Você já imaginou que há fazendas no mar? Isso já é uma realidade no mundo – inclusive no Brasil. A aquacultura ou aquicultura tem por objetivo criar organismos aquáticos, incluindo organismos marinhos, para fins de produção comercial, como peixes (piscicultura), moluscos (malacocultura), mexilhões (mitilicultura), crustáceos (carcinicultura), ostras (ostreicultura), vieiras (pectinicultura) e algas (algicultura).

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em 2018 a pesca rendeu 96,4 milhões de toneladas, enquanto a produção da aquicultura gerou 82,1 milhões de toneladas – cenário que ilustra a importância dos cultivos em relação às atividades extrativistas. Atualmente, países da Ásia são responsáveis por 42% da aquicultura mundial, de acordo com o anuário da FAO Estado Mundial da Pesca e Aquicultura (The State of World Fisheries and Aquaculture), que apresenta dados recentes da produção aquícola.

Parte dessa produção é originária da maricultura – que é o cultivo especificamente de organismos marinhos em regiões costeiras e no mar aberto –, como salmão marinho (Salmo salar), camarão-branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei), espécies de ostras (Crassostrea spp.), vôngole ou amêijoa (Ruditapes philippinarum), algas marinhas kombu (Laminaria japonica), algas euchematoides (Eucheuma spp. e Kappaphycus alvarezii), wakame (Undaria pinnatifida), nori (Pyropia spp. e Porphyra spp.) e diversas espécies do gênero Gracilaria.

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Entretanto, a maricultura brasileira restringe-se basicamente a camarões, mexilhões, ostras, vieiras, peixes e macroalgas. Atualmente, o cultivo de crustáceos e moluscos tem maior destaque, mas o cultivo de peixes e macroalgas tem ganho impulso na produção nacional. O principal cultivo marinho no País é o de camarão, realizado principalmente no Rio Grande do Norte e no Ceará. Já Santa Catarina lidera a produção de ostras, vieiras e mexilhões. E a algicultura concentra-se no Nordeste, no Rio de Janeiro e em Santa Catarina.

E engana-se quem pensa que a maricultura é útil só para a alimentação. A maricultura contribui para indústrias farmacêuticas e de cosméticos; remedeia a má qualidade da água (no caso do cultivo de algas, por exemplo); possibilita a multiplicidade da atividade econômica e social de forma sustentável; beneficia comunidades tradicionais costeiras que frequentemente vivenciam limitações econômicas devido a atividades focadas principalmente no extrativismo; preserva os estoques naturais de recursos marinhos e não compete com áreas destinadas à agricultura e à pecuária.

Mas como acontece a implementação dessa atividade? A maricultura exige menos gastos de implantação e operacionalidade quando comparada à agricultura. Inicialmente, a atividade requer investimento financeiro, tecnológico, científico e de capacitação a fim de propiciar uma prática mais sustentável e eficiente. No entanto, após seu estabelecimento, as chances de sucesso aumentam e a produção segue uma tendência de progressiva produtividade. Mas antes da sua implementação, aspectos importantes devem ser considerados, que incluem a escala de produção, diversificação de espécies, capacidade de carga do sistema, uso de antibióticos, químicos ou probióticos, uso de ração e tratamento de resíduos. Dentre esses aspectos destacam-se desafios importantes para a maricultura ter um caráter cada vez mais sustentável. Um aspecto relevante associado aos impactos da maricultura é relacionado aos rejeitos produzidos nos cultivos, seja em função da perda de ração ou mesmo da produção de fezes e excretas pelos organismos cultivados. Isso é agravado pelo fato de a maricultura ser baseada atualmente no monocultivo, no qual apenas uma espécie é cultivada.

Porém, práticas mais eficientes e sustentáveis têm sido propostas com a finalidade de diversificar a produção de alimentos e outros produtos. Nesse sentido, surge a Aquacultura Multitrófica Integrada (na sigla em inglês IMTA, Integrated Multitrophic Aquaculture) que é baseada na produção aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização de recursos de diferentes níveis tróficos, como produtores primários (macroalgas), consumidores primários filtradores (mexilhões, ostras e vieiras), comedores de detritos (camarões) e consumidores secundários (peixes).

Dessa forma, a integração de mais de um nível trófico no cultivo permite que resíduos gerados ou recursos não aproveitados por um organismo sejam usados por organismos de outro nível trófico. Por exemplo, parte do alimento oferecido aos peixes em forma de ração que não é ingerida por eles pode servir de alimento para seres filtradores, como ostras e mexilhões. Adicionalmente, tanto rejeitos sólidos como dissolvidos dos peixes podem servir para a nutrição de organismos filtradores ou macroalgas, que aproveitam de forma muito eficiente o nitrogênio e o fósforo dissolvidos na água do mar.

A Aquacultura Multitrófica Integrada constitui uma tendência mundial que beneficia a bioeconomia azul e a sua sustentabilidade, uma vez que, ao invés de cultivar uma única espécie, ela favorece a produção de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo a reduzir o desperdício de recursos não utilizados por um determinado organismo, ao mesmo tempo em que promove a diversificação da atividade econômica, promovendo uma prática produtiva com menor pegada ecológica.

Logo, uma maricultura multitrófica deveria incluir peixes, camarões, moluscos filtradores e macroalgas. Porém, essa diversificação e integração não são simples de ser implementadas e requerem maior investimento e capacitação técnica. Assim, as práticas de maricultura multitrófica têm sido fundadas principalmente na integração de dois níveis tróficos, por exemplo, peixes-macroalgas, camarões-macroalgas e moluscos-macroalgas. Dessas ações, é evidente que a inclusão das macroalgas no sistema de maricultura é essencial, uma vez que esses organismos possibilitam a remoção de grandes quantidades de resíduos inorgânicos que ficam dissolvidos na coluna d’água.

Atualmente, no Brasil, duas macroalgas podem ser utilizadas em maricultura integrada devido à disponibilidade de biomassa para cultivo, a espécie nativa Gracilaria caudata e a espécie exótica Kappaphycus alvarezii. Outras espécies de macroalgas dos gêneros Gracilaria, Hypnea, Pyropia, Ulva e Monostromaapresentam grande potencialidade, mas requerem produção de mudas para um cultivo semi-intensivo. Dentre os peixes que podem ser alvo de cultivo estão o bijupirá, o robalo-peva, a tainha, a garoupa e o pampo, que possuem elevada demanda de mercado. Entretanto, o cultivo de alguns desses organismos no mar não possui uma tecnologia bem estabelecida. Em contrapartida, a maricultura de camarões, mexilhões, ostras e vieiras já é uma atividade consolidada em diversas regiões do País, incluindo a disponibilidade e produção de ‘sementes’, tecnologia de cultivo, capacitação de mão de obra e mercado. Essa maturidade nesses cultivos traz à maricultura multitrófica entre esses organismos e as macroalgas uma maior viabilidade a curto e a médio prazo.

Apesar de tantos benefícios, ainda são tímidos os programas de incentivo à aquicultura e à maricultura, quando comparados à agricultura e à pecuária. Com cerca de oito mil quilômetros de costa e com o extenso território marítimo conhecido como Amazônia Azul – uma analogia à Amazônia terrestre, detentora de uma imensurável diversidade e riqueza –, o cultivo de organismos marinhos possui um imenso potencial de desenvolvimento no Brasil.

Mas para que a potencialidade da maricultura seja materializada, recomenda-se que o País invista mais na integração e na implementação de políticas públicas que permitam impulsionar a atividade, na capacitação dos produtores, na incorporação de sistemas multitróficos de cultivo, na produção de sementes ou mudas, na integração de tecnologias que aprimorem a produção, na realização de pesquisa para a seleção de espécies e no melhoramento das espécies cultivadas. Os desafios são gigantescos, mas os benefícios da maricultura sustentável podem ser igualmente vultosos. E o caminho está nas fazendas no meio do mar.

Fonte: Jornal da USP