Não fique refém dos algoritmos, nos siga no Instagram, Telegram ou no Whatsapp e fique atualizado com as últimas notícias. |
Em um país de dimensões continentais, a imensidão azul que o cerca é frequentemente esquecida. Agora, após 12 anos de debates, resistências e articulações, a Câmara se prepara para votar um projeto que pode transformar essa realidade. A chamada “Lei do Mar” pretende estabelecer regras claras, princípios ecológicos e diretrizes para integrar desenvolvimento econômico e conservação marinha. Uma nova forma de governar o mar — e de escutar quem dele depende para viver.
Uma lei para organizar o oceano brasileiro
O Projeto de Lei 6.969/2013, conhecido como Lei do Mar, cria a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho. Seu objetivo é simples e ambicioso: fornecer um arcabouço normativo que permita ao Brasil ordenar o uso econômico, ambiental e social de seu território marinho — e enfrentar os impactos das mudanças climáticas com inteligência e precaução.
Entre os principais instrumentos previstos no texto está o Planejamento Espacial Marinho (PEM), uma ferramenta de gestão integrada que organiza os diferentes usos do mar — da pesca à mineração, da navegação à geração de energia — de forma coordenada e sustentável, com base em uma abordagem ecossistêmica. A lei também harmoniza legislações municipais, estaduais e federais sobre o litoral e estabelece diretrizes para planos de emergência em caso de desastres, como vazamentos de petróleo.
Princípios modernos para uma governança oceânica inclusiva
Mais do que regras fixas, a Lei do Mar propõe princípios norteadores. Entre eles, destacam-se:
-
Poluidor-pagador: quem causa danos ao ecossistema marinho deve compensá-los.
-
Protetor-recebedor: quem protege os oceanos deve ser incentivado a continuar fazendo isso.
-
Desenvolvimento sustentável, prevenção e precaução: garantir que as ações de hoje não comprometam o amanhã.
Outro aspecto inovador é o estímulo à gestão compartilhada, com a participação de comunidades locais, pescadores artesanais, cientistas, iniciativa privada e órgãos públicos. A ideia é substituir decisões unilaterais por uma lógica de corresponsabilidade.
“O mar precisa ser tratado como um bioma. E como tal, exige proteção, planejamento e participação social”, defende o relator do projeto, deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE).
Comunidades tradicionais e meio ambiente no centro do debate
A proposta também fortalece os direitos e o protagonismo das comunidades costeiras, valorizando o conhecimento tradicional e a educação ambiental como parte da política pública.
“Proteger o mar não é apenas preservar espécies marinhas. É proteger a pesca artesanal, a cultura local e os modos de vida de milhares de brasileiros que dependem da saúde desse ecossistema”, afirma Gadêlha.
A lógica é semelhante à da proteção das matas ciliares dos rios: ao proteger recifes, manguezais e áreas costeiras, previne-se erosão, inundações e impactos climáticos severos, fortalecendo a resiliência dos territórios.
Uma articulação que venceu resistências
Proposto em 2013 por Sarney Filho e Alessandro Molon, o projeto enfrentou resistências intensas de setores como a pesca industrial, mineração em alto-mar, energia eólica offshore e, em determinado momento, até da Marinha do Brasil — preocupada com eventuais perdas de competência.
Desde que assumiu a relatoria em 2021, Túlio Gadêlha promoveu um processo de escuta e revisão do texto, para garantir segurança jurídica sem abrir mão da preservação ambiental.
A pesca industrial, por exemplo, tem hoje apoio declarado ao projeto, após compreender que a lei pode abrir portas para novos mercados internacionais, exigentes com critérios de sustentabilidade.
A Marinha, por sua vez, tornou-se parceira da proposta, ao reconhecer seu papel na promoção da educação ambiental e no combate à poluição marinha.
O que muda em caso de aprovação?
Se a Lei do Mar já estivesse em vigor, desastres como o vazamento de petróleo de 2019, que atingiu mais de mil localidades do litoral brasileiro, teriam sido tratados com mais eficiência. A legislação teria fornecido planos de emergência claros, competências definidas entre os entes federativos e orientações para mobilização das comunidades.
Além disso, a lei pode servir como base para novas normas, como regulamentações sobre hidrogênio verde, eólicas offshore, plataformas petrolíferas e mineração marinha. “É uma espinha dorsal para o futuro da legislação costeira e oceânica no Brasil”, resume Gadêlha.
Uma lei que pensa no mar como um bem comum
A proposta não proíbe nem autoriza atividades econômicas diretamente. Em vez disso, ela organiza, equilibra e orienta. Garante participação social, avalia impactos, cria exigências para estudos científicos e reforça os deveres de quem deseja explorar o mar.
A votação no plenário da Câmara está prevista para esta semana. Se aprovada, a Lei do Mar poderá inaugurar uma nova era de governança oceânica no Brasil, aliando crescimento econômico à preservação ambiental e ao respeito pelas comunidades tradicionais.
Participe no dia a dia do Defesa em Foco
Dê sugestões de matérias ou nos comunique de erros: WhatsApp 21 99459-4395