No século passado, o rápido desenvolvimento do comércio marítimo estimulou o aumento da quantidade, bem como das dimensões, de navios que utilizam as rotas oceânicas. A intensificação do tráfego marítimo impôs às autoridades costeiras a necessidade de adotar medidas para organizá-lo e controlá-lo, especialmente nos acessos aos portos. Nesse contexto, surgiram no Reino Unido, em 1948, os primeiros sistemas para monitoramento do tráfego de embarcações, os quais são mundialmente conhecidos pela sigla VTS (em inglês, Vessel Traffic Service). Tais sistemas combinavam a capacidade de detecção e acompanhamento das embarcações, proporcionado por radares, com a possibilidade de transmissão de mensagens via rádio às mesmas.

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Estudos realizados na época concluíram que o novo sistema, embora rudimentar, havia proporcionado um melhor aproveitamento da capacidade dos portos, além de ter reduzido o risco de acidentes. A partir de então, o VTS expandiu-se pela Europa, Estados Unidos e Ásia, sendo reconhecido pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) como uma ferramenta valiosa para aumentar a segurança da navegação, especialmente em portos com alta densidade de tráfego, cargas perigosas ou potencial de danos ambientais. Atualmente, existem mais de quinhentos serviços de VTS operando em todos os continentes, número que aumenta cada vez mais, à medida que cresce a exigência por eficiência e segurança das operações portuárias, bem como da proteção do meio ambiente marinho. Seus principais beneficiários são os usuários, que são os navios, serviços de praticagem, administrações portuárias, armadores, rebocadores, além, é claro, da própria Marinha do Brasil e órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Ao longo do tempo, a incorporação de novas tecnologias tornou o serviço mais sofisticado, o que passou a exigir um esforço mundial para a padronização de procedimentos no VTS. Afinal, é imprescindível que haja uniformidade de tecnologia e de linguagem nesse tipo de serviço, a fim de que não haja falhas de comunicação ou perda de informações. Nesse sentido, em dezembro de 2021, a Assembleia da IMO aprovou uma nova Resolução A.1158(32) Guidelines for Vessel Traffic Service (VTS), em substituição à que se encontrava em vigor desde 1997. A publicação, que se constitui na base para o arcabouço normativo internacional do serviço, introduziu alterações significativas no VTS, especialmente nos aspectos relativos à prestação do serviço aos usuários e à definição de responsabilidades por parte dos Governos, Provedores de VTS e embarcações participantes.

Hoje, os modernos serviços de VTS são constituídos de equipamentos e sensores que, estrategicamente posicionados, coletam e transmitem os dados para processamento no Centro de Controle, onde um operador tem acesso à imagem do tráfego e informações ambientais de interesse para os usuários, como, por exemplo, dados de marés, altura das ondas, intensidade do vento, visibilidade, temperatura e correntes marinhas.

Outra vantagem que a operação do VTS proporciona é a visualização, durante 24 horas, das movimentações de entradas e saídas de embarcações, da realização de obras que possam restringir a navegação e de locais interditados para trânsito e permanência de navios. Desta forma, o operador do VTS consegue se antecipar ao desenvolvimento de situações potencialmente perigosas para a navegação, uma vez que dispões de uma visão precisa, em tempo real, de sua área de cobertura, com a capacidade de interagir com as embarcações sempre que necessário.

Além disso, os dados coletados pelos sensores e as informações produzidas no VTS podem ser compartilhadas com outros setores dos portos envolvidos, além de órgãos externos, públicos e privados, o que contribui diretamente para o aumento da eficiência dos serviços portuários, bem como para a prevenção de ilícitos. Por exemplo, em caso de ocorrências na área de cobertura do VTS, o agente local da Autoridade Marítima poderá ter acesso a um histórico de dados, tais como as comunicações realizadas, a gravação da situação do tráfego das embarcações e também à imagem de câmeras, o que, certamente, será importante para a apuração dos fatos.

A operação de VTS no Brasil

No Brasil, não existe uma legislação específica sobre VTS e, por se tratar de um auxílio à navegação, a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) é a Organização Militar responsável por elaborar normas, autorizar a operação e fiscalizar os VTS no País, com a assessoria do Centro de Auxílios à Navegação Almirante Moraes Rego (CAMR).

Em 2022, a DHN, com o apoio do CAMR, atualizou e publicou a NORMAM-26 (5ª Revisão), com a finalidade de internalizar no Brasil a nova resolução da IMO e demais normas internacionais decorrentes, especialmente aquelas produzidas pela Associação Internacional de Auxílios à Navegação (IALA, na sigla em inglês), organização reconhecida como a principal fonte de orientações e conhecimentos sobre VTS no mundo.

De acordo com a NORMAM-26, o processo de implantação de um VTS no Brasil se desenvolve, basicamente, em três fases, e começa com a aprovação, pela DHN, de um projeto inicial, contendo informações básicas de como o serviço será prestado, sua área de cobertura e possíveis utilizadores. A segunda fase consiste na confecção dos documentos que apoiarão o serviço, tanto internamente, com o estabelecimento de procedimentos para os operadores, como externamente, quando serão aprovadas as instruções que os navegantes deverão cumprir na área de interesse do VTS. Finalmente, após a conclusão das ações necessárias para implantação do VTS (obras, instalação e testes de equipamentos, contratação e treinamento dos operadores e demandas administrativas), o seu provedor solicita ao CAMR a realização de uma Visita Técnica (VISITEC) ao Centro de Operações do VTS.

Esta é, então, a última etapa do processo de concessão da licença de operação do VTS. Durante a VISITEC, são realizados exercícios práticos de monitoramento do tráfego e simulação de diversas situações de rotina e emergência, com o objetivo de avaliar o funcionamento dos equipamentos, integração dos sensores e desempenho dos operadores nos seus postos de trabalho. Além disso, também são verificados se os documentos que regulam a prestação do serviço atendem ao propósito de orientar adequadamente as ações de operadores e usuários.

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Equipe do CAMR durante VISITEC ao VTS do Porto de Vitória (ES)

Após a implantação do VTS, torna-se fundamental o acompanhamento da qualidade da prestação do serviço aos usuários e da sua contribuição para a comunidade marítima local. Para isso, a NORMAM-26 preconiza que o CAMR realize VISITEC anuais nos VTS em operação.

Em 2022, devido às alterações significativas introduzidas no VTS, foi necessário que o evento fosse conduzido, excepcionalmente, com foco na adequação dos serviços em operação no País (Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), e Porto de Vitória, no Espírito Santo) às novas regras estabelecidas a nível mundial.

Além dos portos do Açu e de Vitória, cujos VTS entraram em operação em 2015 e 2017, respectivamente, outros onze portos (Rio Grande, Imbituba, Itajaí, São Francisco do Sul, Paranaguá/Antonina, Itaguaí, Santos, Rio de Janeiro, Salvador/Aratu, Fortaleza e Itaqui) manifestaram a intenção de implantar o VTS nos próximos anos.

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Avaliação dos operadores no VTS do Porto do Açu (RJ)
Marcelo Barros, com informações da Marinha do Brasil
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).