Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) deverá realizar seus primeiros lançamentos orbitais em 2022

Base espacial de Alcântara deverá realizar seus primeiros lançamentos orbitais em 2022, após quase 40 anos de sua criação

Imagens mostram a sequência do lançamento do foguete suborbital AV-FTB, realizado em Alcântara CLA/FAB

O Brasil deu um importante passo para ingressar no circuito internacional de lançamentos espaciais. Dois processos de chamada pública para uso não militar do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão, estão em curso. O primeiro deles selecionou quatro empresas especializadas para uso conjunto da base: a canadense C6 Launch e as norte-americanas Virgin Orbit, Orion AST e Hyperion Rocket Systems. Agora estão em fase avançada as negociações contratuais com a Força Aérea Brasileira (FAB), responsável pela administração do CLA. “Essa etapa está prevista para ser concluída em seis meses e o primeiro lançamento espacial deve ocorrer no segundo semestre de 2022”, estima o coronel aviador Marcello Correa de Souza, diretor do CLA.

“Está bem encaminhado. As quatro escolhidas aceitaram as condições de uso do CLA. A FAB conhece as empresas, que já passaram por um longo processo de seleção”, avalia Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). O órgão é responsável pelos editais de chamamento público e pela fase de pré-seleção das companhias interessadas em realizar lançamentos no espaçoporto de Alcântara. “O que está em negociação é a frequência e o cronograma de uso da base, os valores contratuais e os seguros necessários”, informa Moura. As negociações ocorrem em sigilo.

O primeiro edital prevê o uso das estruturas do CLA indicadas para operações de foguetes de pequeno e médio portes, com até 100 toneladas (t) e 30 metros (m) de altura. Cada uma das selecionadas irá operar em uma área específica do espaçoporto (ver infográfico abaixo). A Virgin Orbit, do bilionário britânico Richard Branson, utilizará a pista do aeroporto que faz parte da base. Com 2,6 quilômetros (km), permite a operação de aviões de grande porte capazes de realizar o lançamento de foguetes a partir de suas asas ou fuselagem.

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Com sede na Califórnia, a empresa usa um Boeing 747-400 adaptado para realizar seus lançamentos. O primeiro foguete, o LauncherOne, foi ao espaço em janeiro e colocou em órbita nove satélites de pequeno porte para a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. O avião decolou de um aeroporto privado na Califórnia. O bilionário tem outro empreendimento espacial, a Virgin Galactic, cuja proposta é levar turistas ao espaço – em julho, a nave fez seu primeiro voo, com o próprio Branson a bordo.

As demais empresas selecionadas irão operar no chamado Setor de Preparação e Lançamento (SPL) do CLA, composto por três áreas de lançamento. A Hyperion ficou com a Torre Móvel de Integração (TMI), estrutura originalmente destinada ao uso do Veículo Lançador de Satélites (VLS), um foguete projetado pela Aeronáutica brasileira. A instalação original foi praticamente destruída em 2003, quando a terceira versão da VLS explodiu em solo três dias antes de seu lançamento, matando 21 técnicos e engenheiros. Oito anos depois, a TMI foi reconstruída.

Para as áreas Lançador de Porte Médio e Perfilador de Vento foram selecionadas duas empresas que ainda não fizeram operações comerciais. O primeiro setor foi reservado para a Orion AST, especializada na produção de nanossatélites para rastrear detritos espaciais. Ela deve realizar lançamentos de até 200 km de altitude. A C6 Launch, que constrói foguetes de 13 m de altura para colocar em órbita satélites pequenos, foi a habilitada para a área do Perfilador de Vento. Nesse local há uma instalação para medir a direção e a velocidade do vento em grandes altitudes, que será adaptada para lançamentos – as obras de adequação serão assumidas pela empresa canadense.

Segundo o coronel Correa, as quatro empresas terão que apresentar durante a fase de negociação seus planos de operação em termos de cadência de lançamentos e volume de artefatos. “Após a assinatura dos contratos, será possível analisar a possibilidade de operação conjunta de outras empresas nos mesmos setores”, diz. Para Moura, da AEB, o perfil das companhias selecionadas indica grande possibilidade de janelas de tempo livre na ocupação das áreas. Nesse caso, um novo chamamento público será feito para o preenchimento do tempo ocioso.

O outro edital de licitação em curso foi publicado em abril e tem como objetivo selecionar um operador para a Área 4 do CLA. Nesse setor localiza-se a estrutura de lançamento não concluída que seria utilizada pela empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), fruto do acordo espacial entre o Brasil e a Ucrânia firmado em 2003 (ver Pesquisa FAPESP nº 186). O negócio foi encerrado em 2015 sem que nenhum artefato espacial tenha sido lançado e deixando um prejuízo aos cofres públicos calculado em R$ 483 milhões, em valores da época, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU).

A Área 4 é a única do complexo de Alcântara capaz de realizar lançamentos orbitais com foguetes de grande porte, acima de 100 toneladas. Para isso, porém, serão necessários investimentos superiores a R$ 300 milhões, dependendo do perfil de artefato que será lançado, estima o presidente da AEB. O edital, contudo, não prevê que a área seja necessariamente ocupada com lançamentos de grande porte. O vencedor ficará responsável pela adaptação e conclusão das obras. O contrato será de exclusividade de uso – ou concessão – por um tempo proporcional ao investimento realizado. “Temos cinco propostas em estudo. Entre outubro e novembro esperamos anunciar a empresa habilitada a negociar com a FAB”, antecipa Moura.

Lançamentos próprios
O CLA foi criado em 1983 para complementar a capacidade da base espacial Barreira do Inferno, situada a cerca de 20 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Com o tempo, a região potiguar tornou-se densamente povoada – a proximidade da população potencializa riscos em caso de um eventual acidente. A concentração demográfica em Alcântara, distante uma hora de barco da capital maranhense, São Luís, é muito menor. A base ocupa uma área isolada de 620 quilômetros quadrados (km²), distante do centro urbano do município, que tem menos de 25 mil habitantes. A região é uma península e tem a capacidade de realizar lançamentos sem sobrevoo de áreas habitadas. Isso é uma enorme vantagem operacional e também reduz impactos de possíveis acidentes.

Apesar de ter sido projetado, prioritariamente, para dotar o país da infraestrutura necessária para colocar em órbita seus próprios satélites, até hoje o CLA fez apenas lançamentos suborbitais, aqueles que podem atingir grandes altitudes, superiores a 100 km do nível do mar, mas não conseguem colocar objetos numa trajetória de revolução orbital completa (ver infográfico abaixo). Nenhum satélite desenvolvido no país foi lançado até hoje de Alcântara. O mais recente, o Amazonia 1, partiu em fevereiro deste ano do Centro Espacial de Satish Dhawan, na Índia (ver Pesquisa Fapesp nº 300).

As negociações em curso pela FAB deverão tornar viáveis os primeiros lançamentos de satélites de solo brasileiro. Caso tudo dê certo, o novo status de país lançador de foguetes só será alcançado em razão do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) firmado em 2019 entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, que protege a propriedade intelectual de tecnologias norte-americanas usadas nos dispositivos propelidos de Alcântara (ver box). “É um acordo necessário e comum, mas que o Brasil relutou décadas em aceitar por questões políticas, o que contribuiu para nosso atraso no mercado espacial”, afirma Petrônio Noronha de Souza, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e diretor de Política Espacial da AEB entre 2012 e 2018.

A base de Alcântara tem vantagens competitivas frente a outras instalações do gênero, mas também tem problemas. O principal ponto positivo é sua localização geográfica. Está próxima à linha do Equador, a 2 graus e 18 minutos de latitude sul (2o18’ sul). Para lançamentos de satélites que visam a órbita equatorial, como os geoestacionários, que chegam a 36 mil km do nível do mar, utilizados principalmente em telecomunicações, partir de Alcântara representa uma economia de combustível de até 30% em relação a um lançamento de Cabo Canaveral, na Flórida (EUA). “Menos combustível significa menos peso no foguete e, consequentemente, maior capacidade de carga útil a ser transportada – é aí que reside a vantagem”, explica Souza.

Além de Alcântara, apenas o Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, está localizado próximo à linha equatorial. A estrutura é usada principalmente pela companhia francesa Arianespace, que faz lançamentos para a Agência Espacial Europeia. Kourou, porém, tem uma agenda intensa de operações e poucas janelas de oportunidades para novos contratos. A disponibilidade de agenda, por ora, é uma vantagem para o iniciante CLA no cenário internacional.

Alcântara também tem uma abertura azimutal de 107o disponível para lançamento. Azimute é a medida de abertura angular horizontal, ou seja, é a amplitude espacial que pode ser utilizada para o lançamento; quanto maior, melhor. “Somos capazes de colocar veículos em qualquer plano orbital, desde equatoriais, de planos inclinados e órbitas polares”, assegura o coronel Correa. Quando o lançamento já é direcionado na origem para a órbita desejada, reduz-se a necessidade de manobras do foguete, o que requer menos energia, ou seja, menos combustível a ser carregado pelo foguete. A maioria dos satélites busca a órbita polar, realizando um trajeto no sentido norte-sul, passando pelos dois polos. São equipamentos para mapeamento geográfico, observação da Terra e meteorologia.

A base maranhense apresenta, ainda, a vantagem de estar longe de áreas sísmicas, sujeitas a terremotos e tsunamis, e em uma região com boas condições climáticas. Fica longe das rotas de furacões e tornados e tem estações de seca e chuva bem definidas. Outro fator relevante está relacionado à atividade aérea na região. “Não temos aerovias com tráfego intenso, o que permite janelas extensas para lançamento sem causar impactos significativos na atividade aérea”, elenca o diretor do CLA. A logística é favorecida pela proximidade do porto do Itaqui, em São Luís, que tem um dos maiores calados do país, permitindo a atracação de navios de grande porte. As estruturas operacionais do CLA, como radares, antenas de telemedidas e centro de controle, são capazes de dar suporte a foguetes de todos os portes, segundo o coronel Correa.

Os problemas concentram-se na infraestrutura precária, como o acesso à internet e telefonia móvel, ambos ruins, e na falta de mão de obra especializada. “São pontos que esperamos aprimorar com o projeto Centro Espacial de Alcântara, o CEA, para o qual pretendemos reunir recursos públicos e privados”, relata Correa.

O CEA precisa melhorar, igualmente, a infraestrutura da cidade de Alcântara, desprovida de hotéis e restaurantes adequados para atender a demanda de visitantes e equipes das empresas lançadoras de foguetes. Não há na região a oferta de serviços especializados de suporte metalúrgico, mecânico ou pneumático, caso sejam necessários pequenos reparos em peças e partes, ou mesmo a oferta de gases, oxidantes e combustíveis. Tudo precisa vir da capital maranhense. “A experiência de outros centros de lançamento é que o início das atividades comerciais alavanca a oferta de serviços locais”, ressalta Moura.

Para o engenheiro Julio Shidara, presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab), as operações de lançamento a partir do CLA podem gerar demanda de fornecimento de sistemas com elevado grau de conteúdo tecnológico e, com isso, resultar em oportunidades para as empresas do setor no Brasil. “Muitas companhias nacionais estão aptas a atender a todos os segmentos de apoio ao CLA, de infraestrutura a componentes e sistemas para os foguetes”, diz. O executivo da Aiab estima que possa haver procura por sistemas de rastreio, radares meteorológicos, sistemas de telemetria e de telecomando, infraestrutura para manuseio de combustíveis e de materiais explosivos, além de serviços de manutenção e calibração de equipamentos.

O engenheiro aeronáutico João Luiz de Azevedo, pesquisador do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), órgão vinculado ao Comando da Aeronáutica, avalia que as empresas estrangeiras que vão atuar em Alcântara deverão trazer de suas bases, no exterior, a maior parte dos equipamentos e insumos necessários para os lançamentos. Com isso, pelo menos num primeiro momento, deverão ser geradas poucas oportunidades para o desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento local. Mesmo assim, ele se mostra otimista. “O início dos lançamentos orbitais em Alcântara pode quebrar o atual círculo vicioso”, diz. “Não temos uma indústria forte voltada a veículos lançadores, porque não temos lançamentos. É preciso ter um início.”

Desde o acidente com o VLS-1, há quase 20 anos, a base é subutilizada, mesmo para fins governamentais. A nova fase de operações, com os editais internacionais, insere o centro em um mercado, o de lançamentos orbitais, que faturou US$ 4,9 bilhões em 2019, de acordo com a Associação da Indústria de Satélite (SAI), com sede nos Estados Unidos. Moura, da AEB, diz que a meta brasileira é tentar alcançar 10% desse mercado até 2040, quando se espera que o número global de lançamentos seja três vezes maior que o atual, chegando à casa de 300 por ano.

Acordo com EUA viabiliza lançamentos
Acerto resguarda a propriedade intelectual de tecnologias norte-americanas usadas em foguetes lançados de Alcântara

O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos percorreu um longo caminho até ser assinado em 2019. A primeira tentativa data do governo Fernando Henrique Cardoso, que em 2000 chegou a um acerto com os norte-americanos, mas a iniciativa foi barrada pelo Legislativo. Políticos de oposição alegavam que o tratado feria a soberania nacional ao impedir a inspeção brasileira nos equipamentos trazidos dos EUA. A negociação só foi retomada na presidência de Michel Temer, em 2017. A conclusão do entendimento deu-se no governo atual.

Na prática, o acordo é um compromisso firmado entre os dois países que as tecnologias e patentes dos equipamentos utilizados nos lançamentos estarão protegidos contra usos e cópias não autorizados. “O acordo atual não difere muito do proposto em 2000 nem do assinado com a Ucrânia em 2003”, diz Petrônio Noronha de Souza, ex-diretor de Política Espacial da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Os Estados Unidos têm entendimentos semelhantes com Rússia, China, Índia, Ucrânia e Nova Zelândia, os principais países lançadores de foguetes. Especialistas apontam que não ter acordo com os norte-americanos praticamente inviabiliza um país a oferecer serviços de lançamento, uma vez que cerca de 80% dos equipamentos espaciais do mundo possuem algum componente daquele país.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) estima que a demora brasileira em realizar o acordo de salvaguardas com os Estados Unidos resultou em uma perda de aproximadamente US$ 3,9 bilhões em receitas de lançamentos não realizados, considerando o potencial brasileiro de ter feito pelo menos 5% dos lançamentos ocorridos no mundo nos últimos 20 anos.

O cientista político Flávio Rocha de Oliveira, especialista em geopolítica e professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, vê o acordo com reservas. Para ele, apenas a remuneração financeira pelo uso do CLA é uma contrapartida tímida, diante do fato de que o AST posiciona o Brasil como aliado geopolítico dos Estados Unidos na competição aeroespacial entre norte-americanos, chineses e russos. “Deveríamos ter negociado um acordo que trouxesse mais benefícios tecnológicos ao programa espacial brasileiro, como o investimento dos recursos obtidos no AST no desenvolvimento de um veículo lançador de satélites”, diz. “Na emergente indústria dedicada ao espaço, podemos repetir o que aconteceu com o setor automobilístico, ou seja, não conseguirmos ter um conglomerado industrial de peso e sermos condenados a ser, no máximo, fornecedores de autopeças ou a ceder o território para a instalação de multinacionais, algo diferente do que fizeram Coreia do Sul e Japão.”

Fonte: Revista FAPESP

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