Os desafios das atividades presenciais na condução da educação militar nas escolas de formação

   “A disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando.”

(Luís Vaz de Camões)

A crise provocada pela covid-19 colocou em discussão a manutenção ou não de atividades presenciais na formação militar durante o contexto de crises, o que impulsionou o estudo da aplicabilidade do Ensino a Distância (EaD) nas escolas de formação e, consequentemente, a substituição das atividades presenciais por EaD. Entende-se a Educação a Distância como modalidade educativa apoiada por tecnologias em que discentes e docentes não estão fisicamente presentes em um mesmo ambiente de ensino e aprendizagem. Este artigo tem a intenção de propor reflexões sobre a importância das atividades presenciais nas escolas de formação do Exército Brasileiro (EB), levando-se em consideração as instruções tipicamente militares. Para tanto, é importante ressaltar alguns entendimentos relacionados aos fundamentos da educação no EB.

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As bases da educação militar: ensino, pesquisa e desenvolvimento de valores atitudinais

A organização do ensino é distribuída, basicamente, em dois blocos: o das disciplinas acadêmicas, a maioria ministrada em sala de aula, que, com relativas perdas, podem ser mais facilmente ministradas a distância; e o das disciplinas profissionais, em sua maioria desenvolvidas de forma prática, com emprego de material militar (pistolas, fuzis, granadas, carros de combate e equipamentos de engenharia, entre outros), além de exercícios no terreno, que envolvem, necessariamente, atividades em grupo e tornam-se impossíveis de serem conduzidas a distância. Nesse tipo de atividade, pratica-se o “aprender fazendo”, que exige a existência do material e a presença do grupo.

Por sua vez, os valores atitudinais, ligados à disciplina, ao respeito à hierarquia, à postura militar e à camaradagem, entre outros, são assimilados e praticados na rotina diária, desde o despertar, com o toque de alvorada, a arrumação da cama e do alojamento, até o corte de cabelo, o cuidado com o uniforme, as formaturas, enfim, tudo que permeia o cotidiano do aluno no quartel. E tudo isso não pode ser feito a distância. Vale ressaltar a existência de um valor caro à carreira das armas, o “espírito de corpo”, definido no manual de Liderança Militar como “a alma coletiva dos integrantes de um grupo”. Esse valor só se desenvolve no convívio diário e em coletividade.

E tudo começa desde os primeiros dias de bancos escolares. Para o oficial combatente do Exército Brasileiro, é na Escola Preparatória de Cadetes “onde tudo começa”. A letra da canção da EsPCEx traz essa mensagem de forma clara, como se observa no trecho a seguir: “Certos de que venceremos/ Luta mesmo desigual, / Ombro a ombro marcharemos/ Para conquistar nosso ideal.” Compartilhar “ombro a ombro” os desafios escolares constitui-se, em si, elemento de fundamental valor pedagógico na formação militar.

As escolas militares, com o regime de internato, proporcionam ao militar uma formação específica, baseada na vivência e nocompartilhamento de situações difíceis que exigem uma maior integração entre os indivíduos, o que reforça a ideia de grupo em que os interesses são partilhados e o valor do grupo sobrepõe-se ao do indivíduo. As atividades militares são baseadas no trabalho em grupo, e as instruções militares, desde o início, ensinam que a menor fração de emprego militar é o grupo, seja ele de combate, de engenharia etc. Na cultura militar, há ênfase na subordinação da vontade individual à vontade do grupo, o espírito de corpo, conforme já citado. Esse valor é basilar, o que reforça a necessidade do internato. O grupo é a característica central da sociologia militar, segundo Samuel Huntington (1996). Para ele, uma das principais características da profissão militar é a “corporatividade”, pois a atividade militar é exercida em grupo o tempo inteiro, uma vez que não existe combate isolado.

O desafio de alinhar o EaD às atividades presenciais na formação militar

No Exército, a Educação a Distância teve início em 1963, com o Curso de Preparação para a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Mais recentemente, em 2015, foi criado o Centro de Educação a Distância do Exército (CEADEx), com a finalidade de aprimorar a coordenação e o suporte para a Educação a Distância desenvolvida nos estabelecimentos de ensino do Exército Brasileiro. No entanto, a EaD nunca foi aplicada nas escolas de formação.

Existem aspectos relacionados à instrução militar nas escolas de formação que sugerem a necessidade de atividades presenciais. Primeiramente, porque não basta o ensino teórico, pois as instruções exigem manuseios, manipulação e atividades práticas, como o treinamento físico, importantíssimo para a carreira militar, com atividades em grupo diariamente. Além dos aspectos de natureza metodológica relacionados ao ensino prático, existem aqueles de natureza sociológica, relacionados ao fato de a atividade militar só ter sentido em grupo. Não existe operação militar individual, o que pode haver são tarefas individuais, daí a importância do processo de socialização militar. A formação da cultura militar exige tempo de convivência em escolas militares em regime de internato, pois longos afastamentos das escolas prejudicam esse processo.

Tudo isso mostra a relevância das atividades presenciais na condução da educação militar nas escolas de formação, sem desconsiderar as qualidades das ferramentas de EaD.

Embora a Educação a Distância tenha ganhado destaque e seja uma alternativa para facilitar e acelerar a aquisição de conhecimentos, é necessário alertar para a dificuldade de sua aplicabilidade plena em alguns casos.

A Educação a Distância não veio, necessariamente, para substituir a educação presencial, mas, em alguns casos, para complementá-la. Talvez seja esse o caso da educação nas escolas de formação do Exército.

Por tudo que foi exposto, fica evidente a impossibilidade de sua aplicação integral em substituição ao regime de internato nos estabelecimentos de ensino do Exército Brasileiro.

Fonte: eBlog do EB

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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