redebim.dphdm.mar.mil.br/vinculos/000009/000009a8.pdf
http://repositorio.mar.mil.br/handle/ripcmb/26612
Marcelo Barros, com informações da Marinha do Brasil
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).