Foto: 123RF

Por Ferraz Jr

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A criminologia estuda a criminalidade, a personalidade do criminoso e formas de ressocializá-lo para o controle social do ato criminoso, entre outras questões. Em países como Estados Unidos, Inglaterra e Japão é uma ciência autônoma há décadas. Já na América do Sul é apenas uma disciplina em cursos de Direito, Psicologia ou Ciências Sociais. Mas esse cenário pode mudar e o primeiro passo foi dado com a criação de uma parceria entre universidades europeias, peruanas, colombianas e as brasileiras Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e USP, através da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP).

Da parceria nasceu o SuCCESS, acrônimo de Strengthening Criminology teaching through Cooperation among European and South-american universities (Fortalecimento do ensino de criminologia por meio da cooperação entre universidades europeias e sul-americanas), projeto que recebe financiamento de €$ 1 milhão, com vigência de três anos (2020-2022), da agência de fomento Education, Audiovisual and Culture Executive Agency (EACEA – Agency), um braço da União Europeia (UE). Coordenadora do SuCCESS, especialista no assunto e membro da Sociedade Internacional de Criminologia, a professora do Departamento de Psicologia da FFCLRP Marina Rezende Bazon conta que os integrantes do projeto são “especialistas da América do Sul que fizeram mestrado e doutorado em universidades europeias e norte-americanas e sentiram que há uma enorme lacuna nessa área de conhecimento que precisa ser preenchida aqui no continente.”

Com o apoio dos colegas europeus e norte-americanos, esses especialistas estão trabalhando para a implementação da primeira fase do SuCCESS, que deve desenvolver ou aprimorar os currículos de pós-graduação em criminologia. Segundo Marina, os currículos objetivam qualidade do ensino e da pesquisa na área de Segurança Cidadã e Justiça Criminal nas universidades integrantes do projeto.

A professora conta que, quando da redação do projeto, cada instituição indicou o que ia fazer em relação ao currículo da criminologia em seus países. Muitos participantes são da área do direito, com mestrado em criminologia e ciências criminais, vinculados à área do direito criminal e penal, o que não é a criminologia científica que se faz no exterior. Por isso se comprometeram a aperfeiçoar o produto final, ou seja, o produto já existente, e desenvolver conteúdos também na graduação. Outros parceiros, que não têm nenhuma iniciativa na área, se comprometeram a criar um currículo novo em criminologia. Como exemplo, a professora cita que a “USP criará um curso de especialização (lato sensu) com um currículo específico e a UFMG aperfeiçoará o mestrado (stricto sensu) já existente.”

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América do Sul tem baixo conhecimento especializado na área – Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ via Flickr CC

A segunda fase estabelecerá a formação progressiva de uma Rede Internacional de Cooperação Interuniversitária Euro-Sul-Americana em Criminologia para a formação profissional e gestão do conhecimento criminológico aplicado. “Hoje os especialistas em Criminologia na América do Sul têm todos como área básica de conhecimento na formação acadêmica cursos como Sociologia, Psicologia e Direito,” explica Marina.

Entusiasta da iniciativa, o coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo e doutor em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Glauco Silva de Carvalho, afirma que “no direito, por exemplo, ela se restringe aos estudos das leis penais”. Essa ciência, conta Carvalho, além de estudar, entre outras questões, a criminalidade e suas causas, a personalidade do criminoso e a maneira de ressocializá-lo, o criminólogo atua na definição, implantação e acompanhamento de políticas de prevenção e combate ao crime.

Assim, a “criminologia vai ajudar inclusive a entender graves problemas dentro da própria polícia, como as mortes provocadas por policiais militares e a corrupção na Polícia Civil,” garante o coronel, que chegou a conversar com o então reitor da USP, João Grandino Rodas, sobre a necessidade de criação da graduação em criminologia. Ainda, segundo Carvalho, “a criminologia pode fornecer instrumentos, concentrar esforços e dispender energia e recursos para estudar esses problemas, uma vez que a legitimidade das polícias e a reconciliação entre o Estado, através das  suas polícias, e a sociedade é uma tarefa premente, e esse curso pode auxiliar muito nessa tarefa.”

Para Marina, o SuCCESS é o primeiro passo para a criação da história da criminologia em países latino-americanos, “que têm muitos problemas de criminalidade e baixo conhecimento especializado na área, justamente pela falta de uma ciência que se dedique a essas questões.” Mas, apesar dos esforços do grupo, a ideia deve demorar a se concretizar. Adianta a professora que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “É preciso antes criar uma ‘massa crítica’ de especialistas na área para, inclusive, ter condições futuras de garantir a docência na graduação”, afirma. Para ela, “o importante agora é criar uma cultura na sociedade que gere demanda por profissionais dessa área e que justifique a criação da graduação em Criminologia. Isso leva tempo.”

Integram o SuCCESS, a Universidade de Granada, Universidade de Elche Miguel Hernandez e Universidade de Castilla La Mancha, da Espanha, e a Universidade do Porto, Universidade Católica Portuguesa e Universidade do Minho, de Portugal. Do Brasil, a USP e a UFMG; do Peru, a Universidade Nacional Mayor de San Marcos e Universidade Católica San Pablo, e da Colômbia, a Universidade de Santo Tomás e Universidade Antonio Nariño.

Região com maior número de homicídios no mundo

Além do continente ter uma lacuna nessa área de conhecimento, tem estatísticas robustas que justificam a criação do projeto SuCCESS. De acordo com o Estudo Global sobre Homicídios divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado, com dados referentes a 2017, a América Latina aparece com a maior taxa de homicídios do mundo, 17,2 mortes por 100 mil habitantes. No mundo, esse número é de 6,4 mortes por 100 mil habitantes. Ainda de acordo com o relatório, os dez países com os maiores índices de homicídios no mundo estão na América Latina e Caribe.

Os números do Brasil são ainda mais alarmantes, 30,5 homicídios por 100 mil habitantes, ficando atrás somente da Venezuela, com 56. Os homicídios cometidos por policiais no Brasil também chamam atenção no relatório; foram 1.599. No mesmo ano, 80 policiais brasileiros foram mortos. Em números absolutos, Brasil e Nigéria, que concentram 5% da população mundial, têm juntos 28% dos homicídios.

Mais informações: e-mail [email protected]

Fonte: Jornal da USP