Por Júlio Bernardes
Arte: Rebeca Alencar/Jornal da USP

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s terras raras são um conjunto de elementos químicos, normalmente encontrados na natureza misturados a minérios, de difícil extração – daí o nome -, mas com características peculiares, como magnetismo intenso e absorção e emissão de luz. Essas propriedades especiais fazem com que sejam usadas numa infinidade de aplicações tecnológicas, como lâmpadas de LED, lasers, superímãs presentes nos discos rígidos de computadores e motores de carros elétricos, e na separação de componentes do petróleo. Atualmente, o Brasil tem a segunda maior reserva mundial conhecida de terras raras, porém essa riqueza não é explorada, devido ao custo da tecnologia de extração e separação, o que obriga o País a importar esses elementos para usar como matéria-prima nas indústrias, principalmente da China, maior produtor do mundo.

Na USP, grupos de pesquisa realizam estudos com terras raras, obtendo resultados promissores, como um método de separação não poluente, baseado em nanotecnologia, além de aplicações em iluminação, lasers, produção de aço, células solares, filtros de raios ultravioleta e catalisadores automotivos. A Universidade também coordena um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) voltando ao domínio de todas as etapas da cadeia produtiva da fabricação dos superímãs de terras raras, da mina ao ímã, e no momento colabora com a instalação de uma fábrica de ímãs em Minas Gerais.

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Fernando José Gomes Landgraf – Foto: Cecilia Bastos

As maiores reservas mundiais comprovadas de terras raras estão na China, com 44 milhões de toneladas. O Brasil vem logo a seguir, com 22 milhões, mesma quantidade do Vietnã, mas à frente da Rússia, com 12 milhões, da Índia, com 6,9 milhões, e da Austrália, com 3,4 milhões, de acordo com dados de 2018 do United States Geological Service (USGS).

“No Brasil, as terras raras são encontradas nas areias monazíticas do litoral e principalmente em jazidas próximas a vulcões extintos, como nas cidades de Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais, e Catalão, em Goiás, e também em Pitinga, no Amazonas. É provável que as reservas brasileiras sejam muito maiores do que está comprovado atualmente, em especial na Amazônia”, relata ao Jornal da USP o professor Fernando Landgraf, da Escola Politécnica (Poli) da USP. “No entanto, na cadeia produtiva das terras raras, o Brasil tem o minério, tem o consumo final, pois importa superímãs para geradores eólicos e motores elétricos, mas não domina as etapas intermediárias do processo, ou seja, a separação dos elementos e a fabricação de superímãs.”

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Henrique Toma – Foto: Cecília Bastos

O professor Henrique Elsi Toma, do Instituto de Química (IQ) da USP, relata que o Brasil chegou a ter protagonismo no campo, ao desenvolver a tecnologia de separação e purificação. “A primeira jazida foi descoberta em 1886, na praia de Cumuruxatiba, na Bahia, e em 1915 o Brasil era o maior fornecedor mundial de monazita, um mineral extraído da areia que contém terras raras, e na época era usado para produzir mantas incandescentes, que permitem aos lampiões de gás emitirem luz branca.” Em 1946, o químico Pawell Krumholz, que depois se tornou professor da USP, criou a técnica de separação das terras raras da monazita e a aplicou na empresa Orquima, que tinha fundado cinco anos antes. “Em 1957, foi criada uma linha de pesquisa sobre química de terras raras na USP, coordenada pelo professor Ernesto Giesbrecht”, relata.

Na década de 1950, o foco da exploração de monazita passou a ser a extração de tório e urânio, usados na produção de energia nuclear. “O Brasil dominava a tecnologia de extração de terras raras, mas elas tinham poucas aplicações tecnológicas significativas. A situação mudou com o surgimento da televisão em cores, no final dessa década, quando as telas passaram a ser pintadas com európio para produzir as imagens coloridas. Posteriormente, as principais aplicações das terras raras passaram a ser em ímãs de alta potência e em lasers, com uso do neodímio extraído da monazita, mas aí o Brasil já havia perdido espaço no mercado mundial”, explica Toma. “Em 1962, a Usina Santo Amaro (USAM), pertencente à Orquima, foi estatizada, passando a se chamar Nuclemon em 1975 e, em 1994, Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Em 2004, o País deixou de produzir terras raras e, em 2012, foram interrompidas as exportações de monazita para a China, que passou a monopolizar o mercado mundial com sua produção interna. Embora o Brasil seja considerado um ‘pais mineral’ pela abundância das jazidas, o foco é a exportação de minério bruto, especialmente de ferro, que não exige tecnologias sofisticadas ou muito custosas de extração.”

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Locais de maior incidência do extrativismo de terras raras – Foto: Reprodução

De acordo com Fernando Landgraf, o mercado mundial de terras raras é relativamente pequeno em termos financeiros, movimentando cerca de 5 bilhões de dólares por ano, mas a sua importância estratégica é enorme. “Por exemplo, os ímãs de terras raras são indispensáveis para os carros elétricos. A China investiu em toda a cadeia produtiva das terras raras, começando pela extração, passando pela separação, produção de ímãs e por fim a produção de carros elétricos. É evidente que ela vai querer vender o carro, não o ímã”, afirma. “Hoje, no Brasil, não há ninguém que faça a extração do concentrado de terras raras separado de outros elementos, logo, elas não são comercializadas. O custo de obtenção não é compensador frente ao produto importado. Há planos para que a Mineração Serra Verde, em Minaçu, no Estado de Goiás, comece a produzir e exportar o concentrado, mas só a partir do ano que vem.” Os dados do USGS indicam que a China é o maior produtor mundial de terras raras, com 120 mil toneladas extraídas em 2018, seguida pela Austrália, com 20 mil toneladas, e Estados Unidos, com 15 mil.

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Arte por Rebeca Alencar com imagens de Flaticon

Extração e cadeira produtiva

No IQ, o grupo de pesquisa do professor Henrique Toma, especializado em nanotecnologia, desenvolveu uma técnica chamada de hidrometalurgia magnética para a separação de terras raras, simplificando e barateando o processo. “O método usa nanopartículas magnéticas modificadas com um agente químico que captura as terras raras que estão misturadas ao minério, colocado em um pequeno reator. Depois das nanopartículas serem resgatadas com um ímã de neodímio, sua acidez é modificada, liberando as terras raras”, descreve. “No processo tradicional, feito em reatores gigantescos, essa separação requer milhares de litros de solvente, que só podem ser usados uma única vez e poluem o ambiente. Com as nanopartículas, assim que as terras raras são separadas, elas podem voltar a ser usadas.”

Segundo Toma, o processo é automatizado, não poluente, facilita a separação de elementos químicos distintos e pode ser utilizado na recuperação de terras raras em lixo eletrônico. “Para limpar o meio ambiente, o ideal não é explorar, mas apenas reciclar os minérios, como acontece com as latinhas de alumínio. Por exemplo, calcula-se que um carro elétrico possua um quilo de neodímio. Quando o veículo virar sucata, se não for reciclado, o neodímio se transforma em poluente. Por essa razão é fundamental o desenvolvimento de técnicas avançadas que permitam fazer a reciclagem no futuro”, ressalta. “Esta ainda é uma técnica nova, que vem rendendo publicações e trabalhos científicos, mas que para chegar ao mercado precisa de apoio – a pesquisa quase parou por falta de recursos. O Brasil tem terras raras e tecnologia, poderia avançar bastante, porém as empresas não têm tradição de desenvolvimento tecnológico, quase tudo é importado”, diz. A pesquisa teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e um dos artigos que descrevem a técnica de hidrometalurgia magnética foi publicado em 2019, na revista científica Hidrometallurgy, e pode ser acessado neste link.

Resultados promissores em extração e aplicações das terras raras

Trabalhos recentes de pesquisadores da USP sobre o tema estratégico para a economia brasileira