Birol Bebek/AFP via Getty Images

O conflito de Nagorno-Karabakh

Durante os meses de outubro e novembro de 2020, a região montanhosa denominada Nagorno-Karabakh, situada no sul do Cáucaso, foi palco de um conflito entre o Azerbaijão e a Armênia, os dois países pelos quais o enclave se estende. As duas ex-repúblicas soviéticas já haviam travado sangrentos conflitos pela soberania da região logo após a dissolução da União Soviética.

A Armênia, após os embates ocorridos na década de noventa, conquistou uma posição vantajosa em relação ao domínio territorial na região, mantendo-a até o recente conflito com o Azerbaijão. Apesar de os dois países exaltarem suas supostas conquistas nos combates, são notórias as vantagens territoriais adquiridas pelo Azerbaijão, além da superioridade militar obtida na disputa.

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Um dos principais fatores que contribuiu para a superioridade militar do Azerbaijão nos embates foi o emprego de tecnologia militar avançada, especificamente o emprego de Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP). As Forças Armadas do Azerbaijão lograram explorar as inúmeras possibilidades no emprego de SARP, principalmente nas funções de reconhecimento e ataque.

O eficiente emprego de SARP por parte do Azerbaijão é, porém, creditado principalmente ao apoio da Turquia a esse país no conflito, já que o material e as táticas empregadas foram aperfeiçoados recentemente durante o envolvimento turco nos conflitos da Líbia e da Síria.

A evolução do emprego de SARP na Turquia

O marco do moderno emprego de SARP em combate foi sua utilização pelos Estados Unidos da América (EUA) em 2001, no contexto da doutrina de Guerra ao Terror. Após essa data, o emprego de SARP em combate evoluiu rapidamente, tendo outros países desenvolvendo seus sistemas próprios.

A Turquia, no início dos anos 2000, verificou a necessidade de empregar SARP em seu próprio território, visando suprimir movimentos armados curdos que lutavam, e ainda lutam, pela secessão de parte do território de maioria curda e pela criação de um país curdo soberano.

Inicialmente, os turcos confiaram no uso de sistemas estrangeiros, principalmente dos EUA e de Israel. Essa opção pelo uso de material estrangeiro passou a apresentar seus óbices quando os EUA, devido a choques diplomáticos com a Turquia, vetou a venda de diversos materiais militares para o país. Além disso, autoridades turcas passaram a acusar Israel de obter dados de inteligência através dos SARP fabricados e vendidos por Israel e operados, em parte, por técnicos israelenses.

Visando superar esses entraves, a cúpula das Forças Armadas turcas decidiu alocar recursos para o desenvolvimento nativo de SARP capazes de atender às suas necessidades. O engenheiro turco Selçuk Bayraktar, que obteve avançados conhecimentos sobre SARP em seus estudos no renomado instituto norte-americano Massachusetts Institute of Technology (MIT), aproveitou essa oportunidade e apresentou às autoridades militares os SARP desenvolvidos pela firma de componentes automotivos de sua família, a Baykar, baseados em seus conhecimentos.

Bayraktar logrou, assim, obter contratos para o desenvolvimento de SARP com as Forças Armadas turcas. A cúpula governamental turca passou a dar alta prioridade aos programas de produção de SARP visando combater o terrorismo curdo, e o relacionamento da firma Baykar com altas autoridades do país se intensificou. Bayraktar, inclusive, casou-se com a filha do presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan. Sua firma é responsável pelo desenvolvimento do SARP TB2, espinha dorsal dos SARP turcos, os quais são compostos por diversos tipos de aeronaves.

Com o sucesso no desenvolvimento dos sistemas nativos, a Turquia passou a empregar seus SARP como instrumento de projeção de poder. A utilização de seus sistemas tornou-se notória pela sua eficiência, principalmente nos conflitos da Síria e da Líbia, e pelo baixo custo, em comparação com os SARP desenvolvidos e disponibilizados pelas principais potências militares. O sucesso de seu emprego no conflito de Nagorno-Karabakh, em favor do Azerbaijão, confirmou sua excelência.

O emprego de SARP no conflito de Nagorno-Karabakh

As funções desempenhadas pelos SARP no conflito foram diversas, sendo as de maior destaque as voltadas para o reconhecimento e o ataque.

O Azerbaijão adaptou antigas aeronaves soviéticas para serem controladas remotamente e empregou-as logo no início do conflito. Essas aeronaves sobrevoaram o perímetro batido por fogos antiaéreos armênios com o intuito de ativar suas defesas antiaéreas que, após iniciarem a realização de fogos, foram identificadas e, posteriormente, neutralizadas por SARP de ataque.

Com o enfraquecimento das defesas antiaéreas armênias, o emprego dos SARP foi facilitado na região conflagrada. Inicialmente, eram cumpridas as missões de reconhecimento das linhas de defesa armênias e de alvos compensadores. Após a obtenção dos alvos, eram executadas as missões de ataque a eles, neutralizando materiais de emprego militar de alto valor, tais como blindados, artilharia e sistemas de defesa antiaérea, abrindo brechas nas linhas de defesa e permitindo a infiltração de pequenos destacamentos azerbaijanos.

O emprego de pequenas frações com alta mobilidade e apoio aéreo foi uma das táticas empregadas pelas forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no Afeganistão. Esse modo de operar tem como vantagem uma manobra logística reduzida e foi assimilado pela Turquia enquanto país-membro da aliança que atuou na invasão do Afeganistão. Empregando, assim, suas forças e contando com os SARP como apoio de fogo aéreo, evidenciou-se a grande influência turca nas ações militares do Azerbaijão.

Foram empregados, além de SARP de origem turca, veículos desenvolvidos por Israel, evidenciando a diversificação dos sistemas de armas do Azerbaijão, enquanto a Armênia contava com quase a totalidade de seus sistemas de armas provenientes da antiga União Soviética ou da Federação Russa. Os SARP israelenses empregados foram principalmente os denominados “Loitering Munition”, SARP que se autodestrói visando neutralizar ou causar danos em seu alvo.

Empregando a capacidade de gerar imagens dos SARP, o governo do Azerbaijão e suas Forças Armadas divulgavam, diariamente, em suas mídias sociais e televisivas, vídeos dos ataques a tropas e a materiais militares armênios. A quantidade e a qualidade do material armênio destruído por SARP, além de seu valor monetário, eram também divulgadas pelas autoridades com o intuito de angariar apoio popular aos combates.

O emprego eficiente dos SARP contribuiu sobremaneira para, além do esforço cinético da manobra, o desenvolvimento de Operações de Informação (Op Info) visando à dissuasão e à mobilização do apoio nacional.

Perspectivas para o emprego de SARP em combate

Diversos analistas militares expuseram as lições aprendidas com o emprego dos SARP no conflito e as tendências no emprego desses sistemas em combates futuros.

Um dos aspectos levantados é a pouca efetividade de sistemas de defesa antiaérea convencionais contra os SARP. A Armênia desdobrou, em grande parte, sistemas de defesa antiaérea antigos, muitos já obsoletos, mas também uma pequena quantidade de equipamentos mais modernos. Nenhum desses sistemas demonstrou efetividade em defender o espaço aéreo contra os SARP durante o conflito. Os sistemas, desenvolvidos para atingir aeronaves convencionais, são de pouca efetividade quando empregados contra SARP.

Uma importante tendência apontada pelos analistas é o emprego de Inteligência Artificial visando ao Comando e Controle dos SARP. Dessa maneira, as aeronaves atuariam de forma autônoma, não havendo necessidade de comunicações satelitais ou por meio de bases com sistemas rádio de Comando e Controle. Esse avanço diminuiria sua vulnerabilidade ao emprego de Guerra Eletrônica (GE).

Os SARP, assim, tornaram-se um meio eficiente e de menor custo para obter poder de fogo aéreo. Ao empregar esses sistemas, países em desenvolvimento podem suprir a falta de uma Força Aérea de alto custo, logrando uma interoperabilidade com forças terrestres e navais que aumentaria sobremaneira sua capacidade de combate.

Autor: Cap Vinícius Martins do Vale

Fonte: eBlog do EB

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).