Por Ten Cel Daniel Mendes Aguiar Santos

Analisando o cenário mundial no horizonte 2030-40, as agências dos EUA e do Reino Unido evidenciam quatro macrotendências (MT). A MT tecnológica, que indica a expansão da Quarta Revolução Industrial, integrando tecnologias/serviços globais e diminuindo as diferenças culturais. A MT populacional, que estima que, até 2030, a população mundial atingirá oito bilhões de pessoas, alavancada pela Índia e China. Como consequência, a terceira MT é a ambiental, que prevê a escassez de água e alimentos, além de indicar que a China aumentará a sua demanda energética em 40%, tornando-se o maior consumidor mundial de petróleo, enquanto a Índia demandará aço e carvão em larga escala. Fruto disso, a quarta MT é a econômica, que aponta a internacionalização definitiva dos mercados e o deslocamento do centro econômico mundial para o Oriente, com ênfase na região do Indo-Pacífico.

Observando a China, até os anos 1970, o “dragão” priorizava uma estratégia de defesa voltada para a sua massa continental. Contudo, a partir de 1978, com a política desenvolvimentista de Deng Xiaoping, as áreas litorâneas foram priorizadas e se tornaram hubs comerciais cruciais para a ascensão chinesa. Como resultado, a estratégia de defesa chinesa se voltou para o mar, avançando para uma Offshore Defense, que inclui a construção de ilhas artificiais. Desde então, Pequim tem promovido uma simbiose entre um regime comunista e um sistema econômico de contorno capitalista e, assim, persegue o “sonho chinês” de liderar o Oriente e ampliar a sua influência mundial.

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Para isso, o “dragão” anula o ideário democrático e adota a abordagem da “Guerra Irrestrita”, uma espécie de versão oriental do pensamento maquiavélico de que “os fins justificam os meios”. Tal abordagem é materializada pela “Guerra dos 3 Métodos”, conceito que enfatiza ações não militares, integrando a judicialização nas arenas internacionais, a modelagem da opinião pública e a pressão psicológica.

Desta forma, a China tem atuado, tanto na sua esfera de influência direta, caso das disputas geopolíticas com Taiwan e Hong Kong, quanto no seu entorno estratégico. No Leste Asiático, tem ativado disputas político-territoriais com a Indonésia, a Coreia do Sul e o Japão. Na Ásia Meridional, tem deflagrado escaramuças territoriais com a Índia e o Nepal. Em particular, o Paquistão cedeu à pressão da China e acolheu a construção de uma rodovia para o acesso chinês ao Índico e o desenvolvimento da chamada nova “Rota da Seda”.

Atento a esta realidade, em 2017, o ex-Presidente dos EUA, Donald Trump,  assinou a nova Estratégia de Segurança dos EUA, que passou a comunicar, em primeiro plano, a China, a Rússia, o Irã e  a Coreia do Norte como ameaças potenciais aos EUA e seus aliados. Desde então, o principal enfoque estratégico americano deixou de ser o Oriente Médio e passou a ser o Indo-Pacífico. Avançando, Washington abandonou a estratégia de “soma-zero”, que adotava com a China, e passou a construir uma estratégia para “decapitar o dragão”.

Atualmente, a competição China versus EUA vem recrudescendo em todos os campos do poder, ilustrada, na esfera econômica e tecnológica, pela questão do 5G e consequente disputa pelo controle da dimensão informacional. Em um horizonte próximo, tal competição pode transbordar para o campo militar, fazendo que a “guerra do futuro” seja travada pelo domínio da região do Indo-Pacífico. Neste sentido, ambos os lados estão atentos ao “camaleão”, face mutável da guerra, como indicava Clausewitz, e já atualizam as suas estratégias militares para dar conta desta hipótese.

A China adota uma estratégia de expansão, no âmbito regional, e defensiva com relação aos EUA. O objetivo é negar o acesso ao Mar da China Oriental e Meridional às forças dos EUA e, assim, controlar a porção ocidental do Pacífico. Para isso, o método chinês se baseia no conceito de anti-access/area denial (A2/AD). Tal conceito é materializado por duas linhas imaginárias formadas por cadeias de ilhas (ver mapa). A linha mais próxima do continente estende-se ao longo do litoral da Malásia, de Taiwan e de porções insulares do Sul do Japão, delimitando a área a ser negada. A linha mais afastada do continente projeta-se ao longo do litoral da Indonésia, de Guam e  da porção central do Japão, delimitando a área de antiacesso.

Nesse esforço, o “dragão” concentra seus meios em três camadas. No continente, desdobra os componentes terrestre e aéreo, além dos principais comandos estratégicos – o de mísseis balísticos/nucleares e o espacial. Entre o continente e a linha de ilhas mais próxima, opera um componente naval, centrado em submarinos convencionais e mísseis balísticos de curto alcance, apoiado por uma esquadra centrada em porta-aviões. Entre a linha mais próxima e a mais afastada, desdobra um componente naval, centrado em submarinos nucleares e mísseis balísticos de longo alcance, apoiado por uma esquadra composta por fragatas de última geração.

Por seu turno, os EUA adotam uma estratégia preemptiva, com o objetivo de impedir que a China expanda o seu domínio no Pacífico Ocidental, enfatizando que as águas internacionais do Mar da China Oriental e Meridional são Global Commons e não dependem de consentimento chinês para o seu uso. Para isso, o método americano se baseia no conceito de Joint Access Maneuver for Global Commons (JAM-GC). Tal conceito adota duas linhas imaginárias, parecidas com as chinesas (ver mapa). A diferença reside na presença de bases militares americanas que facilitam a projeção para o acesso de área. Na linha mais afastada do continente, os EUA contam com as bases em Guam e no Japão. Já na linha mais próxima ao continente, contam com as bases na Coreia do Sul e em Okinawa.

Nesse esforço, os meios americanos, centrados no Comando Indo-Pacífico, têm o potencial de se expandir em combinação com forças aliadas do Leste Asiático. Em particular, os EUA consideram que a China terá a capacidade de contestar as suas forças em todos os domínios (marítimo, aéreo, terrestre, cibernético, espacial e humano), demandando a condução de Multi-Domain Operations (MDO), sob a égide de um esforço combinado e conjunto para viabilizar a manobra de acesso de área.

À guisa de conclusão, estima-se o acirramento das disputas geopolíticas no Leste Asiático, com ênfase nas porções insulares do Pacífico Ocidental. Ainda, vislumbra-se a polarização das relações internacionais na região, instigando o realinhamento de alianças militares e uma corrida armamentista. Finalmente, infere-se que o mundo poderá ser abarcado por uma nova “Guerra Fria”, agora entre China e EUA e, ainda, possa voltar a se assombrado por um conflito armado de alcance mundial.

Mapa – Perspectivas geoestratégicas dos EUA e da China

EBLOG Dragão

Fonte: Defense News. Asia Pacific. Powers Jockey for Pacific Island Chain Influence. By Christopher P. Cavas. February 1, 2016. Disponível em: https://www.defensenews.com/global/asia-pacific/2016/02/01/ powers-jockey-for-pacific-island-chain-influence/

Fonte: eBlog do EB

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).