Ao conhecerem o submarino Riachuelo na sua fase final para entrega e acompanharem o processo de construção dos submarinos Humaitá e Tonelero, os alunos puderam visualizar na prática os frutos da cooperação internacional e da diplomacia brasileira, além do fundamental fomento à Base Industrial de Defesa e da Ciência e Tecnologia nacionais. “O Capitão de Mar e Guerra Moniz Aragão nos presentou com uma admirável palestra que nos introduziu ao importante tema da soberania e defesa do nosso país. Um conteúdo enriquecedor que nos ajudará em nossas formações, estudos e futuras pesquisas”, observou Laryssa Lopes de Oliveira Barbosa, aluna do PPGSID.

1. Introdução

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Earle (2001), ao analisar a respeito do pensamento de List, Smith e Hamilton, aponta que, o poder militar é construído sobre as fundações econômicas de um país. Desse modo, é possível correlacionar esta afirmativa com a reflexão em torno do fomento à Defesa Nacional, abarcando desde a compra até o desenvolvimento de tecnologias, por meio de uma indústria de ponta, passando pela aceleração de programas militares.

Diante dessa constatação. Este artigo tem como objetivo analisar a importância do processo de aquisição de produtos de defesa (PRODE) para o desenvolvimento e consolidação da Base Industrial de Defesa (BID). Para tanto, será destacada a importância da indústria de defesa junto ao Estado e as consequentes inovações tecnológicas geradas pelo setor de defesa e que possuem capacidade de transbordar para os demais setores da sociedade. Na fase final, este artigo apresenta a realidade brasileira e aponta algumas considerações sobre o assunto com base no que foi descrito.

2. A indústria de defesa e o Estado

De acordo com os documentos de defesa do Brasil, a BID é definida como sendo os conglomerados de instituições de natureza estatal e privada, civil e militar, que atuam em pesquisas, desenvolvimento, industrialização, produtos, inovações, avanços, progressos, entre outras ações, aos produtos de defesa (PRODE) no país. A diretriz nº 22, da Estratégia Nacional de Defesa, estabelece que a Base Industrial de defesa deve conquistar a autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa para desenvolver tecnologias de defesa de ponta, como foco voltado para o progresso de capacitações operacionais (BRASIL, 2020; BRASIL, 2012).

Sobre economia de defesa, Sandler e Hartley (1999) definem como sendo o estudo de temas voltados para a Defesa Nacional utilizando as ferramentas da ciência econômica, ou seja, a economia de defesa visa auxiliar a condução de políticas públicas para o setor de defesa, haja vista que o processo de aquisição e a política industrial de defesa requer uma série de especificidades. Neste cenário, o Estado, exerce a função de regulador, financiador e comprador, visto ser um setor monopsônio na política industrial de defesa.

O processo de aquisição pressupõe construir e sustentar os sistemas e plataformas de armas, gerando novas capacidades militares, dinamismo e resiliência para a BID, reduzindo os custos econômicos e operacionais. Neste cenário, Hartley (2011) argumenta que as mudanças nas novas tecnologias exigem que as Forças Armadas e as indústrias de defesa se ajustem às novidades e aos novos desafios impostos pela modernidade.

Outrossim, a aquisição pressupõe construir e sustentar sistemas e plataformas de armamentos e equipamentos bélicos que objetivem garantir a defesa e a resistência da BID, o desenvolvimento de inovações no setor e novas capacidades no âmbito militar, reduzindo, dessa maneira, custos que venham a ser elevados economicamente e operacionalmente. Na correlação entre a política econômica e industrial, é crucial que o planejamento estratégico esteja integrado, visto que o ambiente internacional é, cada vez mais, caracterizado por ameaças e incertezas. Por isso, torna-se fundamental refletir e planejar políticas públicas para a indústria de defesa na atual dinâmica competitiva do sistema internacional. Markowski et al (2010) acrescenta que a política da indústria de defesa deve ser compreendida como um subconjunto da política de compras de defesa do país, pois além de complementar as aquisições e compras, oferta mais investimentos para a indústria local.

Dessa forma, entende-se que a indústria de defesa é dependente das políticas de Estado. Dessa maneira, a partir do que fora apresentado e analisado, a finança é o ponto nervoso do poder e da guerra. Hartley (2017) ainda pontua que os grandes desenvolvimentos na defesa, como novas tecnologias e a Revolução nos Assuntos Militares (RAM) estão intimamente correlacionados com o fator econômico e com o planejamento estratégico. Em suma, a política industrial robusta e a estratégia de gestão tecnológica, além de gerar maior eficiência militar, ganha forma quando desenvolvida numa política industrial de defesa mais eficiente (HARTLEY, 2017).

3. A indústria de defesa e a inovação tecnológica

Com o fim da Guerra Fria e a estruturação da Nova Ordem Mundial, a conjuntura da indústria de defesa e os dispêndios no setor de defesa sofreram fortes alterações, como foi apontado no The Military Balance das últimas duas décadas. Desse modo, é possível correlacionar os gastos globais em defesa, com ênfase no momento pós-2001, com o advento da Guerra ao Terror, com o desenvolvimento de novos sistemas de armas e com o fortalecimento dos sistemas produtivos nacionalizados. Ou seja, o desenvolvimento de novos sistemas de armas e o fortalecimento dos sistemas produtivos nacionalizados, além de promover um gasto expressivo nos dispêndios militares, no cenário pós-2001, com base no SIPRI (2022) e no The Military Balance (2021), transcorre a questão de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).

Segundo Paret (2001), a ciência e a guerra sempre estiveram intimamente ligadas. Pensamento este que se correlaciona com a argumentação desenvolvida por Ruttan (2006), especialmente, no escopo temporal pós 11/9, uma vez que o autor desenvolve o argumento que o cenário tecnológico seria muito distinto na ausência dos avanços e contribuições tecnológicas militares na área de defesa, visto que não haveria a aceleração do período de maturação e desenvolvimento científico. Gansler (2011), Saunders et al (1995) e Leske (2018) corroboram essa assertiva ao apontarem que a inovação tecnológica no meio militar tem sido parcela do processo de evolução dos confrontos armados, tendo como foco o interestatal.

Os gastos para a produção de artefatos bélicos e produtos de defesa, como um todo, são elevados. Logo, Gansler (2011) entende que os investimentos devem ter como foco o aperfeiçoamento tecnológico existente, o que seria mais viável na óptica econômica, pois diminuiria o tempo da maturação tecnológica e proporcionaria melhor desenvolvimento dos sistemas de armas e dos sistemas produtivos nacionalizados. Sobre a inovação no setor de defesa, Leske (2018) pontua que a inovação é o motor da economia, resultado desse processo complexo e dinâmico, enraizado nas interações entre as instituições, caracterizado como um processo evolucionário e sistêmico.

Assim, compreende-se que o desenvolvimento de artefatos tecnológicos e dos sistemas produtivos é de vital importância na área militar. Saunders et al (1995) pontuam que o âmago na investigação e na pesquisa tecnológica tem como finalidade evitar assombros que venham a comprometer a soberania e integridade territorial, assim como a segurança regional e internacional, o que ocasiona o dinamismo na área científica e na área tecnológica. Desse modo, com base no que foi discorrido até então, e relacionando com base na Política Nacional de Defesa, compreende-se que:

“A persistência de ameaças à paz mundial requer a atualização permanente e o aparelhamento das nossas Forças Armadas, com ênfase no apoio à ciência e tecnologia para o desenvolvimento da indústria nacional de defesa. Visa-se, com isso, à redução da dependência tecnológica e à superação das restrições unilaterais de acesso a tecnologias sensíveis” (BRASIL, 2012, p.25) .

Com base no proposto até o momento, Proença Júnior (1999) aborda e sintetiza essa compreensão, afirmando que a aplicação de novas tecnologias altera, substancialmente, o caráter e a condução dos conflitos, tendo impacto no potencial de combate e na eficácia militar da força combatente. Não obstante, o Livro Branco da Defesa Nacional apresenta que uma indústria de defesa competitiva e consolidada gera empregos qualificados e incentiva o desenvolvimento tecnológico, com encadeamentos produtivos para outros setores da indústria (BRASIL, 2020).

4. A realidade brasileira

A respeito da realidade brasileira, a Política da Base Industrial de Defesa (PNBID) vislumbra assegurar ao país uma autonomia operacional e tecnológica necessária à atuação das Forças Armadas. O documento também aponta que a Base Industrial de Defesa é um importante motor de crescimento econômico, além de gerador de empregos e renda, com elevado efeito sobre outros setores do ramo industrial (BRASIL, 2022). Dessa forma, nota-se o papel do completo militar-industrial-político.

A respeito a política econômica, ao focar na questão de defesa, o dilema de balas vs manteiga (guns vs butter) sempre é discutido, assim como a comparação dos gastos deste setor com os demais. Como a política industrial, a política e a estratégia de defesa de um Estado estão relacionadas com a política econômica, Hartley e Sandler (2007) entendem que as mudanças para estabelecer uma política industrial mais eficiente envolverão custos de ajuste e levarão tempo.

Logo, a indústria é a chave para o progresso e para o desenvolvimento contínuo, sendo vital ter setores estratégicos na indústria contemporânea, e o Estado desempenha o papel de ser o agente interventor e planejador. Desse modo, o desenvolvimento econômico, assim como a defesa, não é uma movimentação autônoma, mas sim, dependente das definições de prioridades e do planejamento estratégico estatal, passando pela pauta econômica e política.

Com base no que foi apresentado, vislumbra-se a centralidade da indústria para pensar defesa e planejamento, assim como elaborar políticas públicas nesta área e formar uma estratégia nacional. Para o desenvolvimento do setor de Defesa Nacional como um todo, é necessário o investimento em P&D, como já analisado. Para a realização de tal feito, é imprescindível analisar a política econômica e a política industrial, estas se relacionando com os objetivos pregados nos principais documentos de defesa, para a consolidação, crescimento e expansão da BID.

Amanda Neves Leal Marini
Mestranda em Ciências Militares na ECEME

 Referências Bibliográficas:

  1. BRASIL. Decreto nº 11.169, 10 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.in.gov. .br/web/dou/-/decreto-n-11.169-de-10-de-agosto-de-2022-421902614. Acesso em: 10 de outubro de 2022.
  2. BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa,  2012.
  3. BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa,  2012.
  4. BRASIL. Ministério da Defesa. Livro Branco da Defesa Nacional. Brasília: Ministério da Defesa, 2020.
  5. EARLE, Edward. Adam Smith, Alexander Hamilton, Friedrich List: fundamentos econômicos do poder militar. In: PARET, Peter. Construtores da Estratégia Moderna, Cap. 7, p. 295-350, 2001. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001.
  6. GANSLER, J.S. Democracy’s Arsenal: Creating a Twenty-First Century Defense Industry. Massachusetts: MIT Press, 2011.
  7. HARTLEY, K.; SANDLER, T. Handbook of Defence Economics. Amsterdam: Elsevier, 2007.
  8. HARTLEY, K. The Economics of Defense Policy: a New Perspective. London: Routledge, 2011.
  9. HARTLEY, K. The Economics of Arms. Newcastle: Agenda Publishing, 2017.
  10. INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGIC STUDIES – IISS. The Military Balance – 2021. London: Routledge, 2021.
  11. INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGIC STUDIES – IISS. The Military Balance – 2022. London: Routledge, 2022.
  12. LESKE, A. Base industrial de Defesa. In: SAINT-PIERRE, Hector; VITELLI, Marina Gisela. Dicionário de Segurança e Defesa. São Paulo: UNESP, 2018.
  13. MARKOWSKI, S. et al. Defence Procurement and Industry Policy: a small country perspective. London: Routledge, 2010.
  14. PARET, Peter. Construtores da Estratégia Moderna. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001.
  15. PROENÇA JÚNIOR, Domício et al. Guia de Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
  16. RUTTAN, Vernon. Is War Necessary for Economic Growth? Military Procurement and Technology Development. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  17. SANDLER, T.; HARTLEY, K. The Political Economy of NATO. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
  18. SAUNDERS, Kenneth; AUGENSTEIN, Bruno; BRACKEN, Paul; KRUMEL, Glenn; BIRKLER; John; CHIESA, James; CRAIN, Cullen M.; HEPPE, R. Richard; HOGLUND, Richard F; NICHIPORUK, Brian. Priority-Setting and Strategic Sourcing in the Naval Research, Development, and Technology Infrastructure. Santa Monica: RAND Corporation, 1995.

Rio de Janeiro – RJ, 15 de dezembro de 2022.


Como citar este documento:
Marini, Amanda Neves Leal. Pensar Defesa para além da política: o papel da Economia de Defesa na consolidação da Base Industrial de Defesa. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

Marcelo Barros, com informações do Exército Brasileiro
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Assessoria de Comunicação (UNIALPHAVILLE), MBA em Jornalismo Digital (UNIALPHAVILLE), Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).