Por General de Exército Richard Fernandez Nunes

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Os preceitos da comunicação estratégica passaram a ser efetivamente adotados pelo Exército Brasileiro a partir da constatação da conveniência de se expandir os ramos da tradicional comunicação social praticada – relações públicas, assessoria de imprensa e divulgação institucional – por meio da sincronização, da integração e do alinhamento das mídias sociais operadas no âmbito da Força, bem como da sistematização das relações institucionais estabelecidas em todos os níveis. Tudo de acordo com os objetivos constantes no Planejamento Estratégico do Exército.i

As discussões levadas a cabo para a implementação dessa visão foram abrangentes e inéditas, devido à dificuldade de obtenção de literatura capaz de considerar as condicionantes específicas da expressão militar de um país com a trajetória histórica e as dimensões geográfica, política e estratégica do Brasil. Tentativas de adaptação de doutrinas estrangeiras, particularmente praticadas em blocos e alianças multinacionais, definitivamente não fornecem soluções aplicáveis à nossa realidade sui generis.

Os projetos interdisciplinares conduzidos pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx), na ECEME, em consonância com as diretrizes do Comandante e as orientações do Estado-Maior do Exército (EME), foram fundamentais para o aprofundamento do tema. O órgão de direção operacional e os de direção setorial e de assistência direta e imediata aportaram contribuições. Naturalmente, coube ao CCOMSEx, órgão central do Sistema de Comunicação Social do Exército, papel de relevo na consolidação dos trabalhos.

Como resultado de todo esse esforço, vários documentos foram elaborados. Algumas portarias do Comandante do Exército e do EME, como a que instituiu as regras para o emprego das mídias sociais, começaram a ser publicadas em 2019. Mas foi no ano seguinte que o arcabouço normativo se completou. A Portaria nº 1.237-C Ex, de 23 de novembro de 2020, que aprova a Diretriz Geral de Comunicação Estratégica no Âmbito do Exército, consolida e integra conceitos, responsabilidades e ações a realizar.

Vencida a etapa da sistematização, o momento seguinte é o da concretização das ideias em objetivos, ações, metas e indicadores. Para isso, há necessidade de acurada análise do ambiente informacional. E essa tarefa, diante dos desafios vivenciados neste início de terceiro milênio, requer maturidade estratégica. A dificuldade de interpretação da conjuntura demanda permanente consciência situacional para o entendimento do nível adequado de posicionamento à tomada de decisão. Uma força, que transita dos níveis tático e operacional do campo de batalha aos político e estratégico da definição de objetivos organizacionais e da obtenção dos meios correspondentes, impõe aos seus agentes da comunicação estratégica a realização de constante ESAONii.

A propósito do uso deste acrônimo tão peculiar ao Exército, cabe ressaltar que o recurso a esse expediente para simplificar o entendimento e a memorização de conceitos vem de longa data, mas tem-se intensificado com o volume extraordinário de informações disponibilizado na Era do Conhecimento. Por serem úteis ao tema deste artigo, serão discutidos o VUCA e o BANI.

O chamado Mundo VUCA (volátil, “uncertain”/incerto, complexo e ambíguo) popularizou-se na virada do milênio, sintetizando a imprecisão de cenários gradativamente aprofundada no pós-guerra. Esse conceito tem sido empregado em trabalhos acadêmicos, no meio corporativo e pelos mais variados órgãos e agências, incluindo-se as forças militares. Lidar com as ideias de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade para se estruturar a comunicação estratégica do Exército é como realizar o ESAON em terreno movediço. O importante agora pode tornar-se rapidamente irrelevante, o que é neste momento pode não ser daqui a pouco, as conexões são múltiplas, o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo, aliás, quem é amigo de quem?

E daí? Como sair desse atoleiro? O estudo do lançoiii, neste caso, perde qualquer noção de simplicidade.

Analisar essas características pode ser útil, se não para a obtenção de balizamento mais claro ao planejamento, pelo menos para se evitar certas armadilhas capazes de turvar o pensamento e as atitudes. Se é lícito supor que estamos diante de ambientes voláteis, incertos, complexos e ambíguos, é indispensável que os diversos sistemas que compõem a Instituição sejam integrados, alinhados e sincronizados. Se entendermos a comunicação estratégica como um sistema de sistemas, podemos reduzir significativamente as ameaças e potencializar o aproveitamento das oportunidades, com vistas à consecução dos objetivos estratégicos do Exército.

Mas o que parecia complicado ficou ainda mais instigante. Em 2018, o norte-americano Jamais Cascio, a partir da premissa de que o Mundo VUCA não favorecia mais o entendimento acerca da conjuntura atual, cunhou o acrônimo BANI (“brittle”/frágil, ansioso, não linear e incompreensível), que também logrou se popularizar, impulsionado pela perplexidade causada pela pandemia da COVID-19. Em sua visão, o Mundo VUCA admite a ideia de planejamento, desde que considerada a interligação de múltiplos sistemas; quando isso não funciona, surge o Mundo BANI, para expressar o caos resultante e nos fazer refletir sobre a necessidade de esboçar cenários capazes de nos proporcionar caminhos plausíveis a seguir.

Ainda assim, cabe a pergunta: e daí? Como lidar com isso? Longe de cair em desânimo, é necessário aprimorar nosso ESAON, nossa capacidade de interpretação da realidade, a fim de se evitar a mera aceitação dessas características globais como condicionantes incontornáveis.

Se o mundo é frágil, ansioso, não linear e incompreensível, enfim, caótico, é necessário desenvolver resiliência e flexibilidade compatíveis para o enfrentamento de múltiplos cenários com um mínimo de orientação quanto à melhor trajetória a adotar. E a comunicação estratégica se impõe como absolutamente necessária a uma Força que não pode se fragilizar, que deve reagir com sereno rigor, sem dar vez à ansiedade, que deve lidar com um amplo espectro de atuação, e que precisa fazer-se compreender pelos diversos públicos de interesse.

Se os mundos VUCA e BANI ainda não tiverem despertado suficiente inquietação, que tal uma provocação ao pensamento crítico? No que diz respeito ao entendimento da dimensão informacional, sugiro cunharmos outro acrônimo: PSIC! Não, talvez não seja o que sugere. Não se trata de rotular o ambiente como psicótico, desconectado da realidade. Para muitos pode ser isso mesmo, mas o que tenho observado é que estamos diante de um mundo precipitado, superficial, imediatista e conturbado.

A precipitação é um mal recorrente na comunicação. Se antes, a volúpia de certos órgãos de mídia e jornalistas pelos furos de reportagem, muitas vezes sem a devida checagem, produzia danos de difícil reparação à veracidade dos fatos; hoje, com a disseminação das mídias sociais, essa mazela aumenta de modo exponencial, com inúmeros conteúdos sendo disparados sem o menor cuidado. Demonstrar estar bem informado é um dos traços de vaidade mais comumente observados. Para o Exército, alvo contumaz de matérias precipitadas, outra faceta dessa característica é que ela também afeta seu próprio público interno. E disciplinar essa questão é tarefa imperiosa para a comunicação estratégica. Assim como se adota a Instrução Preparatória para o Tiro (IPT) como etapa indispensável à utilização do armamento, tem-se que atribuir a mesma prioridade à instrução com vistas ao emprego das ferramentas de comunicação digitaliv. Enviar ou encaminhar uma mensagem com um simples toque na tela de um smartphone pode ser tão crítico quanto acionar o gatilho de uma arma.

Já a superficialidade é o reino da “água na canela”. A mídia recorre sistematicamente a especialistas. Alguns não passam de embusteiros que se autointitulam como tal e mal sabem do que estão falando. Não raro, influenciam opiniões a partir de platitudes acacianas. Pior, ainda, é quando por trás desses pseudoespecialistas se encontra a má-fé, com o objetivo de manchar reputações pessoais e institucionais, tratando-se temas complexos e sensíveis sem nenhuma profundidade de análise. No caso dos assuntos militares, esse problema se agrava, pois não são muitos os autênticos especialistas capazes de discuti-los com isenção e propriedade.

O imediatismo grassa no meio informacional. O que importa é a obtenção de resultados no curto prazo. Sacrifica-se a construção de bases sólidas de relacionamentos institucionais e de relações de confiança. Parece não haver mais paciência para, de modo continuado, colher-se no futuro o que se semeia no presente. Para a comunicação estratégica do Exército, instituição cujo caráter permanente é constitucional, esse fenômeno tem-se caracterizado como de mão dupla, e precisa ser enfrentado sistematicamente. Pessoas e percepções são passageiras; o Exército, segue adiante.

A conturbação tem encontrado terreno fértil na polarização exacerbada que tem caracterizado as relações sociais por todo o mundo. O que se observa é a preferência pelo dissenso em detrimento do consenso, a primazia das controvérsias e o desprezo pelo diálogo. Esse comportamento chama a atenção em certas plataformas de mídias sociais, onde o que mais se encontra são ofensas e demonstrações de intolerância. Na chamada mídia tradicional não é diferente. Certas matérias mais se assemelham a provocações irresponsáveis, alimentadas por atípicos bombeiros, que apagam incêndio com gasolina. É preciso reagir com lucidez a esse desafio. Se considerarmos como premissa que “quem me irrita me domina”, responder a certos provocadores pode ser exatamente a resposta por eles esperada. A maturidade proporcionada pela comunicação estratégica – alinhada, integrada e sincronizada – pode indicar a melhor linha de ação a adotar.

Em síntese, ao combinarmos as características da realidade atual, plasmadas nos acrônimos discutidos neste artigo – VUCA, BINA e PSIC –, percebemos o quão desafiador é obter a consciência situacional necessária à tomada de decisões com base na dimensão informacional.

As atividades de inteligência e de comunicação social, integradas a outras capacidades e aos centros de estudo e pesquisa, valendo-se de ferramentas adequadas e em permanente conexão, são imprescindíveis. Os trabalhos realizados no Centro de Estudos Estratégicos (CEE), do EME, bem como no Instituto Meira Mattos (IMM) e no Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV), da ECEME, são exemplos de subsídios relevantes para a concretização da comunicação estratégica do Exército.

Por fim, é de se destacar que, ante a carência de referências típica desta época em que vivemos, há que se fortalecer o ethos militar, única garantia de preservação da autenticidade e da relevância da Instituição. Além do desenvolvimento de competências pessoais e de capacidades organizacionais, o que é fundamental para se fazer um adequado ESAON, com vistas à melhor condução da comunicação estratégica, nos ambientes VUCA, BANI, ou até mesmo PSIC, é a permanente observância dos princípios éticos e dos valores morais que têm notabilizado o Exército Brasileiro ao longo de sua extraordinária trajetória histórica.

i Definição proposta em artigo publicado após apresentação sobre o tema no XXI Ciclo de Estudos Estratégicos da ECEME, em julho de 2019 (Nunes, R. F. A Comunicação Estratégica do Exército e a Dimensão Informacional. Coleção Meira Mattos: revista das ciências militares, v. 13, n. 48, p. v-xi, 8 nov. 2019.)

ii Significa estacione, sente-se, alimente-se, oriente-se e navegue. Trata-se de um procedimento de sobrevivência que visa a retomada da consciência da situação e da capacidade de decidir de modo a prosseguir na missão.

iii Em situação de combate, para progredir no terreno, o militar deve condicionar-se a responder aos seguintes questionamentos: Para onde vou? Por onde vou? Como vou? Quando vou?

iv Em 2020, por proposta do CCOMSEx, o COTER aprovou o Caderno de Instrução de Comunicação Social – Formação Básica, que orienta a instrução a ser ministrada a todos os militares incorporados ao Exército acerca deste e de outros assuntos correlatos.

Fonte: eBlog do EB
Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).