A decisiva importância da Bielorrússia na Crise Ucraniana

Figura 2- Possíveis rotas de invasão da Ucrânia, segundo relatório apresentado de 2014 (imagem disponível em https://www.businessinsider.com.au/map-russian-invasion-ukraine-2014-4)

Hermes Menna Barreto Laranja Gonçalves

Mestre em Ciência Militares pelo Instituto Meira Mattos/ECEME

 

A crise diplomática em curso no espaço ex-soviético continua, especialmente a partir da queda do governo ucraniano, pró-russo, de Viktor Ianukovych, em 2014, o qual gerou o golpe de mão russo na Península da Crimeia, e sua posterior anexação, ainda hoje contestada pelo Ocidente, apresentando desdobramentos subsequentes graves.

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Antes de mais nada, devemos lembrar que, historicamente, a Rússia sempre se esforçou para traçar suas fronteiras escoradas em obstáculos naturais de relevo, haja vista que o núcleo central russo, cujo centro nervoso é Moscou, não dispõe de defesas naturais de monta. Por isto, houve sempre a necessidade da expansão dos domínios russos, através da vastidão das estepes que cobrem essa região continental até encontrar acidentes naturais como: os Cárpatos (a Oeste), o Cáucaso (a Sul) e a vasta e congelada Sibéria (a Leste).

Com a falência da União Soviética, diversas repúblicas comunistas soviéticas se emanciparam, incluindo a Bielorrússia e a Ucrânia, que passaram a ser governadas por grupos independentes, mas afastados do Ocidente. No caso da Bielorrússia, país situado ao norte da Ucrânia, entre a Polônia e a Rússia, seus governantes sempre fizeram questão de se mostrarem neutros, tanto em relação à Rússia, quanto ao Ocidente.

Um fator que pode ter levado a crise ucraniana ao nível de gravidade atual, que inclui a presença de centenas de milhares de tropas russas nas proximidades da fronteira russo-ucraniana, é a aproximação, sem precedentes, desde 1991 (ano do fim do império comunista soviético), do Governo da Bielorrússia junto ao governo russo (Kremlin).

Tal alinhamento surge, claramente, como consequência da ajuda russa, considerada decisiva, ao atual presidente do país, Alexandr Lukashenko, que esteve às voltas com graves distúrbios civis em 2020, e que quase o levaram ao desfecho enfrentado por Ianukovich, na chamada Revolução de Maidan.

Figura 1 – Mapa político da Bielorrússia

Vale mencionar que protestos similares também ocorreram, recentemente, no Cazaquistão, tendo sido prontamente sufocados não somente por tropas cazaques, mas também por uma “Força de Paz”, agindo em nome da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), organização também chamada de Pacto de Tashkent, que incluiu, significativamente, uma maioria de tropas russas e bielorrussas, agindo sob um comando único.

Voltando a Bielorrússia, os grandes protestos começaram após a eleição nacional do país, em agosto de 2020, que resultaram na vitória, contestada por diversas acusações de fraude, para um 6º mandato, do presidente Lukashenko. Os protestos da oposição queriam: a renúncia de Lukashenko e de seu governo, a liberalização da economia, a realização de novas eleições presidenciais, o fim das prisões políticas e da repressão policial e, sobretudo, uma gradual aproximação com o Ocidente, por meio da União Europeia.

Este último ponto parece ter sido o decisivo para o desfecho dos protestos, uma vez que a queda de Lukashenko significaria que a Bielorrússia, provavelmente, entraria na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), haja vista que o país, ao contrário da Ucrânia, e talvez justificando a incursão russa nesse país, não estava em conflito. A OTAN só aceita novos membros que estejam em paz dentro de suas fronteiras.

Até esses protestos pós-eleitorais, a Bielorrússia, até então (agosto de 2020), tinha se mantido, mais ou menos, fora do controle direto de Moscou, pois o tacão firme de Lukashenko sobre o país, e sua ojeriza ao Ocidente, pareciam manter a Bielorrússia livre da influência direta do Kremlin.

Acusados de receber apoio velado de potências ocidentais, supostamente interessadas na defecção da Bielorrússia para o campo ocidental, os opositores a Lukashenko sofreram forte repressão policial, provavelmente com apoio russo, tendo sido os líderes do chamado “Conselho de Coordenação” da oposição sistematicamente presos ou exilados em países vizinhos e no Ocidente.

Desde o fim da União Soviética (1991), e o posterior advento da Federação Russa, os russos costumam lamentar constantemente a perda de diversos territórios, chamados habitualmente de espaço ex-soviético. Desses novos países, a Bielorrússia e a Ucrânia sempre foram destacadas como as perdas territoriais mais significativas para a Rússia. Por quê? Porque, além de terras cultiváveis, recursos naturais e importantes centros industriais e tecnológicos (como Minsk, Kiev, Brest e Lvov e Odessa), o surgimento de tais países, livres do controle moscovita, trouxe o risco de que a fronteira geopolítica simbólica com o Ocidente, que antes passava pelo famoso Rio Elba, na Europa Central, viesse a passar pelo Rio Dnieper, em alguns pontos, a menos de 500 km de Moscou.

De outro ponto de vista, olhando as lições da história militar, o ponto onde se localiza a fronteira russa com a Bielorrússia e a Ucrânia passa um pouco aquém do ponto onde os alemães tiveram que fazer uma pausa logística no fim do verão de 1941, quando intentavam nocautear a Rússia, tomando Moscou e Leningrado (hoje São Petersburgo), até o final daquele ano. Até reorganizarem suas tropas e suas linhas de suprimento, os alemães só conseguiram retomar a ofensiva no rumo da capital soviética em meados do outono, tendo fracassado em seus objetivos, principalmente, por terem sido colhidos, sem o devido preparo, pelas fortes nevascas do pré-inverno russo, que começam no final de novembro, e vão, geralmente, até o final de fevereiro/março do ano posterior.

Além da cooperação desse vasto território tampão, quais vantagens político-militares que a abertura do território bielorrusso às forças militares russas pode trazer? Além da lição histórica acima apontada, há o aumento da amplitude da ameaça militar ao território ucraniano, visto que, ao contrário da situação vigente até 2020, os russos agora receberam sinal verde para enviar tropas para o interior do território da Bielorrússia.

Com isso, em termos militares, uma ofensiva terrestre ampliada com uso do território bielorrusso, com ou sem tropas desse país, (e provavelmente os bielorrussos participarão, ainda mais se a narrativa russa optar pela ativação de alguma ação de “pacificação” na Ucrânia), significa a anulação prática do valor defensivo apresentado pelo Rio Dnieper, cuja largura média é de cerca de 600 metros, no trecho ucraniano, permitindo, em tese, o envolvimento da capital ucraniana, ainda hoje sem uma custosa operação de transposição de curso d´água.

Vale lembrar, mais uma vez recorrendo às lições históricas, que durante a 2ª Guerra Mundial, tanto os defensores russos (em 1941) quanto alemães (1943) se valeram desse largo curso d´água obstáculo para tentar deter atacantes decididos quando pretendiam defender o território ucraniano em disputa.

Outra ocorrência geográfica que deve ser levada em conta, podendo dificultar qualquer incursão externa na Ucrânia, por sua fronteira norte, são os Pântanos do Pripiet, extensa área alagadiça, ao sul da Bielorrússia. É certo que, no momento atual, essa região tem maior grau de mobilidade, em face das temperaturas congelantes típicas do inverno boreal, o que favorece qualquer atacante.

Figura 2- Possíveis rotas de invasão da Ucrânia, segundo relatório apresentado de 2014 (imagem disponível em https://www.businessinsider.com.au/map-russian-invasion-ukraine-2014-4)

Como conclusão, podemos afirmar que, além de benefícios econômicos e culturais, a cooperação da Bielorrússia com a Rússia, pouco destacada pelas mídias ocidentais, parece ter trazido ganhos políticos e militares aos russos. Ela trouxe de volta, ao menos parcialmente, uma profundidade estratégica mais aceitável aos planos geoestratégicos daquele país.

Vale ressaltar, por fim, que é exatamente por conta desse fato que a chamada linha vermelha, traçada por Vladmir Putin, acerca de guerra ou não guerra, com a Ucrânia, passa exatamente pela não adesão ucraniana à OTAN. Isso ocorre porque uma Ucrânia aliada formalmente ao Ocidente significa que a despeito de toda a boa vontade bielorrussa para com a causa russa, o grande pesadelo geopolítico desta grande potência permanece praticamente inalterado.


Autor:
GONÇALVES, Hermes Menna Barreto Laranja. A Decisiva importância da Bielorrúsia na Crise Ucraniana. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

Fonte: OMPV

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Marcelo Barros, com informações e imagens do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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