Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação

Em meio ao cenário de verbas restritas e “fuga de cérebros” para o exterior, o superlaboratório Sirius, principal investimento da ciência brasileira, instalado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), pode funcionar como um “atrator” de talentos na área. Pelo menos essa é a esperança de quem atua no acelerador de partículas e vê na abertura de novas estações uma forma de mostrar o potencial que o equipamento oferece aos pesquisadores.

Nos siga no Instagram, Telegram ou no Whatsapp e fique atualizado com as últimas notícias de nossas forças armadas e indústria da defesa.

Helio Tolentino, que atua no CNPEM e integrou a equipe que projetou o primeiro laboratório de luz síncrotron brasileiro, reconhece um momento de dificuldade da ciência no país, que acaba vendo talentos migrando para outros países com mais garantias e estrutura para pesquisa.

“Foram fugas em áreas cruciais para gente, pessoas foram contratadas em outras laboratórios do mundo. Abrir o Sirius tem esse lado positivo, de reter de alguma maneira a fuga de cérebros que está acontecendo. Trazer um pouco de motivação aos jovens. Ele vai ser um atrator de cérebros, de usuários que têm questões não solúveis em seus laboratórios e podem consegui-los aqui”, define.

Segundo Tolentino, a abertura de novas cinco linhas de luz – ou estações de pesquisa – amplia a oferta de possibilidades do que é possível estudar e entender no Sirius, que funciona como uma espécie de “raio-X superpotente” para analisar diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

O pesquisador reforça que o projeto enfrentou algumas restrições em 2021, mas que a equipe tentou otimizar os recursos limitados no período, permitindo concluir o que chama de “fase 1A”, totalizando seis linhas de luz entregues, e com a expectativa de conclusão da “fase 1B”, com mais oito estações, previstas para 2022 – inicialmente, a primeira fase estava prevista para ser entregue em 2020, mas questões orçamentárias adiaram a abertura do acelerador.

“Esperamos que dentro do que está prometido, do que envolve recursos da União, a gente receba verba suficiente para entregar de fato as linhas da primeira fase no ano que vem. É uma expectativa positiva para concluir as 14 linhas, mas gostaríamos de começar outras para ter em 2023 e 2024, e precisamos de recursos”, diz Tolentino.

Ana Carolina Zeri, pesquisadora e chefe da linha Manacá, primeira a entrar em operação, pondera que a fuga de cérebros, apesar de realmente ter ocorrido, serve para mostrar que o CNPEM tem “formado bem”.

“Tenho uma aluna que trabalhou o mestrado aqui e foi fazer o doutorado na Alemanha, com bolsa mesmo. Mas ao mesmo tempo que estão saindo, isso aumenta nossa chance de trocar ideias, e mostra que estamos no jogo da ciência internacional”, pontua Zeri.

Sobre as questões de verba para o Sirius, o g1 entrou em contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para questionar se o orçamento para a conclusão das linhas previstas na primeira fase do projeto estão garantidas, mas a pasta não enviou resposta até esta publicação.

Manacá

Aberta em caráter emergencial para auxiliar no combate à pandemia da Covid-19, a linha de luz Manacá começou a receber proposta de pesquisadores externos em setembro de 2020.

Dedicada à cristalografia de proteínas, a Manacá é capaz de revelar a posição de cada um dos átomos que compõem a proteína estudada, o que auxilia os pesquisadores a investigar a sua ação no organismo e sua interação com moléculas que têm potencial para o desenvolvimento de fármacos.

Segundo Ana Carolina Zeri, em pouco mais de um ano de funcionamento, foram recebidas 51 propostas de pesquisa, em ações que já beneficiaram 93 pessoas. Das imagens feitas em estudos na Manacá, já houve o depósito de 12 estruturas do Protein Data Bank, um banco internacional que acumula dados de pesquisas desde 1971.

Um dos trabalhos já realizados na Manacá e publicados revelou detalhes inéditos da reprodução do vírus da Covid-19. O estudo de pesquisadores da USP de São Carlos (SP) foi publicado em edição especial do Journal of Molecular Biology, a partir de dados obtidos no Sirius.

De acordo com a responsável pela estação, da abertura para o momento atual, a Manacá já teve um salto de capacidade de produção, como a instalação de um robô que carrega até 48 cristais para análise, o que evita troca manuais e acelera a obtenção de dados. O próximo passo, já marcado para acontecer neste mês de outubro, prevê o acesso remoto de pesquisadores de fora do CNPEM.

“Já realizamos os testes, e com isso é preciso apenas que os pesquisadores enviem os cristais e uma equipe abastece o robô e a equipe, fora daqui, pode ter acesso aos computadores e controla tudo o que está coletando, inclusive com visão de câmeras que estão na estação. Uma equipe chilena que busca novos antibióticos vai fazer esse acesso remoto no dia 29 de outubro”, conta Zeri.

cabanaopticamanaca
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta e operacional no Sirius, em Campinas (SP) — Foto: CNPEM/Divulgação

Novas estações de pesquisa

De acordo com Helio Tolentino, ter a Manacá em funcionamento já trouxe ganhos importantes para ciência brasileira, uma vez que em comparação com o antigo acelerador, o UVX, o tempo de obtenção e qualidade dos dados na linha é muito superior.

Agora, com as cinco novas linhas abertas oficialmente em cerimônia no dia 8 de outubro, a gama de possibilidades de pesquisa são maiores. Nas linhas Carnaúba, Cateretê, Ema, Ipê e Imbuia podem ser realizados estudos que visam a descoberta de novos medicamentos e tratamentos para doenças, novos fertilizantes e fontes renováveis de energia, entre outros.

“Alguns resultados são emocionantes. Conseguimos ver uma única célula do coração, e antes era impossível isso. Há uma riqueza ali dentro muito grande, para entender a morfologia, a maneira como se contrai e dilata”, conta Tolentino.

Como funcionam as novas linhas:

Carnaúba

  • Permite análises dos mais diversos materiais nano-estruturados, visando a obtenção de imagens 2D e 3D com resolução nanométrica da composição e estrutura de solos, materiais biológicos e fertilizantes, por exemplo, além de outras investigações nas áreas de ciências ambientais.

Cateretê

  • Linha otimizada para a obtenção de imagens tridimensionais com resolução nanométrica de materiais para as mais diversas aplicações. Nas ciências biológicas, por exemplo, será possível visualizar as organelas dentro de uma célula e, com isso, inferir sobre efeitos estruturais e metabolismo celular.

Ema

  • Possibilita a realização de experimentos em materiais submetidos a condições extremas de temperatura, pressão ou campo magnético. O estudo da matéria nessas condições permite investigar novos materiais com características que não existem em condições normais. Este é o caso, por exemplo, dos materiais supercondutores, capazes de conduzir correntes elétricas sem resistência, com o potencial de revolucionar a transmissão e o armazenamento de energia.

Ipê

  • Linha dedicada a estudar a distribuição dos elétrons em átomos e moléculas presentes em interfaces líquidas, sólidas e gasosas, e de como ela afeta as propriedades dos materiais. Dessa forma, Ipê permite sondar como as ligações químicas ocorrem nas interfaces de materiais como catalisadores, células eletroquímicas, materiais sujeitos a corrosão, ou ainda como a corrente elétrica se propaga em diferentes materiais, desde isolantes até supercondutores.

Imbuia

  • Estação dedicada a experimentos utilizando a luz infravermelha, que permite a diferenciação entre os distintos grupos funcionais e a análise da composição de praticamente qualquer material, com resolução nanométrica. Imbuia permite a realização de pesquisas de fronteira tanto em novos materiais sintéticos como para o entendimento de materiais naturais, como os biológicos.
tepui 20
Tepui, unidade de processamento com supercomputadores do Sirius — Foto: CNPEM/Divulgação

Laboratórios de apoio e supercomputadores

Além de abrir novas estações de pesquisa, o Sirius ampliou a infraestrutura necessária para pesquisadores com laboratórios de apoio, instalados ao redor das linhas de luz, que atenderão as demandas do usuário desde o preparo até condicionamento das amostras.

“Superimportante ter a possibilidade de preparação adequada para cada uma das linhas, além de atender demandas da comunidade, como o Laboratório de Condições Termodinâmicas Extremas”, destaca Tolentino.

No laboratório de apoio podem ser geradas condições extremas, como altas e baixas temperaturas, altas pressões e campos magnéticos, de forma que as amostras dos materiais possam ser analisadas sob essas condições especiais.

Além disso, o Sirius instalou uma unidade de processamento de dados, a Tepui, que reúne supercomputadores para receber a quantidade enorme de informações obtidas pelos pesquisadores nas linhas de luz.

“Denominada TEPUI (Throughput Enhanced Processing Unit), a infraestrutura é composta por supercomputadores batizados em homenagem a mulheres importantes como Enedina Alves Marques, Tarsila do Amaral e Rosalind Franklin. Esses computadores possuem centenas de CPUs e milhares de GB de memória RAM. O componente de destaque são as placas de vídeo A100, a mais poderosa do momento, com 40 GB de memória por placa. Nelas são executados os algoritmos que necessitam de alto poder de processamento paralelo, capazes de processar as informações mais complexas em questão de segundos”, destaca, em nota, o CNPEM.

O que é o Sirius?

sirius cnpem
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação

Principal projeto científico do governo federal, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de “raio X superpotente” que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

Além do Sirius, há apenas outro laboratório de 4ª geração de luz síncrotron operando no mundo: o MAX-IV, na Suécia.

Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para realizar os experimentos.

Esse desvio é realizado com a ajuda de imãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.

sirius1
Entenda como funciona o Sirius, o Laboratório de Luz Síncrotron — Foto: Infográfico: Juliane Monteiro, Igor Estrella e Rodrigo Cunha/G1

Fonte: G1