Projeto que cria gestão do mar avança na Câmara

Patrulha conduzida na área da Plataforma “Mexilhão” na Bacia de Santos (SP)
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Em um país de dimensões continentais, a imensidão azul que o cerca é frequentemente esquecida. Agora, após 12 anos de debates, resistências e articulações, a Câmara se prepara para votar um projeto que pode transformar essa realidade. A chamada “Lei do Mar” pretende estabelecer regras claras, princípios ecológicos e diretrizes para integrar desenvolvimento econômico e conservação marinha. Uma nova forma de governar o mar — e de escutar quem dele depende para viver.

Uma lei para organizar o oceano brasileiro

O Projeto de Lei 6.969/2013, conhecido como Lei do Mar, cria a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho. Seu objetivo é simples e ambicioso: fornecer um arcabouço normativo que permita ao Brasil ordenar o uso econômico, ambiental e social de seu território marinho — e enfrentar os impactos das mudanças climáticas com inteligência e precaução.

Entre os principais instrumentos previstos no texto está o Planejamento Espacial Marinho (PEM), uma ferramenta de gestão integrada que organiza os diferentes usos do mar — da pesca à mineração, da navegação à geração de energia — de forma coordenada e sustentável, com base em uma abordagem ecossistêmica. A lei também harmoniza legislações municipais, estaduais e federais sobre o litoral e estabelece diretrizes para planos de emergência em caso de desastres, como vazamentos de petróleo.

Princípios modernos para uma governança oceânica inclusiva

Mais do que regras fixas, a Lei do Mar propõe princípios norteadores. Entre eles, destacam-se:

  • Poluidor-pagador: quem causa danos ao ecossistema marinho deve compensá-los.

  • Protetor-recebedor: quem protege os oceanos deve ser incentivado a continuar fazendo isso.

  • Desenvolvimento sustentável, prevenção e precaução: garantir que as ações de hoje não comprometam o amanhã.

Outro aspecto inovador é o estímulo à gestão compartilhada, com a participação de comunidades locais, pescadores artesanais, cientistas, iniciativa privada e órgãos públicos. A ideia é substituir decisões unilaterais por uma lógica de corresponsabilidade.

“O mar precisa ser tratado como um bioma. E como tal, exige proteção, planejamento e participação social”, defende o relator do projeto, deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE).

Comunidades tradicionais e meio ambiente no centro do debate

A proposta também fortalece os direitos e o protagonismo das comunidades costeiras, valorizando o conhecimento tradicional e a educação ambiental como parte da política pública.

“Proteger o mar não é apenas preservar espécies marinhas. É proteger a pesca artesanal, a cultura local e os modos de vida de milhares de brasileiros que dependem da saúde desse ecossistema”, afirma Gadêlha.

A lógica é semelhante à da proteção das matas ciliares dos rios: ao proteger recifes, manguezais e áreas costeiras, previne-se erosão, inundações e impactos climáticos severos, fortalecendo a resiliência dos territórios.

Uma articulação que venceu resistências

Proposto em 2013 por Sarney Filho e Alessandro Molon, o projeto enfrentou resistências intensas de setores como a pesca industrial, mineração em alto-mar, energia eólica offshore e, em determinado momento, até da Marinha do Brasil — preocupada com eventuais perdas de competência.

Desde que assumiu a relatoria em 2021, Túlio Gadêlha promoveu um processo de escuta e revisão do texto, para garantir segurança jurídica sem abrir mão da preservação ambiental.

A pesca industrial, por exemplo, tem hoje apoio declarado ao projeto, após compreender que a lei pode abrir portas para novos mercados internacionais, exigentes com critérios de sustentabilidade.

A Marinha, por sua vez, tornou-se parceira da proposta, ao reconhecer seu papel na promoção da educação ambiental e no combate à poluição marinha.

O que muda em caso de aprovação?

Se a Lei do Mar já estivesse em vigor, desastres como o vazamento de petróleo de 2019, que atingiu mais de mil localidades do litoral brasileiro, teriam sido tratados com mais eficiência. A legislação teria fornecido planos de emergência claros, competências definidas entre os entes federativos e orientações para mobilização das comunidades.

Além disso, a lei pode servir como base para novas normas, como regulamentações sobre hidrogênio verde, eólicas offshore, plataformas petrolíferas e mineração marinha. “É uma espinha dorsal para o futuro da legislação costeira e oceânica no Brasil”, resume Gadêlha.

Uma lei que pensa no mar como um bem comum

A proposta não proíbe nem autoriza atividades econômicas diretamente. Em vez disso, ela organiza, equilibra e orienta. Garante participação social, avalia impactos, cria exigências para estudos científicos e reforça os deveres de quem deseja explorar o mar.

A votação no plenário da Câmara está prevista para esta semana. Se aprovada, a Lei do Mar poderá inaugurar uma nova era de governança oceânica no Brasil, aliando crescimento econômico à preservação ambiental e ao respeito pelas comunidades tradicionais.

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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