João Cândido foi líder da Revolta da Chibata, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1910 Reprodução/Pref. de São João de Meriti

A Comissão de Educação (CE) aprovou nesta quinta-feira (28) projeto que inscreve o nome de João Cândido Felisberto no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O PLS 340/2018, do ex-senador Lindebergh Farias, teve parecer favorável do senador Paulo Paim (PT-RS) e segue agora para análise da Câmara dos Deputados, se não houver solicitação para análise em Plenário.

Nascido no Rio Grande do Sul em 1880, filho de ex-escravizados, João Cândido trabalhou por mais de 15 anos na Marinha de Guerra do Brasil, tendo sido instrutor de aprendizes de marinheiro. Ele foi o marinheiro que liderou a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 em navios atracados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e entrou para a história como o Almirante Negro.

Em reunião anterior o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) pediu vista “para melhor conhecimento da matéria”. Nesta quinta-feira o parlamentar votou favoravelmente ao projeto, mas leu para o colegiado nota de posição da Marinha, em que a instituição considera que o movimento ocorrido em novembro de 1910 não pode ser considerado como “ato de bravura” ou de “caráter humanitário”.

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De acordo com a nota técnica, “a revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento triste na história do país. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do governo, os revoltosos e outras instituições tiveram culpas e omissões. Mas, reconhecer erros não justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as ações dos revoltosos”.

Emocionado, Paim enfatizou que respeita a Marinha e que não a vê como um polo racista no Brasil.

—O nosso próprio homenageado, o Almirante Negro, que num movimento para a sociedade já é um herói, escreveu a sua história dentro da Marinha, mas a Marinha, no documento, reconhece que ela discordou também da chibata.

Paim destacou o apoio de diversas personalidades e instituições, entre elas a Defensoria Pública da União, a Coordenadoria de Assuntos Raciais, a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, a Coalizão Negra por Direitos, a Associação Brasileira de História, a Frente Nacional Antirracista. Ele lembrou ainda homenagens feitas a João Cândido, entre elas as realizadas pelo governo e pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, além da Fundação Palmares.

— Em 24 de julho de 2008, 39 nove anos depois da morte de João Cândido Felisberto, publicou-se, como a própria Marinha reconhece, no Diário Oficial da União, anistia total e irrestrita àqueles que lideraram a Revolta da Chibata. Em 7 de maio de 2010 — olhe bem —, a Transpetro, a pedido do Presidente da República, batizou com o nome de João Cândido o primeiro navio do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota).

Segundo o senador, “João Cândido é, na verdade, um agente social, que lutou e deu sua vida em defesa da dignidade e da justiça, uma personagem da história brasileira”.

— À época dos acontecimentos, ele já era tratado como herói, tornando-se então figura lendária. É cantado em verso e prosa até os dias de hoje. Por muitos e muitos anos, o assunto não veio ao debate, mas as raízes, que são profundas e verdadeiras, jamais morrem. Elas não morrem, elas ficarão sempre vivas. Eu sempre digo que as causas são indomáveis e ninguém consegue vencer as causas onde elas são justas. Elas se eternizam, elas tornam-se povo. Isso também faz a história de um povo e de um país.

O senador Flávio Arns (Podemos-PR) ratificou seu apoio a Paim.

— Esse é um fato que aconteceu naquela época. Já me manifestei que o comportamento mais adequado da Marinha seria pedir perdão para a sociedade para os fatos ocorridos, da mesma forma como o Brasil deveria pedir perdão pela escravidão que ocorreu no nosso país. Isso não pode se repetir e temos de reparar aquilo que cometemos — afirmou.

Líder da bancada do PT no Senado, o senador Paulo Rocha (PT-PA) disse que foi procurado pelo comando da Marinha.

— Uma homenagem a João Cândido não significa uma posição de aversão à Marinha. Nós consideramos a Marinha uma das forças armadas mais próximas da situação de nosso povo. Eu quero demonstrar com isso o sentimento que nós temos em relação à Marinha, para poder não colocar essa questão que o companheiro Paulo Paim colocou na defesa e na homenagem a esse grande brasileiro chamado João Cândido (…) Porque ele não atuou só como marinheiro; ele foi um personagem muito importante na luta dos negros, dos povos daquela época.

Esperidião Amin (PP-SC) considerou o assunto muito sério e complexo.

— A nota técnica na Marinha deve constar por inteiro nos anais dessa sessão. Porque uma coisa é homenagear uma pessoa, outra coisa é interpretar um movimento — no caso, um movimento que não foi de um dia. (…) O personagem merece, sim, o meu voto favorável porque, de alguma forma, contribuiu para uma evolução.

Revolta 

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O principal motivo da revolta foi a insatisfação dos soldados da Marinha com castigos físicos, maus-tratos e más condições de trabalho
Augusto Malta/Acervo Fundação Biblioteca Nacional

O principal motivo da revolta foi a insatisfação dos soldados da Marinha com os castigos físicos, os maus-tratos e as más condições de trabalho. Os castigos cruéis eram proibidos na Marinha desde 1889. Mesmo assim, eram impostos pelos oficiais aos soldados, negros em sua maioria. Várias tentativas de negociação fracassaram, entre elas a que contou com a participação do então presidente da República Nilo Peçanha.

O estopim para a revolta foram as 250 chibatadas destinadas ao marinheiro Marcelino Menezes, acusado de agredir um oficial. A punição incluiu a proibição de que ele recebesse atendimento médico.

Por quatro dias, quatro encouraçados apontaram seus canhões para a Baía da Guanabara. A tensão terminou com o compromisso do governo, em acordo aprovado pelo Senado e assinado pelo presidente Hermes da Fonseca, sucessor de Nilo Peçanha, de dar fim ao uso da chibata e anistiar os envolvidos na revolta.

A anistia prometida, contudo, não ocorreu. João Cândido foi expulso da Marinha e preso por dois anos na Ilha das Cobras. Mesmo inocentado das acusações, foi banido, sendo perseguido até mesmo ao buscar trabalho na Marinha Mercante.

Paim afirma que Cândido morreu em 1969 sem o devido reconhecimento de suas contribuições, sem patente e na miséria. Em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.756, que concedeu anistia póstuma a João Cândido Felisberto e aos demais participantes da Revolta da Chibata.

Fonte: Agência Senado