Imagem: Agência Brasília

O programa “Conta pra Mim” tem um acervo de 40 livros em formato digital, além de cantigas e fábulas de Monteiro Lobato interpretadas pelo cantor e compositor Toquinho. A Secretaria de Alfabetização (Sealf) do Ministério da Educação (MEC) lançou novas ações do programa Conta pra Mim, primeira iniciativa voltada à valorização da leitura no âmbito da família no Brasil, em especial para as que vivem em condição de vulnerabilidade socioeconômica. Agora, somam-se às ações iniciais um acervo de 40 livros em formato digital, além de cantigas e fábulas de Monteiro Lobato interpretadas pelo cantor e compositor Toquinho.

Achados científicos chancelados mundo afora apontam que a influência da família no desenvolvimento da linguagem dos filhos, sobretudo quando ancorada em programas dessa natureza, é um dos principais preditores do sucesso educacional e social das crianças. Especialistas como James Heckman, prêmio Nobel de Economia, afirmam que iniciativas como a do MEC são instrumentos capazes de romper o chamado ciclo da pobreza e superar vulnerabilidades sociais

O Conta pra Mim não se resume à leitura junto aos filhos, mas oferece, aos pais, orientações sobre o conceito de literacia familiar (termo consolidado mundo afora e ainda pouco conhecido no país) e ferramentas para que famílias vulneráveis possam aplicar as práticas. A implementação do programa se dá por meio de ações que independem da adesão de entes federado. “Muitas dessas práticas já são bem aplicadas por famílias de classe média e alta. São práticas muito simples, que qualquer um pode fazer em casa, e que têm impacto fenomenal no desenvolvimento cognitivo das crianças. Principalmente com relação ao vocabulário”, explica Wiliam da Cunha, diretor na Sealf. “Como as famílias pobres são mais deficientes nesse sentido, acaba-se criando um hiato enorme entre a alfabetização de crianças de famílias pobres e ricas. É justamente esse gap que o Conta pra Mim tenta cobrir”, diz.

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Pela Política Nacional de Alfabetização (PNA), o conceito de literacia familiar é compreendido como um conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem, a leitura e a escrita vivenciadas entre pais/cuidadores e filhos. Em uma das primeiras ações do programa Conta pra Mim, a Sealf disponibilizou às famílias brasileiras o chamado Guia de Literacia Familiar. Validado por especialistas estrangeiros, o documento explica o conceito de literacia familiar, sensibiliza pais e responsáveis acerca de seus benefícios e oferece ferramentas para que até mesmo pessoas menos esclarecidas possam aplicar as atividades propostas. Agora, soma-se às ações iniciais a Coleção Conta pra Mim, lançada na última terça. Espécie de biblioteca em formato digital, a coleção disponibiliza 40 obras, adaptadas pelo MEC, para download. As famílias contam, ainda, com uma sequência de cantigas infantis populares e fábulas interpretadas pelo cantor e compositor Toquinho. O conteúdo também está disponível em libras.

“Literacia familiar é se envolver na educação dos filhos, curtindo momentos especiais de afeto, carinho e diversão em família, brincando com livros e palavras”, explica, aos pais, o Guia de Literacia Familiar. “Não é preciso ter muito estudo, materiais caros nem morar em uma casa toda equipada e espaçosa para praticar a Literacia Familiar. As práticas são acessíveis a todos”. O documento torna claro que práticas de literacia familiar são amplamente acessíveis e podem ser praticadas da gestação até a adolescência dos filhos. Em resumo, essas práticas se ancoram em seis principais eixos: 1) interação verbal; 2) leitura dialogada; 3) narração de histórias; 4) contatos com a escrita; 5) atividades diversas como jogar, brincar, passear e 5) motivação.

“Nosso objetivo é sensibilizar famílias brasileiras sobre importância das práticas de literacia. Os pais são os primeiros professores dos filhos, uma vez que as crianças aprendem a falar a língua no seio familiar”, afirma Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização. “O impacto disso é decisivo para o futuro acadêmico de uma criança”. “Não estamos diante de estratégias que possam ser utilizadas apenas por famílias letradas. É um erro afirmar que as práticas de literacia só podem ser cultivadas por leitores hábeis”, diz.

Achados científicos já chancelados mundo afora apontam que a influência da família no desenvolvimento da linguagem dos filhos, principalmente entre 0 e 6 anos de idade, é decisiva para o futuro desempenho escolar e social das crianças. É, ainda, considerada um dos principais preditores do desenvolvimento dos filhos e seu desempenho educacional. Entre outras coisas, a pesquisa diagnosticou o chamado “abismo de 30 milhões de palavras”. Isso é, quando comparadas com crianças de famílias de classe média alta, crianças de famílias pobres, pelo menos até os 4 anos de idade, são submetidas a 30 milhões de palavras a menos durante seu desenvolvimento no seio familiar. Conjuntura essa que provoca impactos significativos na aprendizagem dos filhos. Mais tarde, eles tendem a ter dificuldades para consolidar a alfabetização e prosperar no ensino.

“As crianças não alfabetizadas, ou alfabetizadas precariamente, apresentam dificuldades de compreensão, o que as afasta dos livros. Consequentemente, aprendem menos, não exercitam as habilidades de leitura e perdem o interesse pela escola, comprometendo o sucesso delas na vida adulta”, explica às famílias o Guia de Literacia Familiar.

Especialistas do campo da ciência cognitiva apontam que a primeira infância representa uma janela única de oportunidades para o desenvolvimento das crianças. Se não aproveitada, a fase dificilmente será recuperável, dada a chamada plasticidade do cérebro no período. “A sensibilidade de aprendizagem nesses anos é muito maior do que em qualquer outra fase da vida, principalmente para linguagem, números, habilidades sociais. É ali que temos que intervir. Se deixarmos para os 16 anos, conseguimos, claro, algum retorno, mas com muito mais esforço, o que também implica em recurso. No Brasil, temos que saber utilizar nossos recursos”, afirma da Cunha.

Os dados também revelam que países que figuram nas melhores posições em rankings que medem não apenas a alfabetização, mas a qualidade da educação como um todo, investem em iniciativas dessa natureza. É o que revela um estudo de Joseph Price, do Departamento de Economia da Brigham Young University. “Os resultados indicam que crianças de 3 a 6 anos de idade, cujas mães leem para elas, pontuam cerca de 33% a mais no teste PPVT [um dos testes utilizados nos Estados Unidos]”, afirma o autor. O investimento em práticas de literacia familiar, além disso, impacta significativamente o desempenho de crianças em testes como Pisa e PIRLS – ao qual o Brasil aderiu em 2019.

Os vídeos com cantigas e fábulas animadas recentemente disponibilizados pela Sealf, além disso, se ancoram em pesquisas que revelam que crianças que recebem educação musical com ênfase no ensino de senso/padrões rítmicos têm mais sucesso escolar. A capacidade de perceber e reproduzir padrões rítmicos de maneira sincronizada estaria diretamente relacionada à consciência fonológica – um dos pilares para a consolidação da alfabetização.

“A educação rítmica promovida pela musicalização é fundamental para a formação de bons leitores, para que crianças tenham alto desempenho”, explica o secretário Nadaim, também coautor dos livros “Maravilhamento” e “Linha, agulha, costura: canção, brincadeira, leitura”, que abordam a alfabetização infantil sob a luz das conexões entre motricidade, padrões sonoros e ritmos, com exercícios de consciência fonológica e fonêmica. A integração de práticas motoras e musicalização é item previsto na PNA como fundamental para a alfabetização. De forma mais breve, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também menciona a necessidade de práticas de musicalização na pré-infância.

“Inseridas num contexto pedagógico adequado e combinadas com as práticas precursoras de alfabetização, as práticas artísticas e físicas, ao mesmo tempo que conferem caráter lúdico à aprendizagem, desenvolvem a atenção, a memória e o poder de concentração, além de beneficiar o processamento cognitivo e o comportamento da criança”, prevê a PNA. “O treino musical reforça a consciência fonêmica e a leitura, pois tanto a música quanto os processos linguísticos exigem a capacidade de segmentar fluxos sonoros em pequenas unidades perceptivas”. Por exemplo, quanto mais um bebê se mexe conforme o ritmo de uma música, melhor será o desenvolvimento de sua comunicação, apontam as evidências. A ciência também revela que partes do cérebro que dizem respeito ao ritmo e à fala são significativamente próximas e, portanto, a musicalização é um potencial ajudador do desenvolvimento, pois expande o horizonte intelectual das crianças. O impacto, contudo, não se dá apenas com crianças. “Pesquisas mostram que adolescentes que conseguem acompanhar batidas de um metrônomo com mais precisão são os mesmos que se saem melhor em testes de leitura e atenção”, afirma Nadalim.

Para além do impacto cognitivo no âmbito da educação, ações como Conta pra Mim acabam por fortalecer vínculos afetivos familiares, e seriam ainda mais importantes para o sucesso escolar das crianças do que fatores como renda ou escolaridade da família. Outro resultado positivo é o incentivo ao aumento da escolaridade das famílias. O retorno social (diminuição de desigualdades sociais) do investimento em políticas e programas direcionados à primeira infância é amplamente documentado, e não apenas pela psicologia cognitiva e pela pedagogia. Dentre outros, pelo economista James Heckman, prêmio Nobel de Economia, que explica como ações dessa natureza atuam como instrumento capaz de romper o chamado ciclo da pobreza. “Deveríamos investir no alicerce da preparação para a escola, desde o nascimento até os cinco anos de idade”, afirmou Heckman.

O MEC também estabeleceu uma parceria com o Ministério da Cidadania para, no âmbito do programa Criança Feliz, investir no desenvolvimento da linguagem de crianças de famílias socioeconomicamente vulneráveis. Os visitadores serão capacitados para orientar famílias quanto à literacia e distribuir materiais. De acordo com informações do Ministério da Cidadania, o Criança Feliz, programa de visitação domiciliar para a primeira infância com o objetivo de reduzir desigualdades sociais, já foi responsável por atender mais de 23 milhões de famílias vulneráveis.

Sem teor ideológico, ações encontram respaldo em evidências científicas já consolidadas mundo afora

Fonte: MEC e Gazeta do Povo