O Desafio da Reserva para o Militar Brasileiro

Soldado em uniforme militar diante de casa.
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Durante anos, a rotina foi rígida, previsível e carregada de propósito. O despertar ao som do toque da alvorada, o treinamento físico diário, as formações, os planejamentos de operações, a camaradagem que só quem viveu sabe descrever. Para o militar brasileiro, a rotina molda não apenas o corpo, mas a mente, o senso de identidade e o lugar no mundo.

Mas o que acontece quando essa rotina cessa?

Para muitos, o momento da passagem para a reserva é visto como um prêmio: descanso merecido, estabilidade garantida e tempo livre com a família. Contudo, longe das solenidades, da ficha de movimentação e do último expediente, há um lado pouco falado — e profundamente doloroso — a transição.

Ansiedade antes da partida

“Faltava um ano para eu ir para a reserva, e eu já estava com insônia”, relata o Suboficial R.B., da Marinha do Brasil. “Eu via colegas meus indo, uns felizes, outros arrasados. E comecei a pensar: o que vou fazer quando não tiver mais missão?”

A ansiedade que antecede a reserva tem sido tema recorrente em rodas de conversa informais entre militares. São inquietações que vão desde a dúvida sobre como será o dia a dia até um medo mais profundo: o de se sentir inútil, de perder a própria identidade.

O fim do pertencimento

“Eu servia há 29 anos. Meu sobrenome virou minha patente”, diz o 1º Sargento reformado A.J., do Exército. “Quando fui embora, parecia que eu tinha morrido e esquecido de avisar.” O sentimento de esvaziamento, comum após décadas de serviço ativo, encontra muitos despreparados emocionalmente. De um dia para o outro, o militar deixa de ser uma referência, de ser chamado para decisões, para formar, para liderar.

Depressão na inatividade: uma batalha sem trincheiras

Médicos militares e psicólogos que atuam em apoio a veteranos confirmam que há um aumento preocupante de quadros depressivos entre militares recém-inativos. O problema é agravado pelo estigma: o militar, muitas vezes, foi treinado para aguentar calado, seguir adiante e não demonstrar fraqueza.

Essa cultura do silêncio é um dos principais entraves para que muitos busquem ajuda.

“Eu não queria parecer fraco. Minha esposa falava que eu estava diferente, triste, desligado. Mas eu dizia que era só cansaço. Quando fui ao médico, já era depressão”, revela o Capitão reformado M.S..

A falta de políticas preparatórias

Hoje, embora existam ações pontuais, não há, em escala nacional, um programa sistemático e contínuo para preparar emocionalmente os militares para a reserva. O foco, muitas vezes, está nos trâmites administrativos, na movimentação final, nos direitos adquiridos. Pouco se fala sobre o que vem depois.

Caminhos possíveis: serviço, propósito e acolhimento

Algumas iniciativas têm ajudado a reduzir esse impacto. Entidades como a AVCFN (Associação de Veteranos do CFN), a AVFAB (Associação dos Veteranos da Força Aérea Brasileira), clubes militares e até projetos cívicos voluntários têm servido como pontes para uma nova fase com propósito.

“Depois de meses em casa, sem fazer nada, fui chamado para ajudar em um projeto de Escoteiros do Mar. Ali voltei a sorrir. Voltei a ser útil. Percebi que ainda tinha muito a contribuir”, relata o Suboficial da reserva L.S..

A reinserção social e a continuidade do espírito de missão, mesmo fora da farda, têm mostrado ser caminhos eficazes para reverter quadros de angústia e desmotivação.

Família, escuta e empatia

O papel da família e dos amigos próximos também é decisivo. Escutar sem julgamento, incentivar atividades, buscar ajuda médica quando necessário e evitar a romantização do “descanso eterno” são atitudes que fazem diferença.

“Ele dizia que estava tudo bem, mas ficava o dia inteiro no sofá, sem falar. Foi quando liguei para um colega da ativa e pedi ajuda. Juntos conseguimos convencê-lo a buscar apoio”, conta C.M., esposa de um sargento da reserva.

O silêncio não pode ser a última missão

A transição para a reserva é o fechamento de um ciclo de honra e sacrifício. Mas é também o início de uma nova missão: cuidar de si. Não se trata de fragilidade, mas de humanidade. E é papel da sociedade — e das próprias Forças Armadas — garantir que cada militar que deixa o serviço ativo receba não apenas o reconhecimento oficial, mas também o suporte emocional que merece.

Falar sobre isso é honrar quem serviu. É continuar servindo, mesmo fora da farda.

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Marcelo Barros
Jornalista (MTB 38082/RJ). Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (2009). Pós-graduado em Administração de Banco de Dados (UNESA), pós-graduado em Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (UCAM) e MBA em Gestão de Projetos e Processos (UCAM). Atualmente é o vice-presidente do Instituto de Defesa Cibernética (www.idciber.org), editor-chefe do Defesa em Foco (www.defesaemfoco.com.br), revista eletrônica especializado em Defesa e Segurança, co-fundador do portal DCiber.org (www.dciber.org), especializado em Defesa Cibernética. Participo também como pesquisador voluntário no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN) nos subgrupos de Cibersegurança, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Especializações em Inteligência e Contrainteligência na ABEIC, Ciclo de Estudos Estratégicos de Defesa na ESG, Curso Avançado em Jogos de Guerra, Curso de Extensão em Defesa Nacional na ESD, entre outros. Atuo também como responsável da parte da tecnologia da informação do Projeto Radar (www.projetoradar.com.br), do Grupo Economia do Mar (www.grupoeconomiadomar.com.br) e Observatório de Políticas do Mar (www.observatoriopoliticasmar.com.br) ; e sócio da Editora Alpheratz (www.alpheratz.com.br).

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