A Rússia é um grande fornecedor de petróleo e gás, para a Europa, especialmente, que não está preparada para lidar com a interrupção dos hidrocarbonetos russos (foto: Isac Nóbrega/PR)

Por Marcelo Gauto, da epbr

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O clima esquentou, no globo terrestre e no leste europeu. Na verdade, vem esquentando sem parar, conforme os sucessivos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Os dados apresentados em 2022 evidenciam que a situação será cada vez mais difícil. O mundo enfrenta uma dupla guerra.

Secas, furacões, chuvas torrenciais ficarão mais frequentes e intensos. O planeta seguirá reagindo ao aumento da temperatura, com evidências científicas de que bilhões de pessoas que estão em zonas de risco — em regiões mais vulneráveis aos eventos desencadeados pelas mudanças do clima — sofrerão maior impacto. Há ainda o alerta de que zonas agrícolas podem desaparecer, enquanto novas regiões podem surgir pelo desgelo permanente de regiões congeladas. Ponto de atenção para o Brasil. Adaptação é a palavra de ordem, o que requer ação. É a primeira guerra a se combater.

Na Europa, a invasão da Ucrânia pela Rússia, “esquentou” as relações entre diversos países. Não cabe aqui descrever os motivos geopolíticos que permeiam a guerra armada no leste europeu, mas vale a reflexão a respeito do seu efeito sobre o mercado de energia. A Rússia é um grande fornecedor de petróleo e gás, para a Europa, especialmente, que não está preparada para lidar com a interrupção dos hidrocarbonetos russos. O mundo, aliás, não está preparado para lidar com uma menor oferta de combustíveis fósseis. A figura 1 demonstra a matriz de energia da China, EUA, Europa e Brasil, para fins de comparação.

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Figura 1 – Matriz energética da China, EUA, Europa e Brasil (Fonte: elaboração própria, a partir de dados da BP Statistical Review, 2021)

Observa-se que é alta a dependência dos fósseis nas grandes economias mundiais. Mudar a matriz energética para fontes alternativas é a outra “guerra” a qual vivencia-se, que cresce a cada dia, seja por necessidade de atenuar os efeitos das mudanças do clima e/ou por maior independência externa. O conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, que se reflete na alta dos preços de diversos insumos mundo afora, é só mais um capítulo do conturbado mercado de petróleo ao longo da história.

Mesmo sabendo que os maiores produtores de O&G estão frequentemente envoltos em conflitos de variada ordem, a maioria dos países desenvolvidos não conseguiu até o momento reduzir a dependência externa do óleo negro e do gás, por razões econômicas. O que resta então para os países em desenvolvimento e pobres, se as nações ricas não conseguem abdicar de tal sujeição.

Na média, considera-se que livrar-se do carvão, do petróleo e do gás custa caro e que o “prêmio verde” cobrado pelas fontes alternativas eleva a conta final (algo que vem mudando nos últimos anos). Depender de vizinhos problemáticos é igualmente caro. Equilibrar essa conta nunca foi tarefa fácil, de tal forma que os fósseis ainda dominam a matriz energética mundial. O acréscimo de energia renovável nos últimos vinte anos foi menos da metade do percebido no carvão, por exemplo (ver figura 2). O mundo inteiro consome produtos chineses “banhados” a carvão. Muitos países europeus dependem de produtos chineses, tal qual de petróleo e gás russos.

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Figura 2 – Consumo de carvão e energias renováveis, em exajoules, no mundo em 2000 e 2019 (Fonte: elaboração própria, a partir de dados da BP Statistical Review, 2021)

Choques e contrachoques

Mais uma vez na história, o carbono fóssil está relativamente caro, algo que não é novidade pois já ocorreu variadas vezes. Na década de 1970, os preços triplicados do petróleo, após o primeiro e segundo choques, incentivaram a busca por eficiência energética e maior investimento em fontes alternativas. Assim nasceu o Pró-Álcool no Brasil. No “contrachoque”, a partir de 1986 até início dos anos 2000, o petróleo ficou “barato”, o que arrefeceu a transição energética. Picos recordes de preços foram observados em 2008, 2011 e agora em 2022 (figura 3). É da natureza do mercado de O&G ciclos de altas e quedas, um “efeito gangorra” nos investimentos, oferta e demanda.

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Figura 3 – oscilações dos preços do barril de petróleo de 1920 a 2022, até março de 2022 (Fonte: elaboração própria, a partir de dados da BP Statistical Review, 2021)

Os subsídios

É plausível que, em momentos de elevado estresse, haja intervenção para se atenuar os efeitos da subida repentina dos preços dos energéticos, criando-se no curtíssimo prazo uma política de subsídios passageira, até que a turbulência seja contida. Preservar o ambiente econômico é imperativo nestes casos.

A médio e longo prazos, vale ressaltar que subsídios diretos ou indiretos deveriam ser evitados, porque agravam a dependência da energia fóssil. O subsídio cria de forma artificial uma demanda que não deveria existir, exigindo oferta. O “remédio” de curto prazo vira “veneno” no longo. Vale aqui relembrar breve trecho descrito no artigo “O preço dos combustíveis e a corrida dos ratos”:

“A história está repleta de exemplos que corroboram, demonstram, que a artificialidade nos preços dos combustíveis acaba por gerar distorções e ineficiências em toda cadeia energética envolvida. A falsa sensação imediata de combustíveis mais “baratos” tem consequências e custos muito altos nos médio e longo prazos.”

Mudar a matriz energética exigirá preços dos fósseis livres de subsídios e à realidade de mercado. Passada a crise, o foco deve ser incentivar os renováveis, sem descuidar da oferta de fósseis. Isto porque, como dito, o mundo ainda é dependente da energia fóssil, que possui escala e custos de produção não superados pelas fontes alternativas até o presente momento.

O dia depois de amanhã

Na sua complexidade, duas coisas estão bastante claras na transição energética. Somos ainda dependentes de energia fóssil e as mudanças do clima exigem ações contundentes para lidar com os seus efeitos e para que a transição seja incentivada. Não se confunda aqui, incentivar as fontes alternativas com interromper a produção dos fósseis. Tampouco, confundir manter a curva de oferta de fósseis com subsidiá-los a médio e longo prazos. Reduzir a demanda é o cerne da questão.

A mudança da matriz energética será um processo longo, difuso e permeado de interesses geopolíticos conflitantes. Por conta disso, é desejado que se tenham planejamento de longo prazo e planos de contingência de curto alcance para as turbulências que ocorrem.

A situação atual é difícil, especialmente para os mais pobres, que enfrentam energia cara e maior exposição aos distúrbios climáticos. Não existe receita pronta, cada país precisa avaliar suas particularidades para lidar com a necessidade de hidrocarbonetos, sem que isso incorra em incentivo ao consumo. Destruir demanda será dolorido, mas talvez necessário em algum momento, em alguns casos, para incentivar a transição. Neste sentido, será interessante observar a Europa nos próximos anos.

Suportar as alterações climáticas e seus efeitos e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis são guerras permanentes. Por si só já são problemas enormes a se enfrentar. A triste e sangrenta crise entre a Rússia e a Ucrânia, mais uma entre tantas já vivenciadas, cria um ambiente potencialmente mais difícil. É tempo de contingência, de transição energética. Avante.


Referências

BP. BP Statistical review of world energy. Disponível em: < https://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/statistical-review-of-world-energy.html>. Acessado em fevereiro de 2022.

 

Fonte: EPBR