Microplásticos atingem áreas marinhas protegidas do Brasil

Foto: Beatriz Zachello Nunes
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No coração do Atlântico Sul, onde o azul profundo deveria significar pureza intocada, moluscos bivalves revelaram uma verdade perturbadora. Mesmo em santuários marinhos altamente protegidos, como o Atol das Rocas e o Arquipélago de Alcatrazes, a presença de microplásticos está registrada nos organismos que ali vivem. Um estudo liderado por pesquisadores brasileiros e australianos expôs o impacto silencioso da poluição oceânica que ignora fronteiras e desafia até mesmo as barreiras mais rígidas da conservação ambiental.

Sentinelas do mar: como o estudo foi conduzido

As dez áreas de proteção integral estudadas (imagem: Ítalo Braga)

O estudo publicado na revista Environmental Research foi conduzido por cientistas do Brasil e da Austrália e utilizou moluscos bivalves — como ostras e mexilhões — para monitorar a contaminação por microplásticos em dez áreas marinhas de proteção integral (APIs) ao longo do litoral brasileiro. Esses organismos são ideais para esse tipo de análise por filtrarem grandes volumes de água e acumularem contaminantes em seus tecidos, o que fornece um retrato histórico da qualidade ambiental da região.

A concentração média de microplásticos encontrada nas APIs foi de 0,42 ± 0,34 partícula por grama de tecido úmido. Alcatrazes apresentou a maior concentração (0,90 ± 0,59), enquanto o Atol das Rocas, mesmo sem presença humana, registrou 0,23 partícula por grama. Os polímeros identificados variam entre alquídicos (comuns em tintas e vernizes), celulose (natural ou antropogênica), PET (de embalagens e tecidos) e até PTFE, conhecido como teflon.

A análise química conseguiu identificar 59,4% das partículas encontradas. Os outros 40,6% permanecem com composição indeterminada, o que evidencia os desafios técnicos e a complexidade do monitoramento de microplásticos.

Conservação em risco: limites da proteção ambiental

As áreas marinhas protegidas são consideradas a linha de frente da conservação da biodiversidade oceânica. No entanto, os resultados do estudo indicam que, mesmo sob rigorosa regulamentação e ausência de atividades econômicas ou turísticas — como é o caso do Atol das Rocas —, a contaminação persiste. Isso reforça a ideia de que a proteção legal não é suficiente frente a um poluente que circula globalmente por correntes oceânicas e atmosferas.

Essa realidade expõe fragilidades nas estratégias de gestão ambiental. A poluição por microplásticos não respeita fronteiras e pode ser gerada a milhares de quilômetros do local afetado. Com isso, cresce a preocupação sobre os impactos na cadeia alimentar marinha e na saúde dos ecossistemas costeiros, além da potencial contaminação de espécies consumidas por humanos.

Segundo o coordenador do estudo, professor Ítalo Braga, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), os dados são alarmantes, mas também oferecem uma oportunidade. “Eles mostram que é necessário repensar a forma como tratamos a poluição marinha, mesmo nas áreas mais protegidas”, afirma.

Um problema invisível, global e crescente

A poluição por microplásticos é hoje um dos maiores desafios ambientais do planeta. Estima-se que milhões de toneladas de resíduos plásticos entrem nos oceanos todos os anos, e grande parte se fragmenta em partículas menores que cinco milímetros. Invisíveis a olho nu, essas partículas estão em toda parte: no gelo do Ártico, nas fossas oceânicas, na água que bebemos e, como demonstra o estudo, até nos recantos mais preservados da costa brasileira.

O Brasil, embora tenha avançado na criação de áreas de proteção ambiental, enfrenta dificuldades em implementar políticas de combate efetivo à poluição marinha. A legislação existente carece de mecanismos de rastreamento, controle e, principalmente, prevenção da entrada de microplásticos nos ecossistemas aquáticos. A situação se agrava com o baixo investimento em saneamento e o uso indiscriminado de plásticos descartáveis.

Nesse cenário, o Tratado Global dos Plásticos, em discussão sob a coordenação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), surge como uma esperança. A proposta é estabelecer normas internacionais para reduzir a produção, o uso e o descarte de plásticos, além de incentivar a inovação em materiais biodegradáveis e sistemas circulares de reaproveitamento.

Ciência brasileira na linha de frente

O estudo coordenado por Braga e conduzido pela doutoranda Beatriz Zachello Nunes, com financiamento da FAPESP, é um exemplo do protagonismo da ciência nacional no enfrentamento da crise ambiental. Ao utilizar uma abordagem inovadora e comparativa com dados globais, os pesquisadores brasileiros mostram que é possível monitorar a poluição marinha com precisão e responsabilidade científica, contribuindo para decisões de políticas públicas baseadas em evidências.

Com uma metodologia robusta e dados alarmantes, a pesquisa lança um alerta sobre a falsa sensação de segurança nas áreas protegidas e ressalta que o combate à poluição exige colaboração internacional, fiscalização eficaz e mudanças no modelo de produção e consumo. Os bivalves, silenciosos sentinelas do mar, deram seu recado. Agora, cabe à sociedade ouvi-los.

Fonte: Agência FAPESP, por José Tadeu Arantes – https://agencia.fapesp.br/areas-marinhas-de-protecao-integral-do-brasil-estao-contaminadas-por-microplasticos/54231

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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