Narrativa em guerra: tarifaço e retórica na estratégia de Trump

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Há algo de singular – e perigosamente eficaz – no modo como Donald Trump usa palavras e narrativas. O atual presidente dos EUA não apenas abusa da retórica manipulativa, como também eleva o discurso presidencial ao patamar de arma estratégica. Uma arma poderosamente calibrada para operar no campo da guerra cognitiva e dissuadir as mentes desavisadas.
Ao impor tarifas bilionárias a países aliados e tantos outros, sob a justificativa de proteger a indústria americana, Trump obrigou analistas econômicos a correrem para avaliar os impactos sobre o comércio global. O que poucos perceberam, no entanto, que o tarifaço é, ao mesmo tempo, ato econômico e performance discursiva – uma mistura de pragmatismo e show business. Em coletivas de imprensa caóticas e posts cada vez mais agressivos e convertidos em “verdades” na sua própria rede social, Trump não explica, não argumenta, não dialoga: ele faz declarações provocativas, cuidadosamente moldadas para inflamar adversários e gerar confusão cognitiva.
Esse excesso de discursos, muitas vezes com palavras aparentemente desconexas, não é descuido. É método. Em meio ao sofisma, a realidade se torna volátil. O adversário — seja ele a China, os democratas ou países aliados — é reduzido a um antagonista insignificante, enquanto o público interno é mobilizado emocionalmente por palavras que procuram conquistar as mentes e corações sensibilizados. O que se vê nessa estratégia é o uso do tarifaço como arsenal de guerra e da retórica como munição de cartucheira.
A guerra cognitiva, um tipo de conflito já notório nos meios militares e de segurança, tem conquistado terreno no cotidiano ao utilizar a mente humana como campo de batalha. Nesse teatro invisível e subjetivo, o que conta não é o que é verdadeiro, mas o que se percebe como tal. Trump utiliza isso de forma perspicaz. Ao transformar anúncios econômicos em espetáculos midiáticos, ele desloca o ponto focal da análise técnica para o terreno da emoção, explorando um sentimento de indignação e de revanche contra um “globalismo danoso”.
Não se trata apenas de proteger os interesses estadunidenses, mas de dominar a narrativa de que a América em primeiro lugar é muito mais uma identidade coletiva em disputa do que uma política necessariamente protecionista. E para que essa estratégia seja eficaz, Trump fragiliza a capacidade racional e fortalece o apelo emotivo a cada frase repetida com ironia, a cada metáfora exagerada, consolidando sua imagem como o símbolo de uma cruzada contra os tecnocratas e a realidade factual. Como em toda guerra cognitiva, o objetivo não é meramente convencer, mas desestabilizar a capacidade crítica, gerando confusão e distorcendo a realidade.
Ao se posicionar antagonicamente ao espaço democrático, com falas exageradas e ausência de escuta, Trump abre caminho para o colapso do diálogo. E se o campo de batalha é a mente, nada mais estratégico do que atacá-la com excesso de palavras manipulativas. Entre tarifas e discursos, o que está em risco não é apenas a economia global, mas a própria capacidade coletiva de distinguir entre verdade e desinformação, razão e ressentimento, política e entretenimento.
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