Universo 25: O experimento que alerta sobre o colapso das sociedades diante da abundância e do vazio existencial

Ilustração de ratos em ambiente urbano.
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Um dos experimentos mais emblemáticos e perturbadores da história da ciência comportamental é conhecido como Universo 25. Conduzido pelo etólogo norte-americano John B. Calhoun entre os anos 1950 e 1970, o estudo visava compreender os efeitos da superpopulação em ambientes urbanos, utilizando camundongos como modelo experimental. Seus resultados servem até hoje como referência crítica para análises sociológicas, estudos urbanos e reflexões sobre a resiliência das sociedades humanas diante da prosperidade material, mas da escassez de propósito.

O “Paraíso dos Ratos”

Homem em laboratório com ratos ao redor.
Foto: Reprodução

O experimento consistiu na criação de um ambiente artificial, fechado e controlado — apelidado de Universo 25 — onde centenas de camundongos dispunham de recursos ilimitados: comida, água, espaço físico, temperatura ideal e segurança contra predadores. Tudo parecia ideal para uma sociedade perfeita.

Inicialmente, foram introduzidos oito camundongos (quatro pares), que rapidamente começaram a se reproduzir. A população crescia exponencialmente e, nos primeiros 315 dias, a harmonia parecia reinar. No entanto, ao atingir cerca de 600 indivíduos, o comportamento social começou a se deteriorar de forma drástica.

Do ápice à decadência: quatro fases do colapso

Calhoun identificou quatro fases no declínio da colônia:

1. Fase de Explosão Populacional

Com o ambiente favorável, os camundongos se reproduziam rapidamente. A convivência era pacífica, mas com o aumento da densidade demográfica surgiram os primeiros sinais de conflito por espaço e status social.

2. Fase de Estagnação

Hierarquias agressivas se formaram. Machos dominantes passaram a atacar os subordinados, enquanto as fêmeas tornavam-se mais agressivas ou negligentes com os filhotes. Filhotes morriam ou eram abandonados.

3. Fase da Morte Comportamental

Os comportamentos naturais — como defesa, reprodução e socialização — começaram a desaparecer. Surgiu um grupo de camundongos denominado “Beautiful Ones”: fisicamente perfeitos, mas completamente passivos. Eles não se envolviam em brigas, nem tentavam acasalar. Limitavam-se a comer, dormir e cuidar da própria aparência. Ao mesmo tempo, o instinto materno desapareceu entre as fêmeas, e os jovens eram rejeitados ou mortos.

4. Fase do Vazio Existencial

Mesmo com abundância de recursos, a reprodução cessou. A taxa de mortalidade juvenil atingiu 100%, o comportamento social colapsou por completo e os camundongos sobreviventes viviam isolados, apáticos, até a morte. O último nascimento ocorreu dois anos após o início da experiência, e em 1973 o Universo 25 estava completamente extinto.

Morte Comportamental: quando a alma da sociedade morre antes dos corpos

Para Calhoun, o mais alarmante não foi o fim físico da colônia, mas a chamada “morte comportamental” — a perda de propósito coletivo, o colapso das funções sociais e o surgimento de um estado crônico de apatia e egoísmo individualista.

Mesmo com tudo o que precisavam para sobreviver, os camundongos perderam a razão para viver. O trauma geracional, a ausência de estímulos desafiadores e o desmoronamento das estruturas de sentido social — como o papel parental, o pertencimento e a competição simbólica — culminaram na falência da civilização artificial criada por Calhoun.

Reflexões estratégicas para a sociedade humana

Apesar das diferenças biológicas e culturais entre humanos e camundongos, o Universo 25 é uma poderosa metáfora. Ele aponta para os riscos do colapso social não pela carência, mas pela saturação, pela ausência de desafios reais e pelo esvaziamento dos laços que sustentam o convívio humano.

Em tempos de crescente urbanização, hiperconectividade digital, individualismo exacerbado e queda nas taxas de natalidade, os alertas de Calhoun ganham nova relevância:

  • A abundância material não garante saúde mental, vínculos sólidos ou propósito coletivo.

  • A hiperconcentração populacional, se não for acompanhada por políticas de convivência, pertencimento e estrutura simbólica, pode levar a comportamentos destrutivos.

  • A ausência de rituais de superação, responsabilidades compartilhadas e desafios comunitários gera apatia social, violência gratuita e retração afetiva.

E se o colapso não vier da fome, mas do excesso?

O legado de John Calhoun transcende o laboratório. Ele nos convida a refletir: uma sociedade que entrega tudo, mas não inspira nada, está fadada à estagnação? Quando o conforto é absoluto e a adversidade é nula, o que mantém viva a chama da evolução humana?

Em um mundo onde a abundância é possível, o verdadeiro desafio talvez seja manter a alma coletiva viva. E essa lição, embora nascida entre camundongos, é um espelho inquietante para a civilização contemporânea.

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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