As relações entre civis e militares, quando eficazes, cooperam, em grande medida, para a estabilidade nacional. O controle civil é o meio garantidor para que não ocorra nenhuma possibilidade de insinuação de ruptura da ordem democrática vigente, afastando permanentemente qualquer iniciativa incitadora de mínima intervenção política, o que pode culminar em supostas intenções de golpe de Estado. Esse controle sobre as Forças Armadas gera muitas controvérsias em relação à independência dos chefes e comandantes militares, mas é aceito como a situação ideal no contexto democrático.

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Os militares são servidores públicos especiais do Estado que, pelo seu Estatuto próprio, normas, regras e protocolos específicos da caserna, além do juramento pertinente à carreira das armas por ocasião do ingresso nas fileiras das Forças Armadas, demonstram distinções notórias às demais profissões civis. De modo sucinto, o papel dos civis é determinar sobre qual conflito as Forças Armadas devem direcionar os seus esforços, dado que às tropas militares cabe planejar o emprego da força, combater e vencer. (Huntington, 1967).

No Brasil, as Forças Armadas são vinculadas ao Ministério da Defesa, pasta cujo comando majoritariamente foi de civis, desde a sua criação, com poucas exceções na última década. Essa situação contrasta com o regime da maioria dos governos da segunda metade do século XX, em que os militares buscaram atuar, como dirigentes do mais alto cargo do Poder Executivo, com o objetivo de modernizar e impulsionar o desenvolvimento nacional.

Atualmente, a defesa e a segurança estatal devem ser as prioridades permanentes das Forças Armadas brasileiras, ocupando as rotinas dos militares para estes manterem certa distância das questões políticas do governo em curso. Logo, a situação em debate neste texto, em breve análise ideal, decorre da subordinação de toda a estrutura militar a um único comandante em chefe, como o presidente da república.

O controle do aparelho estatal, a partir do setor político, requer a representação civil, escolhida pelo processo democrático vigente, com participação militar restrita e expressamente definida. Samuel Huntington (1927 – 2008), cientista político estadunidense e renomado autor de várias obras consagradas internacionalmente, observou que fatores como obediência e limites, para os oficiais militares, são essenciais e contribuem para que o controle civil tenha sucesso, o que pode ser assegurado pelo profissionalismo existente no meio castrense.

Em seus estudos e por suas investigações, o mencionado autor citou e explicou os seguintes modos de controles civis sobre as instituições militares: objetivo, subjetivo, por instituição governamental, por classe social e por forma constitucional (Huntington, 1967). Destaca-se que as ações de controle civil sobre as Forças Armadas, principalmente de atos de comandantes e de chefes dos escalões superiores, se mal articuladas junto aos militares, podem gerar ou potencializar crises nas relações entre as instituições civis e castrenses.

Nesse sentido, para Huntington (1967), nas ocasiões das decisões políticas, tomadas por chefes civis, que provoquem a mobilização, a preparação e o desdobramento de tropas militares em combate, a sociedade castrense pode perceber a sua situação, se eventualmente desfavorável, como consequência da conjuntura política. Como exemplo, nos casos do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão, este último mais recente, em relação aos longos períodos dessas guerras, além das inúmeras baixas desnecessárias causadas, uma compreensão de parcela dos próprios militares, além dos seu familiares, bem como dos demais integrantes da opinião pública estadunidense, apontaram os seus jovens militares como vítimas de conflitos iniciados a partir de decisões alheias às suas vontades.

Contudo, para o equilíbrio da distribuição do poder no sistema estatal, o controle civil sobre as instituições militares, no contexto do progresso dos processos democráticos, demanda que ocorra a aceitação plena da subordinação dos militares aos órgãos geridos e chefiados por civis. Tal controle pode assumir as variáveis subjetiva e objetiva. A primeira representa o máximo controle civil sobre as Forças Armadas, sendo temerária, com relativo critério de razoabilidade. A segunda decorre de militares altamente profissionalizados e com reduzida participação na vida política nacional, o que representa a situação adequada ao estágio democrático atual da sociedade brasileira. Segundo a variável citada, não cabe a redução do poder dos altos escalões castrenses na estrutura organizacional, interna, tanto da Marinha, quanto do Exército ou da Força Aérea, a fim de garantir a manutenção da hierarquia e da disciplina, preceitos basilares para as relações entre os militares de modo geral.

Ademais, as interações entre os integrantes das Forças Armadas e a sociedade civil são, sobretudo, complexas por fatos históricos como golpes de Estado, governos sob regimes militares e o uso desproporcional da força, por exemplo, quando em emprego urbano contra os próprios cidadãos nacionais. Portanto, nas relações civis-militares, situações de divergências de opiniões e posicionamentos são recorrentes, desde que sejam respeitadas a hierarquia e a disciplina pelos oficiais dos mais altos estamentos, em relação aos chefes civis, a fim de harmonizar a expressão do poder militar ao poder político.

A forma de condução objetiva parece mais segura que a subjetiva, anteriormente mencionada, ao ponto de garantir que a hierarquia militar, bem como as suas prioridades, não sejam manipuladas ou influenciadas por eventuais grupos civis de pressão, oriundos de outras expressões do poder nacional, como dos setores econômico ou social. Vale salientar que as instituições castrenses pertencem ao Estado e devem estar afastadas dos interesses pontuais dos governos civis que, possivelmente, possam refletir intenções influenciadas por ideologias políticas variadas, segundo o jogo de interesses partidários.

Cabe ressaltar que, para manter o afastamento dos assuntos políticos nacionais, os oficiais militares devem ter envolvimento, primordialmente, com os temas técnicos da sua profissão (Huntington, 1967). Somente pela profissionalização militar é viável legitimar a existência de Forças Armadas capazes de operarem na gestão de crises e na administração da violência, quando por outras formas pacíficas não forem possíveis firmar acordos, na esfera das relações exteriores, para a defesa do território nacional. Dessa maneira, a servidão militar ao Estado revela que a variável objetiva do controle civil é mais pertinente à distribuição adequada do poder.

Observa-se que, além dos controles objetivo e subjetivo, o controle civil pode ocorrer por instituição governamental, por classe social e por forma constitucional (Huntington, 1967). O primeiro deve ser exercido sem intermediários, ou seja, diretamente pelo governo instituído. O segundo significa a submissão dos militares aos interesses e decisões de determinada casta social da sociedade. Já o terceiro é assegurado por um dispositivo constitucional. Com efeito, no caso brasileiro, o planejamento, a criação e a consolidação do Ministério da Defesa representaram marcos contínuos da adoção de um sistema democrático para o país. Portanto, a atuação exercida pelo referido órgão, sobre a Marinha, o Exército e a Força Aérea, é um exemplo muito bem-sucedido de controle civil sobre os militares.

Em síntese, o estado da arte do controle civil objetivo pode ser compreendido como o envolvimento mínimo e discreto, de militares da ativa, na vida política nacional. Assim, é assegurado que o próprio sistema conduzido pelos civis contribua para “militarizar” os militares, os quais devem estar cientes das suas condições de instrumentos estatais para que os fins bélicos almejados sejam, plenamente, alcançados pela nação (Huntington, 1967).

Finalmente, Huntington (1967) defende o respeito ao controle civil, objetivo, o que revela a disciplina da corporação militar referente à obediência aos preceitos básicos da democracia estatal. Consequentemente, há uma maximização do profissionalismo militar voltado, exclusivamente, para as atividades sobre as quais foram idealizadas a formação e a manutenção das Forças Armadas, ou seja, a defesa e a segurança da pátria.

REFERÊNCIA

HUNTINGTON, S. The Soldier and the State. The theory and Politics of Civil-Military Relations. Cambridge: Harvard University Press, 1967.