Anafi 1.6.8

Ney Zanella dos Santos
José Alberto Cunha Couto

Nos siga no Instagram, Telegram ou no Whatsapp e fique atualizado com as últimas notícias de nossas forças armadas e indústria da defesa.

Mar, inspiração de poetas e de músicos, inspiração de vidas.
Mar, a sensação de imensidão e de mistério.
Mar, de promessas e de pedidos a Iemanjá.
Mar, respeitado por todos aqueles que fizeram dele suas profissões e suas sobrevivências.
Mar, nunca monótono, a cada dia diferente.
Mar, com suas águas servindo de elo pelo planeta, aproximando ou afastando povos e países.
Mar, que, não por acaso, tem nossa Zona Costeira como patrimônio natural.
Mar, fonte de lazer, de riqueza, de energia, de oxigênio.
Como defendê-lo?

O mar ocupa 71% da superfície da Terra, serve de habitat para 80% das espécies existentes e produz 70% do oxigênio do nosso planeta. Cabe ao mar regular as condições climáticas e a vida da Terra. Mas a humanidade, infelizmente, ainda não despertou para a importância dos ambientes marinhos e de sua preservação.

Um estudo recente publicado pela ONG norte-americana The Pew Charitable Trusts em parceria com a Systemiq, companhia britânica voltada para o fortalecimento de uma economia sustentável, mostra que apenas o acúmulo de lixo plástico pode chegar a 600 milhões de toneladas métricas em 2040, se não forem tomadas medidas com urgência.

Sabemos que grande parte dos resíduos plásticos lançados nos oceanos já está fragmentada em pedaços pequenos, que estão sendo ingeridos por tartarugas, enguias, moluscos e milhares de outras criaturas marinhas.

Não é apenas a poluição e a contaminação dos ambientes marinhos que agem negativamente sobre os ecossistemas, mas também a pesca predatória, a exploração inescrupulosa, o turismo desordenado, a ausência de educação ambiental, a falta de planejamento adequado em relação às construções a beira-mar.

Outro grande problema é o desconhecimento sobre o mar. Segundo a Organização Nacional Francesa de Hidrografia (OHI), em 2016 se conhecia menos de 10% do relevo dos fundos marinhos com profundidade superior a 200 metros.

Um melhor conhecimento dos fundos marinhos permitiria, por exemplo, saber mais sobre os recursos disponíveis antes de sua exploração, sobre a origem dos deslizamentos de terrenos submarinos e as ondas provocadas por tsunamis e furacões.

“Bandeirantes das Longitudes Salgadas” – ineditismo na história

No Brasil, 80% da população vive a menos de 100 km da costa, mas a maioria dessas pessoas nem mesmo sabe que a dimensão do território marítimo brasileiro equivale à superfície da Floresta Amazônica.

A essa área foi dado o nome Amazônia Azul, visando sensibilizar e conscientizar a população de que, além da Amazônia Verde, é preciso proteger e preservar também o patrimônio no nosso mar e estar atentos às ameaças.

Em contrapartida ao desconhecimento generalizado sobre o mar, está em curso no Brasil uma iniciativa sem precedentes na história de ampliação – de forma pacífica – das fronteiras ao Leste. Em um trabalho que a Marinha do Brasil (MB) tem chamado de “Os Bandeirantes das Longitudes Salgadas”, o país tem se utilizado do conhecimento e de dados científicos para reivindicar a ampliação de seu território marinho. Ao final, a Amazônia Azul terá 5,7 milhões de km², e o Brasil será o país com a oitava maior área marítima do mundo.

Mais de 90% do petróleo brasileiro e mais de 70% do gás natural do país são extraídos dessa área. É onde circulam 95% das mercadorias do nosso comércio exterior, movimentando cerca de 40 portos nacionais, e de onde retiramos 45% do pescado consumido pelos brasileiros. Sabemos, entretanto, que o potencial de exploração de recursos vivos, minerais e energéticos da Amazônia Azul é ainda muito maior.

A nossa responsabilidade, portanto, é prezar pela utilização sustentável desses recursos pesqueiros e minerais. Para tal, precisamos fiscalizar, proteger essa imensa área e garantir que esse patrimônio chegue com segurança às gerações futuras. Pelo mar se chegou ao Brasil e por ele também virão as ameaças.

É premente que haja políticas públicas voltadas para o mar para fomentar uma mentalidade marítima no Brasil. Afinal, a nossa história teve início no mar e o nosso futuro está irremediavelmente vinculado a ele.

Como defender o nosso mar?

Não há dúvidas sobre a necessidade de adoção de estratégias para proteger a nossa pesca, o nosso comércio marítimo, as reservas de petróleo em águas profundas e de metais nobres que se encontram em abundância no leito do mar brasileiro. E essa tarefa vai muito além de apenas uma força militar. Ela passa também pelo conhecimento da sociedade da importância da Defesa como um bem público.

O historiador e analista militar Roberto Lopes, autor do livro “As Garras do Cisne”, prevê que o Brasil estará, em duas décadas, entre os dez países com maior poder naval no mundo.

“Não tenho outra coisa com que lidar senão com os fatos. E o que a Marinha está executando me autoriza a prever que, dentro de mais 15 ou 20 anos seremos, sim, a 9ª potência marítima do mundo, depois de Estados Unidos, China, Rússia, França, Inglaterra, Índia, Coreia do Sul e Japão. Nessa ordem”, afirmou o historiador, ancorando-se no fato de que a MB está a construir seus próprios meios de defesa, alguns com e outros sem assistência estrangeira.

Por que o Brasil precisa de uma frota desse porte? Ora, somos a 8ª economia mundial, temos a 5ª dimensão territorial do planeta e este é um projeto fundamental para o país projetar sua influência política e garantir a segurança da navegação em suas águas jurisdicionais, valendo-se de sua esquadra.

Fica-nos claro que a complexidade das atribuições desse projeto reside, entre outros aspectos, na desproporcionalidade hoje existente entre os meios disponíveis e as áreas a fiscalizar. Por isso a necessidade de um submarino de propulsão nuclear.

A força de dissuasão do submarino

Contemplando uma extensão de mar e céu, ninguém pode dizer se há naquele mar algum submarino, se há mais de um e, caso haja, onde estão, aonde vão, o que pretendem.

É aqui que os submarinos de propulsão nuclear se tornam adequados, pois, além de cumprirem a sua tarefa básica de negar o uso do mar quando necessário, exercem também o controle do mar para a marinha de seus países.

Para protegermos a imensidão da costa brasileira, seria necessária a utilização de um número expressivo de meios, dos quais não dispomos, ou de um submarino ágil, rápido, discreto, cuja operação seja suficiente para servir de dissuasão às ameaças ao nosso mar.

Graças à sua “inesgotável” fonte de energia, o submarino de propulsão nuclear pode permanecer submerso por tempo indefinido, limitado, apenas, pelo fator humano, em total independência da atmosfera. Isso lhe garante mobilidade, velocidade e absoluta identidade com as profundezas que o abrigam, transformando-o na mais formidável plataforma naval já construída.

São estas algumas das razões para, na concepção estratégica da Marinha do Brasil, a disponibilidade desses submarinos acrescentar nova dimensão ao nosso Poder Naval, garantindo-lhe invejável capacidade de dissuasão e colocando-o à altura das necessidades resultantes da sua missão constitucional.

Nestes requisitos se insere, portanto, um programa de construção de submarino de propulsão nuclear, acima de tudo como uma afirmação política e não somente um programa militar. Apenas cinco países, todos do Conselho de Segurança das Nações Unidas, desenvolveram submarinos de propulsão nuclear – Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra e China. A Índia decidiu adquirir dos russos os seus primeiros submarinos movidos a energia nuclear para posteriormente construir o seu próprio, processo atualmente em curso.

O caminho seguido pelas potências que construíram submarinos nucleares foi o de, a partir do pleno domínio do projeto de convencionais, evoluir, por etapas, para um submarino de propulsão nuclear, cujos requisitos, em termos de tecnologia e controle de qualidade, superam em muito aqueles de um convencional.

Assim, o caminho natural para o Brasil seria, da mesma forma, o de desenvolver sucessivos protótipos, até que se chegasse a um projeto razoável para abrigar uma planta de propulsão nuclear. Como não se dispõe do tempo nem dos recursos necessários para tanto, a solução delineada pela MB foi a de buscar parcerias estratégicas com países detentores de tais tecnologias. A escolha, baseada em diversos critérios, foi pela França, que produz tanto submarinos convencionais como os de propulsão nuclear.

Desde 1979, a MB já vinha executando o seu Programa Nuclear, visando capacitar o país no domínio do ciclo do combustível nuclear e a desenvolver e construir uma planta nuclear de geração de energia elétrica, inclusive o reator.

Desenvolvidos e concluídos esses dois projetos e logrado êxito na operação da planta nuclear, estarão criadas as condições para, mais do que a elaboração ora em andamento do projeto, a posterior construção de um submarino convencional de propulsão nuclear. Isso será antecedido pelo projeto, construção e avaliação de quatro submarinos convencionais nacionais, caminho percorrido por todos os outros países que possuem submarinos nucleares nas suas marinhas.

Um ponto a ser destacado é o imenso arrasto tecnológico que advém de um projeto como este. São novas tecnologias capazes de mudar estratégias, desenvolver indústrias e inserir o país em cenários políticos internacionais de forma diferenciada.

Cabe ressaltar ainda que a nossa tecnologia já permite que se produza combustível nuclear no país e que sejam projetados reatores de pesquisas, como aqueles para a produção de radiofármacos, essenciais para o diagnóstico e o tratamento de câncer, entre outras aplicações na indústria, agricultura e meio ambiente.

Em síntese…

Os limites marítimos brasileiros estão em delineamento e, singularmente, sem conflitos, constituindo-se numa nova fronteira econômica, mercê de seu uso inteligente e sustentável de seus recursos naturais e dos setores relacionados, como turismo, transporte marítimo, pesca, energias, biotecnologias, construção naval. Isto deveria se refletir em valorização, pela sociedade, da relevância do mar e de sua zona costeira.

A conservação e a posse desse patrimônio marítimo podem vir a fazer a diferença da nossa posição em relação a outros países, inclusive contribuindo na preservação ambiental do planeta.

O Brasil dispõe de imensurável potencial de recursos na área marítima, capaz de despertar interesses divergentes que podem chegar a conflitos, o que nos remete à necessidade de proteger e defender o nosso mar.

Entendemos que a noção de “defesa das riquezas nacionais” não é tarefa apenas de Forças Armadas. Ela abrange também a capacidade tecnológica do país de aproveitar essas riquezas em suas próprias indústrias, distribuindo para toda a nação os benefícios da posse de tecnologias, jazidas minerais etc.

A construção do submarino convencional com propulsão nuclear vai permitir ao Brasil dispor de um instrumento fundamental de dissuasão estratégica e tornará o país mais fortalecido política, econômica, militar e cientificamente.

Para se ter um submarino convencional com propulsão nuclear é preciso não apenas capacitar-se a construí-lo, mas, antes, criar uma fantástica estrutura capaz de abrigá-lo, mantê-lo e apoiá-lo, juntamente com aquela capaz de operá-lo.

Neste sentido, nada é tão impressionante quanto a construção do complexo naval para submarinos no município de Itaguaí, no Rio de Janeiro. O conjunto de base, instalações fabris e centro radiológico é considerado dos mais modernos do mundo

Neste artigo, em que navegamos juntos pela nossa Amazônia Azul, esperamos ter contribuído para estimular o encantamento de todos pelo mar; refletirmos sobre os desafios que enfrentamos; nos conscientizarmos da importância dos recursos, da preservação e da defesa do mar que nos pertence.

Esse mar que nos une do Amazonas ao Chuí pode vir a nos unir aos demais países, numa visão integrada de se trabalhar a economia do mar e a preservação ambiental.

A conclusão simples e abrangente é que do mar depende a vida na Terra e cabe a todos nós defendê-lo.

Sobre os autores

Ney Zanella dos Santos
Nasceu em São Paulo Capital, tem 67 anos. Vice-almirante da reserva da Marinha, atualmente é assessor Especial para Gestão Estratégica no Ministério de Minas e Energia. Fundou em 2013 a empresa pública Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. – AMAZUL. Ficou no cargo como CEO por 6 anos, até abril de 2019. Como almirante, foi Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha, vice-chefe de Preparo e Emprego no Ministério da Defesa e chefe do Estado Maior no Comando de Operações Navais.

José Alberto Cunha Couto
Nasceu no Rio de Janeiro, tem 73 anos. Oficial da Marinha durante 34 anos, atualmente reformado. Chefiou o Gabinete de Crises da Presidência da República por 12 anos. Dirigiu o Centro de Estudos em relações internacionais da FACAMP. Responsável pelo Planejamento Estratégico da empresa pública AMAZUL. Na Marinha comandou navios e trabalhou em Estados-Maior.

Fonte: Amazul