Ataques a provedores de internet expõem domínio do crime sobre conectividade

Foto: Freepik
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A falência da segurança pública no Ceará acaba de ganhar um símbolo: a GPX Telecom, provedora de internet da região metropolitana de Fortaleza, encerrou suas operações após sofrer ataques de criminosos que atuam com método típico de grupos terroristas. O caso expõe uma realidade chocante — facções ditam quem pode operar economicamente em certos territórios enquanto o Estado assiste, inerte, à imposição de uma ordem paralela armada.

O caso GPX Telecom: quando o crime decide quem pode operar

Imagem: Instagram/GPX Telecom/Reprodução

A GPX Telecom anunciou, na última quinta-feira (20), o encerramento definitivo de suas atividades após quase uma década operando legalmente no município de Caucaia (CE). A empresa foi alvo de ataques violentos promovidos por uma facção criminosa que destruiu sua infraestrutura em menos de 20 minutos, segundo nota oficial publicada em suas redes sociais. A destruição incluiu o centro operacional da companhia, equipamentos e parte dos veículos utilizados pela equipe técnica.

“Esse triste episódio evidencia a fragilidade da segurança em que vivemos”, diz o comunicado. A empresa agradeceu aos clientes pela confiança ao longo dos anos, mas reforçou que, diante do cenário de ameaças constantes e ausência de garantias institucionais, não havia mais como continuar operando. O impacto atinge centenas de usuários e dezenas de funcionários que perdem sua fonte de renda em razão da insegurança imposta por uma facção que, na prática, controla o território.

Facções no controle da conectividade: o mapa da intimidação

A GPX Telecom não é caso isolado. Pelo menos outras cinco provedoras — entre elas Brisanet, Giga+ Fibra, A4 Telecom, Planeta Net e ACNet — foram alvo de ataques coordenados desde fevereiro em cidades como Fortaleza, São Gonçalo do Amarante, Caridade e Caucaia. Os criminosos cortaram cabos de fibra óptica, incendiaram carros de instalação e depredaram sedes das empresas. Funcionários foram ameaçados e, em alguns casos, impedidos de trabalhar.

O Comando Vermelho, segundo investigações em curso, estaria por trás dos atos, exigindo uma espécie de “mensalidade” das operadoras que desejam atuar em áreas dominadas pela facção. As empresas que se recusam a pagar tornam-se alvos. Paralelamente, surgem provedores clandestinos operados pelos próprios criminosos, tomando para si o controle do acesso à internet em áreas vulneráveis.

O resultado é um paradoxo inaceitável: milhares de brasileiros vivem em regiões onde só conseguem se conectar à internet por meio de serviços operados ou permitidos por grupos criminosos. Em Caridade, por exemplo, 90% da população ficou sem internet após os ataques, prejudicando escolas, comércios, hospitais e a vida cotidiana dos moradores.

O silêncio do Estado e o avanço do narcoterrorismo no Ceará

Apesar da gravidade do cenário, a resposta do poder público tem sido tímida, reativa e pontual. Após o início dos ataques, o governador do Ceará, Elmano de Freitas, anunciou a criação de um grupo especial de investigação e deflagrou a Operação Strike, que resultou na prisão de 27 suspeitos. Foram apreendidos veículos, celulares e armas. No entanto, os crimes continuam acontecendo e o medo persiste.

A ausência de ações preventivas, somada à incapacidade de garantir proteção contínua às empresas e aos profissionais do setor, tem contribuído para a consolidação de uma nova forma de poder: o narcoterrorismo. O crime organizado não apenas lucra com o tráfico, mas agora atua como ente regulador de setores estratégicos da economia.

O controle da conectividade por facções representa uma ameaça direta à soberania, à democracia e ao desenvolvimento econômico. Além de violar o direito fundamental à informação, esse cenário consolida uma lógica de exclusão onde só o crime oferece “segurança” — ao custo da legalidade e da liberdade.

Enquanto isso, nenhuma força pública — estadual ou federal — assume a responsabilidade pela retomada de áreas dominadas, tampouco apresenta um plano de ação sustentável para garantir a operação segura de serviços essenciais, como internet e energia. A omissão tem consequências: a GPX Telecom é apenas a primeira a fechar. Outras podem seguir o mesmo caminho, e a população ficará refém, não da falta de conexão, mas da conivência silenciosa com a barbárie.

Não é só no Ceará: o problema se espalha

Casos semelhantes já estão sendo registrados em outros estados, como o Rio de Janeiro, onde o narcotráfico tem sequestrado antenas de telefonia móvel e exigido pagamento de resgate para devolução dos equipamentos. Assim como no Ceará, criminosos impõem sua lógica de controle territorial e passam a decidir quais empresas podem operar e quais devem ser expulsas. É um modelo de coerção armada que avança diante da inércia federal.

Enquanto o Governo Federal não assumir uma postura firme, integrada e estratégica diante do avanço do crime organizado sobre serviços essenciais, o problema tende a se espalhar. Estamos diante de um fenômeno que ultrapassa a segurança pública e entra no campo da soberania nacional — um claro sinal de que o narcoterrorismo já deixou as margens e ocupa, cada vez mais, o centro das decisões em partes do território brasileiro.

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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