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Em artigos anteriores, procurei caracterizar o ambiente informacional da atualidade por meio do acrônimo PSIC (precipitado, superficial, imediatista, conturbado), apreciando seus reflexos para a comunicação estratégica do Exército 1 e para a ética militar 2. Neste trabalho, volto a abordar esse tema do Mundo PSIC, agora, sob o enfoque da liderança estratégica.

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Com efeito, se essas características PSIC devem merecer atenção no planejamento e na execução da comunicação do Exército, bem como suscitar reflexões de caráter ético-profissional, é natural que o exercício da liderança militar também possa sofrer consequências desse fenômeno. Comunicação, ética e liderança são abordagens indissociáveis, ainda mais nestes tempos de profundas mudanças nas relações sociais, provocadas pelos avanços que temos observado na tecnologia da informação.

O exercício da liderança militar, em qualquer nível, pressupõe coragem e integridade de caráter plenamente reconhecidas. Quando se emprega a liderança direta, é possível mais facilmente superar óbices à percepção desses pressupostos, uma vez que a comunicação é menos suscetível a ruídos e manipulações. A força do exemplo se faz mais presente. Entretanto, quando lidamos com o nível estratégico, há variáveis mais difíceis de se controlar, o ambiente é mais complexo, e o distanciamento físico amplia o desafio de se influenciar comportamentos e direcionar esforços para a conquista de objetivos institucionais. O caráter digital e virtual do ambiente informacional PSIC potencializa as limitações da liderança indireta.

Historicamente, os meios de comunicação de massa vinham se consolidando segundo uma lógica socioeconômica top-down. Foi assim com a mídia impressa, com o rádio, com a televisão – aberta e por assinatura –, e com a rede mundial de computadores. Entretanto, quando a telefonia celular e a internet se combinaram em smartphones, de aquisição amplamente disseminada, essa lógica deixou de prevalecer, uma vez que pessoas dos mais diversos estratos sociais passaram a desfrutar simultaneamente dessa ferramenta de produção e de difusão instantânea de conteúdos e mensagens. Esse fenômeno é de extrema relevância para a compreensão dos desafios enfrentados pela liderança estratégica, particularmente em uma Instituição de Estado, que tem na hierarquia um de seus alicerces.

Qualquer que seja a abordagem adotada acerca da temática da liderança, é inquestionável que o conhecimento exerce papel primordial. O exercício da liderança, de modo geral, requer competências que proporcionem correta análise do ambiente considerado e adequada visão dos caminhos a seguir. No nível estratégico, mais incerto e complexo, a obtenção de razoável consciência situacional constitui requisito ainda mais crítico para o êxito.

Em meio a um acúmulo exponencial de informações, veiculadas por intermédio de uma incontrolável massa de mídias, a questão que se impõe é separar o essencial do supérfluo, o significativo do irrelevante e o autêntico do falso ou distorcido. E essa tarefa é extremamente desafiadora, pois ao líder não é mais proporcionado tempo suficiente para a necessária reflexão, para ser proativo em vez de reativo, para elaborar a estratégia de comunicação adequada. A instantaneidade, a rapidez e o volume de dados disponibilizados no ambiente informacional escapam à lógica hierárquica e acarretam para a liderança um ciclo frenético de interpretação de dados e de tomada de decisões, de modo a que seja exercida com acerto e oportunidade.

Para isso, é necessário identificar e contornar as armadilhas do Mundo PSIC.

precipitação conspira contra o senso de oportunidade. Sendo o tempo um dos fatores da decisão, há que se resistir a conclusões antecipadas, devido à disseminação indiscriminada da informação a níveis que não tenham competência funcional para realizar adequada análise da situação. O impulso de rapidamente se livrar de um problema ou atender ao clamor de bolhas midiáticas pode acarretar sérios prejuízos ao processo decisório. O líder estratégico precisa enfrentar com serenidade a tendência atual de agir apressadamente e preservar a capacidade de controlar os anseios daqueles a quem deve conduzir. Deve sempre se valer do ESAON3. Navegar, ou seja, percorrer o caminho selecionado não pode ser um ato impensado. Deve ser o coroamento de todo um processo consciente, pautado pela ponderação e pelo equilíbrio.

superficialidade impede a obtenção do grau de conhecimento requerido para se analisar uma situação e se chegar à melhor decisão. A consciência situacional plena requer estudo abalizado. Não há como equacionar problemas complexos, como costumam ser os de nível estratégico, com informações insuficientes ou incompletas. Simplicidade é princípio de guerra. Permite descomplicar a solução, particularmente devido ao modo de se comunicar o que precisa ser feito. Simplismo, ao contrário, revela carência de fundamentos, sem levar em consideração aspectos essenciais à compreensão do ambiente. O líder precisa conhecer em profundidade a realidade a enfrentar, cercando-se de assessores zelosos, e não de meros repetidores de ideias e opiniões de “especialistas” e influencers, encontradas em profusão nas plataformas digitais.

imediatismo obscurece a visão de futuro, uma das componentes primordiais da liderança estratégica. As decisões de caráter estratégico exigem mais persistência no tempo e mais abrangência no espaço. Vantagens momentâneas raramente são sustentáveis, tampouco atendem a todos os aspectos envolvidos na análise da questão. Tendências de longo prazo devem sobrepujar percepções passageiras. É necessário semear para que se possa colher. E isso requer desprendimento, paciência e compreensão histórica. O líder estratégico precisa fazer escolhas que nem sempre lhe permitirão desfrutar dos resultados em curto prazo, mas a responsabilidade e o compromisso com as gerações vindouras impõem a humildade de preparar o terreno para que outros eventualmente colham os louros.

conturbação afeta a capacidade que se requer de um líder de conciliar múltiplos e diversos interesses na busca de um propósito comum. A polarização da sociedade, os posicionamentos radicais, o desprezo pelo diálogo e a cultura do cancelamento e linchamento nas redes virtuais têm causado sérias restrições ao exercício da liderança. No meio militar, esse tipo de comportamento atenta contra a hierarquia e a disciplina e compromete a coesão. Ambientes conturbados geram círculos viciosos de preconceitos, ofensas e retaliações, que subtraem energia e desviam o foco dos legítimos anseios coletivos e dos objetivos estratégicos a serem alcançados. A liderança estratégica demanda resiliência para sobrepujar essas questões limitadas e dispersivas.

Como se pode observar, o exercício da liderança estratégica tem sido confrontado por características próprias do ambiente informacional altamente digitalizado da atualidade, que tenho identificado como Mundo PSIC. Assim como sugerido nos trabalhos anteriores, é necessário compreender essa questão a fim de se encontrar as respostas mais adequadas ao desafio que representa.

De modo conclusivo, identifico na trilogia liderança estratégica – ética militar – comunicação estratégica o arcabouço mais indicado para se analisar o ambiente informacional de nossos dias e melhor compreender a realidade em que estamos inseridos, a fim de que se possam encontrar soluções integradas, alinhadas e sincronizadas para o amplo espectro de atuação do Exército, em face da relevância, da complexidade e da variedade das missões que lhe são atribuídas pela Nação Brasileira.

1 O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento

2 O Mundo PSIC e a Ética Militar, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-psic-e-a-etica-militar.html

3 Acrônimo usual no Exército para Estacione, Sente-se, Alimente-se, Oriente-se e Navegue. Trata-se de um procedimento de sobrevivência que visa a retomada da consciência da situação e da capacidade de decidir de modo a prosseguir na missão.

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).