Foto: Cb Estevam - Exército Brasileiro

Por General de Brigada Carlos Augusto Ramires Teixeira

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Deparei-me, recentemente, em um seminário promovido pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEX), com uma abordagem acadêmica sobre a “memória coletiva”, processo social de aceitação de uma narrativa histórica. A curiosidade instigou-me a buscar as referências bibliográficas e ligar o conceito às práticas desenvolvidas no âmbito do Exército para o fortalecimento de suas crenças e de seus valores. A resenha abaixo é fruto desse contexto. Ao final, estabeleço relações entre essa teoria e as práticas castrenses.

O livro de Stuart Hall, “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade” (DPSA Editora, 2005), aborda aspectos sobre a formação da cultura e sua influência na identificação do indivíduo, da sociedade e da nação. O autor inglês identifica uma mudança significativa na sociedade pós-moderna, se comparada à iluminista, com reflexos na percepção do sujeito como pessoa humana. Nessa sociedade, esse sujeito era “centrado, unificado e soberano”, enquanto naquela há a “desarticulação das identidades estáveis do passado”.

O livro sugere que a “fragmentação” da identidade moderna teve o acompanhamento importante de cinco filosofias entre os séculos XIX e XX, resultando no “descentramento” do sujeito cartesiano racional, pensante e consciente.

Sobre Marx, o autor afirma que ele identifica o “sujeito real” e cada indivíduo como “singular”; sobre Freud, cita que as estruturas do desejo humano passam por processos simbólicos do inconsciente; citando Ferdinand de Saussure, lembra que a língua estabelece uma série de significados embutidos nos “sistemas culturais”; no trabalho de Foucault, identifica a “genealogia do sujeito moderno”, um ser humano dócil como produto de um “poder disciplinar” (oficinas, quartéis, hospitais, prisões etc); e finalmente refere-se à crítica teórica do “feminismo”, constituindo-se, nos anos 1960, como o nascimento na “política de identidade” de movimentos sociais dos mais diversos.

O “descentramento” do sujeito iluminista, até então fixo e estável, resultou em um sujeito pós-moderno, de identidade “aberta”, contraditória, inacabada e fragmentada.

Da mesma forma que trata do indivíduo, o livro aborda a desconstrução da “cultura nacional”.

Na construção da nação, o autor identifica que suas histórias e memórias, conectando o passado ao presente, são parte da produção da “comunidade imaginada”.

Na narrativa da nação, os eventos históricos, os símbolos e os rituais nacionais dão sentido à existência. Nesse contexto, Hobsbawn é citado pelo conceito de “invenção da tradição”, um conjunto de práticas que visam inculcar valores e normas de comportamento. Além disso, o tempo “mítico” fundacional é estabelecido para tornar inteligível à nação os momentos de desordem ou desastre.

Citando Ernest Renan, o autor destaca que a comunidade imaginada possui “memórias do passado”, o desejo de viver em conjunto e de perpetuação da herança. Sobre Gellner, diz que as identidades nacionais são formadas pela consequência da relação entre a cultura (identidade) e a esfera política.

Stuart Hall conclui que o “pós-modernismo global”, o hibridismo e o sincretismo estão conduzindo ao colapso todas as identidades culturais fortes e produzindo a fragmentação dos códigos culturais e a ênfase no efêmero, na diferença e no pluralismo cultural.

No fenômeno conhecido como “homogeneização cultural”, a identidade nacional tende a ser desvinculada dos tempos, dos lugares, das histórias e das tradições específicas, fortalecida pela expansão do mercado mundial e do sistema global.

Trazendo esses conceitos para os muros da caserna, avalio que temos adotado metodologias coerentes, tanto nas escolas militares quanto na tropa, para a preservação de nossas raízes e tradições, se considerada nossa condição de estrutura de Estado. Nessa condição, em que a política pública exige a entrega do bem natural da vida, é lícito supor que não haja outro enquadramento para a identidade militar brasileira que não a de “iluminista”.

No entanto, a leitura alerta para o movimento social que, inevitavelmente, adentra democraticamente, ano após ano, na Instituição, fruto do processo normal de recrutamento. Desde o estabelecimento da “Missão Francesa”, a construção e a consolidação da narrativa dos feitos heroicos dos nossos patronos, por exemplo, têm colaborado para “blindar” o “ethos” militar brasileiro. Rememorar os atos valorosos e suas circunstâncias, fortalecer o significado da simbologia castrense e enaltecer as virtudes morais e éticas de grandes vultos do Exército são medidas que colaboram para unificar a “memória coletiva” institucional. Assim, no nível tático, constrói-se o “espírito de corpo”; no nível estratégico, a “coesão”.

Fonte: eBlog do EB

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).